14 Mai 2014
Não, nem tudo permaneceu como há 20 anos nesta terra de imensos subornos, que nos lembra – até nos nomes dos personagens já grisalhos – que a chaga da corrupção na Itália continuou prosperando em grande estilo. Há uma novidade.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 13-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não há mais o manto papal para se esconder e para cultivar os maus negócios, invocando a necessidade de recorrer a uma mão forte em nome da defesa dos valores ocidentais, da proteção da civilização cristã ou da salvaguarda dos princípios inegociáveis.
A surpreendente novidade se revela no lamento irritado do ex-democrata-cristão Gianstefano Frigerio, que explode ao telefone: "Não há proteção no Vaticano, porque lá o papa novo não está nem aí para o mundo italiano...". A um ano da eleição de Francisco, não podia haver um selo mais evidente da reviravolta por ele realizada em relação à Itália.
O papa despedaçou o vínculo insalubre com a política italiana, não há mais proteção na Secretaria de Estado – com o cardeal Parolin – para facções imaginadas ou autopromovidas como amigas do Vaticano e da religião. O papa que veio do fim do mundo "não está nem aí" para os imbróglios italianos.
A frase de Frigerio vale mais do que um milhão de tuítes "W Francisco". Assinala uma virada epocal, o declínio de uma era que durou 70 anos e que se prolongou até com o advento dos pontífices estrangeiros. Fossem eles poloneses ou alemães, sempre havia um secretário de Estado vaticano, um secretário papal ou um presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI) que, interpretando a "mente" do Romano Pontífice (ou defendendo que o fazia), mantinha relações de clientelismo, de aliança ou de proximidade com partes do mundo político e econômico italiano. Possivelmente, da área do governo. O de subgoverno. Em uma rede de interesses lícitos e ilícitos, que permitiam que um Angelo Balducci – por exemplo – chegasse ao título de "Gentil-Homem de Sua Santidade".
Essa história acabou. Não vamos mais assistir – com o Papa Francisco – ao espetáculo de um Giulio Andreotti (cujas relações políticas com a máfia foram comprovadas, sem sombra de dúvida, embora penalmente prescritas) recebido com pompa magna na sala das audiências papais como vítima de uma injusta perseguição. Nem seremos mais obrigados a ouvir um Roberto Formigoni, mimado com euros pelos lobistas, que, por ter apertado a mão do Papa Ratzinger, comunica ao mundo (não desmentido) que o pontífice alemão reza por ele.
Enquanto Bergoglio reinar, essa página está virada. E isso é benéfico para a parte da Itália que quer sair das garras dos maus negócios, da má política e dos disfarces religiosos impróprios. Assim como é benéfico que o novo secretário da CEI, Dom Galantino (escolhido pessoalmente por Francisco), anuncie que não cabe aos eclesiásticos propor patrocínios partidários por ocasião das novas eleições.
Mas seria ingênuo pensar que, automaticamente, já foram cortadas as ligações transversais entre a hierarquia eclesiástica, prelados vaticanos, eclesiásticos grandes e pequenos, e o mundo dos "favores" na esfera política, das entidades locais e dos negócios: às vezes limpos, às vezes menos, às vezes em nada.
Francisco está no início de uma batalha enorme, em que são muitos os lobos paramentados que o cercam. Não é nenhum mistério que um grande número de bispos e cardeais criticam-no por entender muito pouco da Itália e do papel particular da nação italiana como "área de segurança" da Santa Sé.
Certamente, não seria ruim se o associacionismo católico e a intelligentzia crente saíssem do seu prolongado mutismo e dissessem: "Estamos do lado de Francisco e não queremos voltar atrás. Ao contrário, queremos cortar ainda mais as pontes com uma prática de compromissos, que na Igreja não trouxe nenhum fiel a mais".
Ainda há muitos vínculos transversais. Por inércia, por tradição, por interesse. As interceptações de Frigerio evidenciam a permanência de cardeais "amigos" no Vaticano, por exemplo Giuseppe Versaldi, embora ele seja criticado por não proteger os membros de Comunhão e Libertação.
Ainda há muito a ser feito para que a linha de Bergoglio se torne uma práxis de toda a Igreja italiana. O movimento Comunhão e Libertação poderia aproveitar a oportunidade para uma séria e profunda autocrítica do seu modo de agir. Não é por acaso que, a cada vez que se descobre o atoleiro na Lombardia, sempre apareçam nomes de membros do Comunhão e Libertação excelentes e, ao contrário, nunca se indique um "lobby dos pentecostais" ou dos seguidores de Lazzati.
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O novo curso do Vaticano e a sua relação com a política italiana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU