12 Mai 2014
O evento histórico da economia de mercado está chegando ao fim. Está por começar a era da cooperação e da partilha.
A opinião é do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em artigo publicado no jornal Avvenire, 06-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É concebível um mundo gerido e organizado de outra forma em relação àquele em que vivemos – um mundo de crescimento obstinado do individualismo, do consumismo, do desperdício e da desigualdade social?
Esse é o problema que Jeremy Rifkin aborda sem meios termos na sua obra mais recente, de título provocativo: The Zero Marginal Cost Society [A sociedade de custo marginal zero], com o subtítulo The Internet of Things, The Collaborative Commons, and the Eclipse of Capitalism [A internet das coisas, os bens colaborativos e o eclipse do capitalismo].
Rifkin defende que uma alternativa aos modelos capitalistas de mercado, amplamente considerado uma das características sempiternas da natureza humana, não só é concebível, mas já nasceu e está ganhando espaço, chegando provavelmente a se tornar dominante não dentro de alguns séculos, mas sim de poucas décadas.
Os "bens comuns colaborativos", insiste Rifkin, não são uma utopia, mas sim uma realidade ao dobrar a esquina; uma realidade que está distante do atual não o espaço de uma revolução, de uma guerra mundial ou de outra catástrofe, mas apenas o lapso de tempo que está se reduzindo visivelmente, necessário para que amadureçam formas de partilha e modos de comunicação que já estão implantados, germinam e florescem, fornecem energia e resolvem problemas logísticos.
Assim que tiverem chegado à plena maturidade, os bens comuns colaborativos "quebrarão o monopólio das gigantescas empresas de integração vertical, que operam nos mercados capitalistas, tornando possível a produção paritária em redes continentais e globais de expansão horizontal de custo marginal próximo de zero".
O evento histórico de tal economia está chegando ao fim. Está por começar a era da cooperação e da partilha. Rifkin tem razão quando nos exorta a rasgar o véu tecido pela sociedade consumista mercantil, descobrindo as reais alternativas cada vez mais tangíveis: a possibilidade de uma sociedade baseada na colaboração em vez da competição.
No entanto, uma coisa é o lembrete – é justo resistir à tentação de ignorar ou recusar os sinais promissores, que, no entanto, se assomam, de cenários sociais (hoje, a maioria não pode começar senão a partir de uma pequena minoria, e mesmo o carvalho mais frondoso tem origem em uma bolota) –, outra coisa é a improvável sugestão de que a questão já esteja resolvida e que o resultado da transformação em curso esteja preestabelecido... Tudo isso soa como uma nova versão de "determinismo tecnológico".
Um machado pode ser usado com a mesma facilidade para cortar madeira ou a cabeça de alguém: e enquanto a tecnologia determina a série de opções em aberto para os seres humanos, ela não determina quais dessas opções, no fim, será escolhida e qual será descartada. O caminho do desenvolvimento tecnológico não é de mão única. (…)
Igualmente discutível é a decisão de atribuir à tecnologia da informação o status de "infraestrutura" capaz de determinar o caráter de "bem comum colaborativo" da sociedade futura. O acesso universal, fácil e cômodo aos eventos de todo o mundo em tempo real, combinado com a possibilidade igualmente aberta, fácil e sem perturbações de se expor a um público universal já foi saudada por inúmeros observadores como um autêntico ponto de viragem na breve, densa e tempestuosa história da democracia moderna.
Contrariamente às expectativas, praticamente generalizadas em nível mundial, de que a internet pode representar um grande passo à frente na história da democracia, envolvendo cada um de nós na construção do mundo que compartilhamos e substituindo a hereditária "pirâmide do poder" por uma política "lateral", acumulam-se provas de que a internet também pode servir para perpetuar e reforçar conflitos e antagonismos, impedindo, de fato, que uma eficaz negociação a mais vozes leve a um possível armistício e acordo, com integração e colaboração em benefício mútuo.
Paradoxalmente, o perigo brota da inclinação de inúmeros internautas a fazer do mundo virtual uma zona isenta de conflito, mas não negociando as questões conflitantes e resolvendo-as com recíproca satisfação, mas removendo da própria esfera visual e mental os conflitos que afligem o mundo não virtual...
Inúmeras pesquisas têm demonstrado que os usuários assíduos da internet podem passar, e de fato passam, grande parte (talvez a maior parte) do seu tempo, ou mesmo a vida inteira, na rede, encontrando-se exclusivamente com pessoas que pensam como eles.
A rede cria uma versão refinada de "zona de acesso limitado": ao contrário do seu equivalente no mundo não virtual, aqui não é cobrado dos ocupantes um aluguel exorbitante, e não adiantam guardas armados nem sofisticados sistemas de controle de circuito fechado; basta uma simples tecla "delete". (…)
O inconveniente é que, em tal m ambiente virtual, tão artificial quanto habilmente desinfectado, dificilmente se poderá desenvolver um sistema imunológico contra as toxinas das controvérsias endêmica ao universo não virtual.
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Contra a crise, a partilha. Artigo de Zygmunt Bauman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU