Por: Cesar Sanson | 03 Julho 2014
Cerca de 300 pessoas chegaram a se concentrar na Praça Roosevelt para debate público, mas a cavalaria da PM, com uso de spray de pimenta e bombas de gás, não permitiu a aglomeração de pessoas.
A reportagem é de Gisele Brito e publicada pela Rede Brasil Atual – RBA, 02-07-2014.
Contrariando o direito à livre associação, policiais militares da Tropa de Choque, Cavalaria e Força Tática coagiram a realização de um debate na Praça Roosevelt, na região central de São Paulo na noite de ontem (1). O encontro, que reuniu cerca de 300 pessoas, pretendia debater e denunciar as ilegalidades em torno das prisões do professor Rafael Marques Lusvarghi e do estudante e funcionário da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Hideki Harano, que ocorreram no último dia 23, durante uma manifestação.
Ontem, seis pessoas foram presas, entre elas os advogados Daniel Biral e Silvia Daskal, do grupo Advogados Ativistas. Biral teria chegado machucado e desacordado na 78ª Delegacia de Polícia, nos Jardins, segundo membros do coletivo que dá assistência jurídica a pessoas presas durante manifestações. Por volta das 22h, os dois advogados foram liberados. Os demais presos seguiram prestando depoimento.
O encontro, organizado pela Frente Se Não Tiver Direitos, Não Vai Ter Copa, estava marcado para as 18h. Meia hora antes do início, os policiais começaram a se posicionar em torno da praça, que foi completamente cercada. Eles não chegaram a impedir a entrada no espaço público, mas o controlavam, permitindo a passagem por "corredores" de soldados, munidos com escudos. Pessoas eram revistadas. Alguns policiais com equipamentos de filmagem profissional ou com celulares registravam toda a reunião e os rostos dos presentes no ato.
O encontro, que nunca teve a intenção manifesta de ocupar a rua, contou com a participação de intelectuais, juristas e militantes de diversos movimentos. Os dois jovens presos na semana passada foram acusados de associação criminosa e porte de explosivos. Eles são apontados como “Black Blocs”, o que é negado por advogados, amigos e conhecidos.
Harano foi transferido para a penitenciária de Tremembé, a 147 quilômetros de São Paulo. Lusvarghi está no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros. Eles tiveram prisão preventiva decretada, mesmo sendo primários. Várias pessoas testemunharam as abordagens policiais e garantem que os jovens não portavam qualquer material explosivo. Vídeos das ações divulgados na internet também não mostram nada de ilegal.
Sem nada
Até as 23h30 da noite, a polícia não havia mostrado os artefatos que justificariam as prisões. “Eu estou aqui para dizer que vi o Fábio sendo preso e ele não tinha nada”, afirmou o Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua. Ao microfone, o padre chamou os policiais de “covardes”. “Ficou claro que as prisões foram forjadas”, disse o advogado Luiz Guilherme Ferreira.
Foi durante a fala do juiz da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, Jorge Souto Maior, condenando as prisões e o aparato policial presente no debate, que a primeira prisão aconteceu. Biral e Silvia foram detidos ao questionarem porque policiais que faziam a guarda ostensiva estavam sem identificação. Biral foi imobilizado com uma chave de braço. "Ao tentar defendê-lo, Silvia foi arrastada pelas pernas e jogada no camburão", descreveu outro advogado ativista, André Zanardo.
Minutos depois, a terceira prisão ocorreu em uma das ruas próximas à praça. Um jovem artesão negro, identificado como James Johns, foi abordado enquanto passava e imobilizado com violência, segundo o coordenador de políticas para a juventude da prefeitura de São Paulo, Gabriel Medina, que acompanhava a reunião.
Várias pessoas começaram a gritar para que liberassem o rapaz. Medina e outros conseguiram desvencilhá-lo e tentaram afastá-lo dos policiais, que atiraram bombas de gás lacrimogêneo. Depois da confusão, James voltou a ser preso. Segundo Medina, não havia nenhum tipo de material explosivo ou armas na bolsa revistada. “Só tinha comida e cinco flautas”, garantiu.
Impassíveis
Até aquele momento, os bares que popularizaram a praça estavam abertos e funcionavam normalmente. Várias pessoas, impassíveis à quantidade de policiais e alheias ao clima de medo entre os manifestantes, bebiam em mesas na calçada. No momento das bombas, no entanto, os bares fecharam as portas. O Espaço Parlapatões, por exemplo, manteve a programação normal, mas com as portas abaixadas.
“O problema é que se estabeleceu uma nova normalidade, um novo padrão para a repressão policial. E as pessoas ficam indiferentes. E não dá para saber quem é o responsável por isso ainda: são os movimentos que não sabem se comunicar? É a mídia que não sabe traduzir o que está acontecendo? É a população que é muito indiferente, despolitizada? É do PT, que não soube representar uma esquerda viável e crível? Eu realmente não sei”, pondera um dos criadores do Mídia Ninja, Bruno Torturra. “Incomoda mais os conscientes que se calam do que os reacionários que dizem que têm de bater mesmo. Tem muita gente que se diz de esquerda e se cala. O cinismo é pior”, completa.
Depois da prisão do artesão, três skatistas foram presos. Eles também se manifestavam contra a prisão do jovem e foram levados. Os policiais usaram spray de pimenta para impedir que fossem feitas imagens do momento da prisão, usando técnica de estrangulamento.
Mesmo com as prisões, os organizadores continuaram a reunião, orientando para que os participantes não aceitassem “provocações dos policiais”. “Hoje, nossa força é a força das ideias, pessoal. Vamos ficar todos juntos para continuar nossa atividade até o final”, disse um deles.
O professor de filosofia da Unifesp e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Edson Tales, pontuou a semelhança das palavras de ordem do ato com as que nortearam a luta contra a ditadura civil-militar (1964-1985). “É muito semelhante.
A gente diz ‘ditadura não’, ‘não à repressão’. É igual. Um tio meu foi preso na rua, acusado de ter resistido e depois foi morto. Muito igual ao que acontece nas periferias contra os jovens negros e agora contra os ativistas”, comentou. “O que eles querem é criminalizar a ação política contestadora. A polícia está a serviço de uma oligarquia política que se perpetua no poder. Nós não estamos em uma ditadura. Estamos em uma democracia autoritária”, declarou.
Para o metroviário Paulo Pasin, um dos demitidos após a greve da categoria no mês passado, a repressão policial tem o objetivo de passar uma mensagem do governador Geraldo Alckmin (PSDB). “Eles querem dizer que o que o Movimento Passe Livre conseguiu ano passado ninguém mais vai conseguir de novo”, ressaltou durante a reunião, referindo-se às manifestações de junho de 2013.
Para o professor de direito da Universidade de São Paulo, Ari Solon, só há possibilidade de liberação de Fábio e Rafael mediante recursos no Supremo Tribunal Federal, já que, na análise do livre-docente, o Judiciário paulista é “contaminado pela repressão”. “Aqui toda a ideologia do capital é para prender jovens inocentes”, destacou. Até agora, a Justiça negou os pedidos para que os dois rapazes fossem liberados.
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PM contraria direito a reunião e dissipa ativistas após debate público sobre prisões em SP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU