Por: Jonas | 29 Julho 2014
“A perversão do sistema penal paraguaio tem uma de suas expressões mais acabadas no caso Curuguaty. Com os processos judiciais convenientemente apontados para dirigentes camponeses, estes são mantidos de mãos atadas, sujeitos a uma armadilha do qual são vítimas quando a ocasião é propícia”, escrevem Clyde Soto, pesquisadora do Centro de Documentação e Estudos (CDE, Paraguai), e Rocco Carbone, professor da Universidade Nacional de General Sarmiento/Conicet, em artigo publicado por Página/12, 28-07-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Quando um sistema judiciário é movido pela vingança e o interesse de manter na impunidade os que cometem crimes, já não estamos mais diante de nada que possa levar o nome ético e sincero de Justiça.
O sistema judiciário do Paraguai jurou a Rubén Villalba. É o último camponês processado pelo caso Curuguaty que continua em reclusão na prisão de Tacumbú, Assunção, enquanto aguarda o julgamento oral e público, fixado inicialmente para fins de junho e postergado para novembro deste ano, após a pressão cidadã insistente, diante de um processo que exibiu, desde o começo, sua evidente sentença prévia.
Trata-se do processo pelo massacre de Marina Kue, em Curuguaty, que abriu margens para duas inflexões históricas para o Paraguai: o golpe ao governo de Lugo e a volta (rejuvenescida) do Partido Colorado ao poder. Todos os demais acusados foram enviados à prisão domiciliar, após duas greves de fome de dois meses cada uma e de fianças coletivas, medidas que teriam sido desnecessárias, caso aqueles que só tem o mandato público de administrar justiça tivessem atuado apegados à letra da lei.
O que acontece com Rubén? É a pergunta que nós fazemos, que repetimos, com a cidadania que não se resigna à injustiça. Finalizada a última greve de fome, realizada por cinco camponeses, após serem “beneficiados” (se é que cabe o benefício de uma injustiça mais benigna) com a medida alternativa de prisão domiciliar, assim que chegou a Curuguaty, Rubén foi transferido novamente à Assunção e à prisão, no mesmo veículo em que ia com seus companheiros Arnaldo Quintana, Néstor Castro, Felipe Benítez Balmori e Adalberto Castro. Do Poder Judiciário ressuscitaram magicamente outras duas causas que Rubén possuía, ambas relacionadas com a luta pela terra e a resistência do campesinato pobre ao avanço da soja transgênica e os agrotóxicos.
O que ocorre com Rubén, e o que ocorre com Curuguaty e o Paraguai, é que há um campesinato que resiste aos fatores que apenas na superfície são agrícolas, porque implicam profundas mudanças culturais, quando não catástrofes puras e duras: impactam na sempre postergada reforma agrária paraguaia e têm consequências econômicas, sociais, ambientais (desmonte, destruição, erosão e contaminação química), sanitárias (enfermidades por causa das fumigações) e na biodiversidade (a biouniformidade para a qual tende a soja é um perigo para a segurança alimentar).
Resiste-se, além disso, à catástrofe imperialista/colonialista, expressa em multinacionais e companhias estrangeiras (brasileiras, alemãs, japonesas), que compram grandes extensões de terra e conduzem à migração forçada dos grupos mais vulneráveis, pequenos camponeses e indígenas, de áreas rurais para regiões semiurbanas (periferias das cidades que tem um “sabor” rural) ou urbanas, e desalojam violentamente pequenos produtores que se negam a abandonar sua terra.
Tudo isto representa um aumento da desigualdade social, da pobreza e da exclusão, mas, principalmente a eliminação de comunidades humanas e de seus modos de vida: altera-se a posse da terra, mas também os costumes, símbolos, formas de produção, consumo, redistribuição, formas tecnológicas, organização sociopolítica. E a isso se somam o desemprego e subemprego rurais, com seus complementares conflitos sociais: alcoolismo, gravidezes não desejadas, violência familiar, perda da própria identidade, familiar.
Estima-se que 70% das migrações forçadas se devem à soja. Corolário: miséria, insegurança, violência. É contra tudo isto que Rubén lutou, e continua nisso. E sua luta é o motivo pelo qual a injustiça paraguaia o persiga e o mantenha preso. As causas para a prisão de Rubén já deveriam ter sido finalizadas, caso não fosse porque são exemplos típicos da utilização perversa da pena para desativar a resistência camponesa e a luta social, e para manter cativa a população paraguaia sob a ameaça de processos convenientes para interesses dos poderosos. O processo penal, em si mesmo, torna-se um castigo. E o sistema de justiça declina sua capacidade de administrar culpabilidades ou inocências.
A perversão do sistema penal paraguaio tem uma de suas expressões mais acabadas no caso Curuguaty. Com os processos judiciais convenientemente apontados para dirigentes camponeses, estes ficam de mãos atadas, sujeitos a uma armadilha do qual são vítimas quando a ocasião é propícia. Isto é o que ocorre com Rubén Villalba, um homem desarrazoadamente acusado como o principal responsável por ter desencadeado os fatos de Curuguaty, no processo mais injusto que se possa imaginar. Enquanto Rubén resiste diante da injustiça, há quem renda graças à impunidade.
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Curuguaty, a impunidade no Paraguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU