17 Junho 2014
O grupo radical sunita Estado Islâmico no Iraque e na Síria (Isis) foi subestimado desde a sua existência, há um ano, e expandiu-se de tal maneira que é quase um Estado Islâmico de fato. Esta é a avaliação do especialista Peter Neumann, do Centro para o Estudo de Radicalização e Violência Política da King's College, para quem a situação no Oriente Médio chegou ao momento perigoso desde 2003, quando da invasão no Iraque.
A entrevista é de Vivian Oswald, publicada pelo jornal O Globo, 15-06-2014
Eis a entrevista.
A ascensão do grupo foi ignorada?
Não acho que tenham sido ignorados, mas certamente foram subestimados. Ninguém antecipou que teriam tanto espaço tão rápido. Sabia-se sobre eles e falava-se neles. Mas não é fácil ver o que poderia ter sido feito.
O que aconteceu?
Uma das razões foi o fato de o governo iraquiano ter sido tão sectário.
Mas eles podem ser reconhecidos com um Estado, ou virar uma nação soberana de facto?
Ninguém está disposto a reconhecê-los, nenhum país estaria pronto para isso. Mas algo precisa ser feito. Os Estados Unidos e os outros países do Ocidente não querem mais se envolver no Iraque. Esse foi um dos pontos do Obama. A situação é muito preocupante.
O governo do Iraque tem como conter o grupo?
Ataques aéreos não vão destruir o grupo agora. Para interrompê-los é preciso enviar tropas. Nem o Iraque, nem o Ocidente estão preparados para fazê-lo. Há um impasse. Quanto mais tempo permanecerem onde estão, mais gente poderão recrutar e mais reconhecimento como governo terão.
Então, qual seria a solução?
O que sempre acontece, é que, quando assumem o poder, estes grupos se tornam bastante impopulares. Eles já anunciaram que vão banir o cigarro. Pode parecer uma bobagem, mas, num país como o Iraque, onde todos fumam, isso faz toda diferença. Também não sei como será durante a Copa. Não concordam que as pessoa assistam futebol, ouçam música. As pessoas ficarão fartas disso, como aconteceu em 2007 e 2008 no Iraque.
Mas essa reação não virá no curto prazo.
A verdade é que, por mais terrível que possa parecer, as pessoas estão felizes agora porque acham que estão melhores. Mas logo vão perceber que a situação é outra. Isso é uma fraqueza. Outra potencial fraqueza do Isis é que eles sempre tiveram muitos estrangeiros no grupo. Quase um terço dos insurgentes não é do Iraque nem da Síria. Isso é algo que as pessoas não gostam neles: 'vocês são basicamente uma organização estrangeira'.
E o que acontece agora?
No curto prazo, é preciso ver. Existem chances de que os Estados Unidos interfiram. O Irã está preocupado e já avisou que, se o Iraque não tiver o apoio do Ocidente, poderá apoiá-lo. Talvez neste momento o Ocidente se sinta compelido a agir primeiro. A situação como um todo é uma grande confusão. Neste exato momento existe um grande risco de uma guerra sectária. Os grupos vão lutar uns contra os outros e vai ser bem pior do que vimos 10 anos atrás. Sempre fui contra, mas acho que, agora, a partição do Iraque pode ser uma ideia.
Como o senhor avalia a situação?
Este provavelmente é o momento mais perigoso vivido pelo Oriente Médio desde a invasão do Iraque em 2003. Isso porque pode causar um conflito em toda a região. Todos na vizinhança estão preocupados e podem sofrer impactos. As consequências são imprevisíveis. É o rompimento da ordem do Oriente Médio desde 1920 após o fim do Império Otomano. Todas as fronteiras estão em questão.
Até onde o Isis pode crescer mais?
Não sei se podem. Falaram que estão prontos para tomar Bagdá. Mas estão tendo um momentum com a vitória recente, o que é perigoso porque estão se superestimando. Não têm condições de tomar Bagdá, que é enorme e com 70% de xiitas. Estão inebriados com o próprio sucesso. Estão acreditando na própria propaganda. Eles são apenas 10 mil. Um grupo pequeno para se expandir como pensam que podem.
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Momento mais perigoso no Oriente Médio desde 2003 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU