Por: Jonas | 25 Junho 2014
Francisco Báez, ex-trabalhador de Uralita, em Sevilha, iniciou nos anos 1970 a luta contra esta indústria da morte, a partir das fileiras do sindicato de CCOO. Dedicou mais de 40 anos à pesquisa sobre o amianto. Paco Puche, outro lutador imprescindível, resenhou sua obra “Amianto: um genocídio impune”. Na entrevista, abaixo, Báez fala sobre o seu livro.
A entrevista é de Salvador López Arnal, publicada por Rebelión, 24-06-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Estávamos, estimado amigo, no primeiro capítulo, “Perspectiva história de uma conspiração de silêncio”. E quem são os que fazem parte dessa conspiração? Por que de silêncio?
A conspiração se instaura a partir do próprio momento em que as grandes empresas transnacionais se configuram em uma estrutura de cartel oligopolista, em que se integram desde empresas de mineração, que extraem e transportam a fibra natural, até companhias que cuidam da fabricação de produtos que determinam um consumo massivo dessa matéria-prima, como é o caso, sobretudo, do cimento-amianto, e/ou também aquelas outras que estão, por meio das distintas filiais do grupo industrial respectivo, na produção de uma heterogênea série de fabricados, que não tem mais nexo, exceto o financeiro. Todas essas filiais utilizam o amianto em suas respectivas produções. Como era o caso, por exemplo, de John Manville ou de Turner & Newall.
Então, pergunto-lhe sobre John Manville.
De acordo. Continuo. Ao incluir as próprias indústrias extrativas, o cartel nunca verá com entusiasmo qualquer alternativa que suponha a utilização de um substituto do asbesto. Em seu lugar, optarão por empeçonhar a literatura médica com trabalhos mercenários, hagiográficos, e que supõem uma negação ou minimização do risco real, e de sua letal natureza.
Perguntar-lhe-ei, também, mais tarde, sobre o empeçonhar a ciência.
Quando quiser. Outras diversas atuações concordantes com essa mesma finalidade, como é o caso dos leoninos acordos extrajudiciais, com a inclusão da cláusula de confidencialidade, que convertem a vítima em cúmplice, furtando o conhecimento geral, judicial e científico, a agressão que esses casos subtraídos às estatísticas epidemiológicas supõem, etc., tudo isso, junto com a “guerra suja” contra ativistas do meio ambiente, contra sindicalistas e contra insubornáveis pesquisadores honestos, fazem parte dessa “conspiração de silêncio”, que é algo mais do que uma simples frase feita, como evidenciam as provas que em mais de uma oportunidade emergiram à luz pública, por ocasião de ações judiciais de confiscação dos arquivos dessas companhias. Por meio do cartel formado pelas organizações patronais SALAC e AIA, essas empresas formaram uma cerrada frente comum, na defesa a todo custo de seus fortes interesses econômicos, sem nenhuma espécie de freio ou de reparo ético, faltando grosseiramente à verdade, abrindo mão de verdades, recorrendo a interpretações ilícitas de evidências impossíveis de escamotear, etc., etc.
Fortes interesses econômicos... Você pode nos fornecer alguns números?
A indústria do amianto começa com sua extração, com a mineração. Porém, logo vem todas aquelas que o utilizam como matéria-prima. Portanto, por “interesses econômicos” é preciso entender os de todos, daqueles que o extraem e os dos que o utilizam, independente de que, como de fato ocorre, em determinados casos sejam o mesmo. Pois bem, caso se consulte o anuário Virta, aí se pode comprovar que os números anuais, correspondentes exclusivamente à extração, já supõem somas enormes, descomunais, ano após ano.
SAIAC e AIA são patronais espanholas? Associadas à CEOE?
A SAIAC, fundada em 1929, é o cartel internacional de cimento-amianto, que em seu momento integrou as empresas espanholas Uralita, e sua predecessora, Roviralta e Cia. Em relação à AIA, como seu próprio nome indica (“Asbestos International Association”), trata-se da associação patronal internacional, de todo o setor do amianto e que, mediante convenções bianuais, esteve, entre outras coisas, coordenando toda a defesa a todo custo do asbesto, frente aos “ataques injustificados” da comunidade científica mundial, das organizações que tem por objeto velar pela saúde pública, dos sindicatos não domesticados, do ativismo ambientalista, das associações de vítimas, etc., etc.
Você inicia o capítulo com uma reflexão do escritor e jornalista alemão Günter Wallraff. Inspirou-se nele, tomou-lhe como exemplo?
Nunca meditei sobre isso. Para mim, foi algo espontâneo, natural, óbvio.
Uma das perguntas pendentes. Que corporação é essa a qual você faz referência no início do capítulo, a Johns Manville Corporation? O que eles dizem soa muito bem: segurança, ética, liderança ambiental, compromissos institucionais.
Aqui poderíamos invocar ao lapso freudiano, ou ao refrão “diga-me do que você se gaba, eu te direi do que lhe falta”. Surpreende, não obstante, o descomunal cinismo que esses tipos de atuações pressupõem. De todas as companhias envolvidas na “conspiração de silêncio” do amianto, John Manville foi, possivelmente, a líder indiscutível, embora estabelecer um ranking nesta questão é verdadeiramente problemático, pois é muito difícil poder estabelecer uma comparação a esse respeito, pois todas teriam “méritos” mais do que suficientes para aspirar ao primeiro posto em tão degradante competição.
Você comenta também da empresa Owens-Corning. Eu lhe cito: “ocultou o que sabia sobre os perigos do amianto”. Explica-nos esta história de ocultamento industrial empresarial.
Meu problema agora é o que apresentar como exemplo entre tantas coisas, mas, enfim, vamos a isso. O que você acha do fato de que os demandantes afro-americanos tiveram que superar algumas condições mais restritivas para a admissão de suas demandas de indenização, com base em certo estudo que evidenciava que essas pessoas, de uma forma natural, e por característica racial, apresentavam uma capacidade pulmonar inferior?
Uma infâmia racista.
Sim, sim. Também poderia mencionar o fato de que esta empresa esteve subornando, durante quinze anos, por seis mil dólares mensais, o doutor Wagner – o primeiro a conseguir que a comunidade científica admitisse como comprovado o nexo causal entre amianto e mesotelioma -, para que este, contradizendo a seus próprios resultados experimentais prévios, viesse a sustentar que esta relação causa-efeito não condizia com a variedade de asbesto que a Owens-Corning utiliza, isto é, para o crisotila.
E conseguiu fazer com que o doutor Wagner mudasse de opinião? No mais, não se incomode comigo, como você soube deste suborno? Estas coisas não é de costume contar.
Minhas afirmações, assim como meus dados, geralmente costumam estar respaldadas por uma amplíssima citação de fontes, até o ponto de que a bibliografia, que se aproxima das mil páginas, em formato A4, não se inclui no livro, mas, sim, é fornecida por correio eletrônico àqueles que a solicitem, a cujo efeito se insere a oportuna direção.
Dito isso, apresento-lhe os antecedentes, em grandes traços, do “caso Wagner”. A fraude não foi descoberta enquanto não faleceu o doutor Wagner, quando foi possível ter acesso aos seus documentos pessoais, cedidos por sua viúva a uma universidade. As quantidades pagas regularmente por Owens-Corning eram figuradas como prestação por um suposto trabalho continuado sobre um assunto totalmente alheio ao amianto, e que não era da especialidade ou linha de pesquisa do doutor Wagner. Um suposto trabalho que jamais chegou a publicação alguma. Por outro lado, os pagamentos eram sempre efetuados em nome de um terceiro, e em um país diferente do da residência habitual de doutor Wagner.
Precauções de ocultamento e camuflagem, que não se justificariam se tais pagamentos correspondessem a uma contração honesta e normal. Todo este relato, nós encontraremos nos artigos de prestigiosos historiadores e pesquisadores (como é o caso, por exemplo, de John McCulloch, de Geoffrey Tweedale, ou de Annie Thébaud-Monny), que comprometem nele o seu bom nome e sua credibilidade científica e profissional.
Parece incrível... Faz referência ao Kaylo, um produto que contém amianto. Que produto é esse? Comercializa-se atualmente?
Tratava-se de um produto isolante, formado por magnésia e asbesto. Atualmente não se comercializa.
A segunda parte deste primeiro capítulo tem como título: “Conspiração de silêncio e corrupção da ciência”. Você o inicia com uma bela citação do grande historiador Jacques Le Goff, falecido recentemente. Pode nos presentear com a citação? Você também acredita que se apoderar da memória e do esquecimento é uma das máximas preocupações das classes que dominaram e dominam as sociedades históricas?
A citação diz: “Apoderar-se da memória e do esquecimento, é uma das máximas preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos, os silêncios da história, são reveladores desses mecanismos de manipulação”... Jacques Le Goff, História e memória.
Há muitas formas de se conseguir isso. Atualmente, uma das mais eficazes e em voga consiste em futilizar tudo, entre bateristas, concursos radiofônicos de ventosidades, mastros, TV lixo, e mimos variados (a “festa” dos três “efes”, ou seja, “festa”, “forca”, e “farinha”). A vida oferece oportunidade e ocasião para tudo; o ruim é quando quase todo o nosso alimento espiritual nos reduz a semelhantes bagatelas e bugigangas, procurando fomentar nossa exclusiva paixão às mesmas, por meio do “bombardeio” contínuo nos meios de difusão massiva.
Você comenta o caso de uma empresa brasileira de têxtil de amianto. O que é o têxtil de amianto? O que aconteceu nessa empresa?
O amianto, por sua condição de ignífugo, foi empregado na fabricação de tecidos destinados a essa finalidade, tais como a de luvas e de vestimentas de proteção contra o fogo e contra as altas temperaturas, e também na confecção de cobertores, com o mesmo propósito, e para a fabricação de mangueiras de extinção de incêndios, cintas, etc.
A empresa brasileira em questão...
A empresa brasileira, fabricante de têxtis de amianto, aplicava uma política de pessoal que fazia uso dos resultados dos exames médicos periódicos de seu pessoal, ocultando esses resultados para decidir quais trabalhadores despedir, desfazendo-se daqueles que já apresentavam sintomas suficientes para indicar uma próxima piora, o que pressuporia, por um lado, uma diminuição sensível do rendimento ou um aumento das ausências por doença, e por outro, colocando em manifesto o risco, diante do restante do quadro, oferecendo também a oportunidade de que uma demanda pudesse ser formulada. Os demitidos, por outro lado, muito tempo depois, sentir-se-iam afetados por alguns sintomas, cuja origem não saberiam identificar, e nessa condição de ignorância acabariam sucumbindo. Genocídio impune? É claro que sim.
Por que fala você de famílias inteiras incapacitadas e não de meros indivíduos isolados?
Obviamente, porque é assim. O caso notório é o do chamado “mesotelioma familiar”, em que dois ou mais membros de uma mesma família, com ou sem consanguinidade, são atingidos por essa patologia maligna (tumores da pleura, de peritônio, de pericárdio, de túnica albugínea, ou de outros assentamentos mais “exóticos”), e cuja relação específica com a exposição ao asbesto, é praticamente exclusiva. Essa exposição pode ser laboral, mas também doméstica (por ter levado ao lar a roupa de trabalho), ou de vizinhança a respeito do foco emissor (morro, fábrica, oficina, etc.). Vizinhança expressa em quilômetros, segundo a evidência epidemiológica.
Além do mesotelioma familiar, outras patologias associadas, como a asbestoses ou o câncer pulmonar, também podem afetar aos familiares do trabalhador, mas nestes outros casos, para isso se requer poluições em maiores níveis.
A primeira, segunda parte, terceira, quarta, quinta e sexta parte desta entrevista podem ser acessadas em:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=184746,
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=185017,
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=185205,
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=185614,
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=185835
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=185989
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“A conspiração se instaura quando as grandes empresas transnacionais se configuram em uma estrutura de cartel oligopolista” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU