13 Mai 2014
Em meados da década de 1920, Edwin Hubble – trabalhando no Observatório Mount Wilson, no sul da Califórnia –, começou a perceber que algumas das inúmeras nuvens distantes e tênues eram, na verdade, galáxias muito parecidas com a nossa própria Via Láctea. Em 1929, ele viu que quanto mais uma galáxia se distanciava da Terra, tanto mais rapidamente ela parecia se movimentar.
O universo estava se expandindo e era inimaginavelmente maior do que os cientistas pensavam na época.
A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada pelo National Catholic Reporter, 08-05-2014.
Ao retroceder tal expansão, usando a matemática – dividindo a distância pela velocidade –, os cientistas determinaram que o universo teve início a cerca de 14 bilhões de anos atrás, quando uma minúscula partícula, densa e extremamente quente, explodiu. É o que se chama de Big Bang.
Estas descobertas representaram, talvez, a maior mudança na compreensão cósmica humana desde que Galileu, observando através de seu telescópio caseiro, percebeu que a Terra gira em torno do Sol.
Em 1984, o então Papa João Paulo II, há muito fascinado pela ciência, deu início a um processo no Vaticano que iria, por fim, levar a uma declaração em 1992 na qual se admitia que as autoridades eclesiásticas erraram ao condenar Galileu.
Na esperança de evitar enganos parecidos no futuro, João Paulo II passou a dizer que queria mais do que uma trégua; em vez disso, as descobertas feitas pelas ciências naturais precisavam ser criativamente confrontadas, interpretadas filosófica e teologicamente.
Em 1987, por meio dos escritórios da Secretaria de Estado do Vaticano, o pontífice gestou um congresso internacional de pesquisa que seria convocado pelo Observatório do Vaticano em Castel Gandolfo, aos cuidados de seu diretor o padre jesuíta George Coyne. Numa carta enviada a Coyne na abertura do evento, João Paulo II escreveu: “A ciência pode purificar a religião dos erros e da superstição; a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos”.
Avancemos 25 anos desde então. Ao refletir sobre a missão tradicional como pioneiras na educação, ao refletir sobre as mesmas questões com as quais João Paulo II se deparava, as irmãs da Conferência de Liderança das Religiosas (LCWR, sigla para Leadership Conference of Women Religious) decidiram ter um momento para se perguntar como a missão que desenvolvem poderia ajudar na reconciliação do pensamento católico com algumas das mudanças do século XX na área da cosmologia.
A Irmã Annmarie Sanders, do Imaculado Coração de Maria, ao falar durante um encontro da LCWR em 2012, disse que o grupo convidou Barbara Max Hubbard para ser a principal palestrante no intuito de ter presente a sua perspectiva “sobre o contexto do mundo no qual as religiosas estão vivendo e ministrando”.
Hubbard, que cresceu num lar judaico não religioso, falou que seu discurso seria esperançoso. “Percebo que somos uma espécie em evolução, e o tipo de humanos que estão nascendo em todas estas diferentes experiências estão tentando fazer um mundo melhor de todas as formas possíveis”, declarou na ocasião.
Num primeiro momento, poder-se-ia perguntar por que uma organização de irmãs católicas, representando as superioras de congregações de todo o país [Estados Unidos], reservariam alguns dias para contemplar temas como ciência e teologia cristã.
Olhar para a história das ordens religiosas femininas dos EUA pode nos fornecer algumas pistas. Estas mulheres se orgulham de viver e trabalhar nas fronteiras, de ultrapassar os limites, de buscar maneiras para servir a Igreja, muitas vezes antes que se reconheçam a necessidade. Esta mentalidade de aventura as levou dos hospitais, das obras educativas e missionárias nos séculos XIX e XX para os centros teológicos, para o ministério do trabalho com a Aids/HIV e para a ecoagricultura no século XXI.
A Irmã Mary Heather MacKinnon, da ordem de Notre Dame, ao explicar a missão das religiosas na atualidade, escreveu no National Catholic Reporter em 1993: “A consciência pós-moderna pede que vida religiosa se reinvente dentro de um novo paradigma social e cultural que está desafiando as compreensões tradicionais da antropologia, economia, política, ética, educação, religião e espiritualidade”.
As 850 líderes religiosas que se encontram anualmente em assembleia nacional da LCWR são, sem dúvida, o maior grupo de católicas com instrução a se reunir, com regularidade, sob um mesmo teto.
A própria LCWR é um grupo novo e colegial. Tendo sua atual formação a partir de 1971 – período de uma rica renovação na Igreja que se seguiu ao Concílio Vaticano II –, a organização escolheu não se organizar no estilo piramidal tradicional com uma autoridade investida no topo.
Fazendo uso da ideia de colegialidade – um dos principais temas do Vaticano II, como o Papa Francisco nos lembra –, elas disseram, pelo contrário, que o grupo iria ser mais democrático. As comunidades religiosas elegem suas líderes, e estas, por sua vez, são enviadas pelas congregações para lhes representar em encontros regionais e nacionais. Além disso, estes encontros (ou reuniões) elegem representantes temporários, incluindo uma presidente eleita, uma presidente e uma ex-presidente. Resulta disso que as principais decisões acontecem, muitas vezes, de forma bastante lenta nas assembleias anuais após deliberação e oração.
Em consonância com temas de ciência, cosmológicos e outros relacionados com a missão religiosa, a LCWR convidou a irmã franciscana Ilia Delio, professora na Universidade de Georgetown, para falar às participantes. O seu discurso foi apropriadamente chamado de “A Vida Religiosa na Beira do Universo”, referindo-se ao fato científico de que o nosso sistema solar está, realmente, na beira do universo, e não em seu centro.
Ilia Delio é autora de mais de uma dúzia de livros e possui doutorados em Farmacologia e em Teologia. É conhecida pelo seu trabalho sobre questões ambientais e pela pesquisa acadêmica envolvendo a interação da ciência e da religião na sociedade moderna.
A essência de sua mensagem – o desafio que ela apresentou – às mulheres foi dito, de modo sucinto, numa publicação de março de 2011 da revista americana U.S. Catholic, onde afirma que a idade do universo por si só exige que falemos sobre criação e Cristo numa nova linguagem:
“A partir do Big Bang, todo o cosmos é o Verbo de Deus sendo falado no vasto espaço do universo (...). Cristo é, provavelmente, o termo mais inclusivo que poderíamos usar para falar sobre a presença de Deus. Cristo é aquele que une, que unifica a nova criação”.
Delio falou à assembleia da LCWR: “Um universo dinâmico provoca a ideia e a compreensão de um Deus dinâmico. Este não é um Deus que fica em casa. É um Deus que está profundamente imerso num caso de amor com o amado, com a criação que flui de seu coração divino”.
Em seu discurso de abertura às líderes da LCWR no dia 30 de abril deste ano, em Roma, o cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, disse às religiosas que elas ignoraram os procedimentos para a escolha dos palestrantes às suas conferências anuais e questionou se os programas não estavam incentivando a heresia.
Müller contestou, especificamente, as líderes da LCWR por decidirem dar o seu Prêmio Liderança de Destaque 2014 “à teóloga criticada pelos bispos dos Estados Unidos por causa da gravidade dos erros doutrinários presentes nos escritos de tal teóloga”. Embora não chegue a citar o nome, Müller está se referindo à Irmã Elizabeth Johnson, teóloga da Universidade de Fordham.
Johnson, que tem recebido muitas homenagens de universidades católicas americanas, é considerada uma das mais estimadas teólogas do país. Uma nota datada de março de 2011, assinada por uma comissão doutrinal, disse que o livro de Johnson “Quest for the Living God: Mapping Frontiers in the Theology of God” [A busca pelo Deus vivo: Mapeando as fronteiras na teologia de Deus] era marcado por “distorções, ambiguidades e erros” e que “completamente mina o Evangelho e a fé dos que acreditam no evangelho [aí apresentado]”.
O resultado veio após um ano de deliberações particulares e aconteceu sem se notificar a autora nem permitir a ela defender sua obra, o que causou uma enorme controvérsia.
Homenagear Johnson – uma das religiosas mais destacadas no país –, apesar da crítica feita àquele livro em particular, combina com a forma como a LCWR (a cabeça efetivamente pensante da organização das congregações de irmãs católicas americanas) vê sua missão: contemplar a vida religiosa contemporânea, os seus desafios, e as formas como que esta pode ajudar a Igreja ir adiante.
O livro da Irmã Johnson mapeia as formas como diferentes grupos estão buscando e encontrando Deus em suas vidas. Aí sustenta-se, junto de Tomás de Aquino, que nenhuma opinião ou descrição particular é adequada porque, no final, Deus é um mistério.
Os conflitos entre bispos e religiosos remontam a séculos, vai até as origens da vida religiosa. Em causa estão diferentes pontos de vista sobre o uso da autoridade e sobre o lugar e papel das religiosas dentro da Igreja.
Estes conflitos são primários, porém descansam dentro de um contexto mais amplo, aquele das compreensões às vezes conflitantes da vida religiosa, da missão e das visões de mundo.
A irmã beneditina Joan Chittister trouxe alguns destes conflitos num livro de 1995, intitulado: “The Fire in These Ashes: A Spirituality of Contemporary Religious Life” [O fogo nestas cinzas: Uma espiritualidade da vida religiosa contemporânea]. Aí, a autora escreveu que o mundo que gerou a vida religiosa, e mesmo a vida religiosa do século XX, “não é o mesmo mundo que estamos vivendo”.
“Se a vida religiosa tem alguma coisa a ver com a vida real, a esperança de reformulá-la nos moldes antigos cheira a pura fantasia (...). Gastar tempo e energia desejando pelo retorno do passado mítico, enquanto que o presente se desenrola ao nosso redor, inundando-se com os restos do racionalismo na ordem social e do dogmatismo na Igreja, somente nos impede, creio eu, de nos mover em formas sagradas num mundo de pós-modernidade”.
Muitos educadores classificam as visões de mundo em três grandes categorias: pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade. A pré-modernidade começou com os primeiros registros históricos e durou até o século XVII. Nesse período, a autoridade era revelada através das estruturas e religiões, com o conhecimento das verdades com origem em Deus. A modernidade durou até a metade do século XX. Nesse período, a verdade era descoberta através da razão e da empiria, advindas da ciência. A pós-modernidade dura até o presente momento e vê o conhecimento vindo de múltiplas fontes; desconfia-se da hierarquia e a autoridade é mais difusa. A internet, como fonte de comunicação e informação, é um exemplo desta difusão.
O Vaticano II tentou trazer a Igreja para dentro do mundo da modernidade bem no momento em que o mundo estava dando lugar à era da pós-modernidade, uma época de comunicação global instantânea via satélite, uma época em que a informação não mais poderia ser controlada, uma época em que o céu não está mais no alto, e sim no entorno.
Ao criticar a escolha da LCWR por Hubbard como a palestrante principal e através de seu ataque em relação à evolução consciente, Müller pode ter desencadeado o que alguns acham que deveria ser mais uma rodada de debates dentro da Igreja sobre cosmologia orientada segundo a ciência e o ensino da Igreja dentro dela.
Foi o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin, proibido pela congregação doutrinal de publicar em vida e cujas obras se tornaram populares nos círculos católicos em meados da década de 1980, quem primeiro chamou a atenção para estas necessidades. Por sua vez, os seus escritos despertaram o interesse do padre passionista e ecoteólogo Thomas Berry.
Berry popularizou o que veio a se chamar, em alguns círculos, de a nova cosmologia, escrevendo que o universo é a revelação primária de Deus e a quintessência da realidade. Todas as demais histórias surgem, sustentou ele, desta revelação primeira, desta história primária.
Muitas comunidades religiosas femininas, influenciadas por Teilhard e Berry, se tornaram defensoras ativas daquilo que alguns chamaram de espiritualidade da criação, usando a ciência e as noções sacramentais tradicionais católicas para energizar a crença cristã e apresentar a fé, a religião num ambiente mais contemporâneo.
Esta obra despertou uma maior consciência ecológica em toda a Igreja. Inúmeras comunidades religiosas femininas, entretanto, deram início a fazendas e jardins ecologicamente corretos para ajudar no sustento delas e de outras pessoas.
Se alguém está se perguntando aonde a LCWR pretende chegar, não é preciso ir mais longe do que simplesmente se recordar daquilo que a irmã franciscana Pat Farrell disse na assembleia da LCWR, em 2012, durante a sua fala na qualidade de presidente:
“É fácil ver este momento da LCWR como um microcosmo de um mundo em mudança. Ele está incluído dentro de uma mudança de paradigma bastante ampla de nossos dias. A ruptura cósmica e a crise que estamos vivendo nos dão um contexto mais amplo. Muitas instituições, tradições e estruturas parecem estar murchando. Por quê? Creio que os fundamentos filosóficos da maneira como temos organizado a realidade não mais se sustenta. A família humana não se serve do individualismo, do patriarcalismo, de uma mentalidade de escassez, nem da competição. O mundo está superando os constructos de superior/inferior, ganhador/perdedor, bem/mal e dominação/submissão. Entrando em seus lugares estão a igualdade, a comunhão, a colaboração, a sincronicidade, a expansividade, a abundância, o holismo, a mutualidade, o conhecimento intuitivo e o amor (...). De fato, nós podemos viver numa esperança jubilosa porque não há uma fórmula política ou eclesiástica que possa acabar como movimento do Espírito de Deus. A nossa esperança está no poder absolutamente incontrolável de Deus”.
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A perspectiva da LCWR parte de uma iniciativa do Papa João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU