31 Agosto 2013
O uso da força militar não funciona para resolver problemas. Nenhuma lição será ensinada ou aprendida.
Publicamos o editorial do jornal National Catholic Reporter, 29-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A sabedoria corrente diz que não é uma questão de se, mas sim de quando – e como – os Estados Unidos vão usar a força armada contra a Síria em resposta ao uso de armas químicas pelo regime do presidente Bashar Assad. Nas reduções necessárias em muitos das publicações de frases de efeito de hoje, a matriz está completamente fora do tom de parque de diversões: Síria, a valentona, foi advertida contra o uso de armas químicas; Obama disse algo sobre uma linha vermelha; os EUA devem punir a Síria a um grau que detenha Assad e outros de jamais usar tais armas de novo.
No mundo real, o parque de diversões se torna muito mais complexo e perigoso rapidamente. Tal medida extrema como uma intervenção militar nunca acaba tão bem executada quanto foi planejada. Os efeitos de tal intervenção sempre respingam sobre círculos muito mais amplos do que os previstos pelos planejadores militares.
Além disso, a inteligência é muito menos precisa do que os primeiros relatos nos levam a acreditar. (Isso é assustadoramente reminiscente dos argumentos de 2003 para invadir o Iraque por causa de armas de destruição em massa.) Nós não sabemos quanto controle Assad tem sobre as armas químicas, e muito menos se ele ordenou o seu uso, então quem somos nós para punir? Podemos até nem saber onde as armas estão armazenadas ou onde são fabricadas. O que, então, os nossos mísseis de cruzeiro deveriam destruir?
Nas circunstâncias atuais, as possibilidades são simplesmente apavorantes em termos de consequências letais, indesejadas e permanentemente inesperadas.
Sabemos dessas possibilidades porque, no Oriente Médio, os EUA tem estado nesse negócio de intervenção militar há muito tempo, começando com a malfadada invasão do Iraque de 1991. Depois vieram 10 opressivos anos de sanções impostas pelos EUA lá – cujos efeitos foram piores do que a guerra – e a segunda fase de combate da Guerra do Iraque enquanto se tentava ter algum sucesso com a invasão ao Afeganistão.
Décadas depois, contra centenas de milhares de mortos, muitos deles mulheres e crianças, e uma crescente população de soldados feridos física e mentalmente, o que sabemos com certeza é que o poder militar mais incrível que o mundo já conheceu está severamente limitado na sua capacidade de resolver os problemas do século XXI.
Não é preciso clamar por inclinações pacifistas para entender a falência da ideia de ataque militar. O Iraque e o Afeganistão são lições primárias. Em ambos os casos, instalamos não a democracia, mas sim o caos. Inflamamos velhas inimizades e, no caso do Iraque, destruímos o último Estado árabe secular daquela região, expulsamos sua classe média, destruímos sua infraestrutura e deixamos um experimento aberto para os mais talentosos na arte da corrupção. No Afeganistão, as armas que fornecemos para que as forças rebeldes lutassem contra os russos voltaram a assombrar os EUA.
Mesmo aqueles que defendem a intervenção sabem que ela não pode ser um empreendimento unilateral. Com a relutância da Grã-Bretanha de participar de uma aventura militar, a oposição da Itália e o voto da ONU contra a intervenção, parece que as opções estão limitadas. Talvez outra dura realidade dessa época é que as guerras civis desse tipo devem fazer o seu curso perante a comunidade internacional sem qualquer poder para efetuar a mudança.
O que deveríamos ter aprendido é que o Oriente Médio é um bairro confuso, onde o fato de entrar em um dos lados de uma guerra civil, no fim, só reforça o outro lado e oferece aberturas para os oportunistas. Nesse caso da Síria, uma linha de análise é que a intervenção vai mostrar ao Irã que os EUA estão falando sério e que ele deve levar a sério as advertências norte-americanas contra o desenvolvimento de armas nucleares. Dados os precedentes, o oposto pode ser verdade, que o Irã seria visto como mais um país ao lado de uma potência regional tentando afastar o poder e a influência dos EUA.
Mas e o alto campo da moral? E o fato de que todo mundo acredita que o uso de armas químicas é um passo longe demais que requer uma resposta punitiva?
Talvez fosse bom notar, perturbador como é, que nós sabíamos que o Iraque usou armas químicas, incluindo os gases mostarda e sarin, para obter uma vantagem em sua guerra de oito anos contra o Irã. Ele também usou armas químicas – e, mais uma vez, nós sabíamos disso – contra os curdos. E, no fim, qual é a diferença moral entre saber que crianças foram atacadas com gás e saber que 10 anos de sanções, conforme relatado pela ONU, foram diretamente responsáveis pela morte de mais de 500 mil crianças iraquianas com menos de cinco anos? Elas morreram – fluxos intermináveis de crianças nos leitos de hospital – por causa de água contaminada e outras doenças que, de outra forma, são fácil e rapidamente curadas, porque elas não podiam obter o medicamento. E elas não podiam obtê-lo porque nós, os EUA, não permitiríamos que eles entrassem.
A secretária de Estado norte-americana da época, Madeleine Albright, em uma resposta lamentável a um entrevistador que perguntou se 500 mil crianças era um preço que valia a pena para os objetivos das sanções, respondeu: "Eu acho que essa é uma escolha muito difícil, mas o preço – nós pensamos que o preço vale a pena".
Há uma realidade triste e inevitável com relação à guerra, seja ela travada com armamentos ou com o poder das sanções, que começa a exceder as categorias morais .
O presidente Barack Obama, que venceu a sua primeira eleição em parte porque ele se opôs à guerra no Iraque e prometeu retirar os EUA dos intermináveis conflitos abertos, tem sido compreensivelmente relutante em começar uma nova rodada de violência no Oriente Médio.
Talvez o único passo imprudente que ele tomou foi a consideração sobre uma linha vermelha. Como o colunista do Washington Post tão bem colocou, se tivermos que intervir de novo no Oriente Médio, "não será para alterar decisivamente os eventos, o que não podemos fazer, em uma nação vital para os interesses norte-americanos, que a Síria não é. Ao contrário, o seu objetivo será resgatar Obama das suas próprias palavras".
Nesse ponto, parece que Obama, se tivesse que recorrer a uma intervenção armada, estaria disposto a abrir mão de consultas com o Congresso e da aprovação por parte das Nações Unidas, uma decisão que poderia assombrá-lo pelo resto de seu mandato se os EUA forem arrastados para outro envolvimento prolongado no Oriente Médio.
Se estamos cansados da guerra, e a maioria das pesquisas mostram que nós estamos, não é porque existe um isolamento cada vez maior do tipo que encolhe alianças ou responsabilidades internacionais, mas sim porque o pragmático em nós diz que não existe um bom fim em tudo isso. O uso da força militar não funciona para resolver problemas. Nenhuma lição será ensinada ou aprendida.
A nossa experiência nos diz que as duas últimas décadas de guerra cobraram um grande preço do país com muito pouco para mostrar. E a perda não foi apenas em termos de vidas e de tesouro, embora essas perdas sejam enormes, mas também na nossa compreensão de quem somos e de quais imperativos morais dirigem as nossas decisões. Nesse caso, a força real pode estar em resistir ao insulto do agressor.
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''Intervenção militar na Síria não vai resolver nada'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU