Por: Cesar Sanson | 02 Julho 2014
Contrário a projeto urbanístico que prevê construção de torres residenciais e comerciais em área histórica, movimento popular ocupa local e pressiona governo e construtoras por mais transparência e participação.
A reportagem é de Ericka de Sá e publicada por Deutsche Welle, 01-07-2014.
Cidade que carrega em sua história capítulos de protagonismo político, econômico e cultural, o Recife, capital de Pernambuco, passa por um momento de tensa transformação. Contrários a um projeto privado que prevê a construção de torres residenciais e comerciais numa área histórica da cidade, o Cais José Estelita, movimentos sociais locais decidiram resistir e ocupar a área, forçando o recuo das construtoras e do poder público, que havia autorizado a construção.
O projeto – chamado Novo Recife – é de responsabilidade de um consórcio formado por quatro empresas e propõe a construção de moradias e escritórios na área adquirida por eles em leilão, em 2008.
Por outro lado, o movimento batizado de Ocupe Estelita – em referência ao Occupy Wall Street – atua desde 2012, quando o projeto de construção foi apresentado pelas empresas. Eles pedem a atuação do poder público para garantir a construção de um plano urbanístico com a participação popular.
Os embates só ganharam repercussão nacional e internacional quando, no último dia 17, dia de jogo do Brasil pela primeira fase da Copa do Mundo, às 7h, uma ação de reintegração de posse se transformou em confronto entre a Polícia Militar e os manifestantes. Ao menos três pessoas ficaram feridas e outras quatro foram detidas.
A ação foi criticada por ONGs como Anistia Internacional, além do Ministério Público Federal e da própria prefeitura. Para o governo do Estado – que comanda a PM – e para o consórcio, a reintegração foi balizada pela Justiça, e o uso da força, considerado necessário.
"Queremos uma cidade mais humana"
As cenas da reintegração poderiam ser confundidas com aquelas já tornadas conhecidas durante protestos recentes contra a Fifa e os gastos públicos no Mundial. Mas no Cais José Estelita a pauta era outra. "Não somos contra o desenvolvimento do cais e integração do cais à cidade. Não somos contra a construção de edificações no local", afirma o professor Lucas Alves, de 29 anos, membro do Ocupe Estelita. "Queremos uma cidade mais humana, que convide as pessoas para passear, caminhar na rua", resume.
Lucas deu entrevista à DW, por telefone, enquanto aguardava, junto com outros membros do Ocupe Estelita, permissão para participar de uma reunião na prefeitura com as construtoras, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil e outras entidades. A reunião desta segunda-feira (30/06), segundo a prefeitura, faz parte de uma agenda de negociações para que se chegue a um consenso. O Ocupe Estelita não foi convidado.
Por isso, integrantes do movimento acamparam na sede da prefeitura na manhã desta segunda. Eles prometem ficar no local até serem recebidos. "Hoje já é a segunda reunião sem a presença do movimento. Exigimos que a negociação seja mediada pelo Ministério Público e não pela prefeitura", diz Liana Cirne, advogada que defende o movimento, durante pronunciamento feito em transmissão ao vivo pela internet organizada pelo próprio grupo.
As discussões sobre o projeto foram intensificadas em 2012, quando o consórcio apresentou a primeira proposta de construção das torres. Desde então, ações em plataformas online e redes sociais vêm sendo usadas pelo grupo para conquistar apoio.
Num abaixo-assinado hospedado na plataforma online Change, por exemplo, o grupo Direitos Urbanos pede apoio da população a uma carta a ser entregue ao prefeito da cidade, Geraldo Júlio. "Sem se levar em conta a relação entre desenvolvimento urbano e mobilidade, segurança pública, sustentabilidade e preservação da paisagem cultural, renuncia-se à visão coletiva de cidade e se age com objetivos imediatistas em benefício exclusivo da atividade construtiva", diz o documento.
O projeto Novo Recife
Na apresentação do projeto urbanístico, o consórcio descreve a região como sendo "bastante degradada e subutilizada" e propõe harmonia entre história, patrimônio e modernidade. Pelo Twitter, o consórcio reclama do atraso causado pela ocupação: "A intenção inicial era ter tudo pronto para esta Copa. Deixamos de gerar emprego, renda com esse atraso".
O consórcio promete construir uma biblioteca pública, gerar 24 mil empregos, preservar os armazéns – que seriam transformados num centro cultural –, construir uma pista de corrida, ciclovia e um parque com quadras esportivas – tudo isso em 45% da área da construção – esse espaço seria destinado ao uso público.
Por meio da internet, o projeto recebe mensagens públicas de apoio de moradores da cidade, que defendem a circulação de renda e a transformação do local, que "estava abandonado e sem perspectivas". Após a pressão do movimento popular, o consórcio declarou publicamente que estava disposto a alterar a proposta, mas as mudanças ainda não são claras.
A ocupação
A ocupação do Cais José Estelita começou em 21 de maio, motivada pela demolição, por parte do consórcio, durante aquela madrugada, dos armazéns do cais sem o conhecimento do Ministério Público, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Justiça. No dia seguinte, a Justiça Federal determinou a ilegalidade da demolição e a suspensão de qualquer atividade de construção no local.
Como forma de impedir a ação, considerada ilegal pelo movimento, dezenas de pessoas iniciaram a ocupação que, segundo Alves, serviu como "medida de duas frentes: para prevenir violação de direitos à cidade e ao patrimônio histórico e, por outro lado, para aproximar a população daquela área".
A partir daí, o movimento cresceu e ganhou apoio de personalidades, artistas e políticos. Centenas de pessoas se revezavam em barracas de camping, cozinha e banheiro improvisados e recebiam ajuda da comunidade, que fornecia água, alimentos e materiais de higiene. Antes da reintegração de posse, o espaço estava sendo usado para apresentações musicais de artistas locais, discussões, oficinas de arte e debates políticos. A cada fim de semana, o local chegava a reunir milhares de pessoas.
Agora, fora dos muros do cais, a ocupação continua, num espaço próximo, com apoio de universidades e artistas e promovendo eventos abertos, como um jogo de futebol e encontro transreligioso, organizados no último fim de semana.
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Mobilização popular questiona plano imobiliário no Cais Estelita no Recife - Instituto Humanitas Unisinos - IHU