28 Abril 2014
Angelo Roncalli era realmente um sujeito um tanto comum. Seus dons pessoais e suas fraquezas eram tais que você ou eu podemos possuir. Ele foi bem na escola, mas não nada de excepcional. Não tinha grandes propriedades nem possuía um físico de dar inveja. Não foi um dos grandes músicos do mundo; não foi um teólogo de destaque em sua época; e sempre lutou para manter seu peso sob controle. Sua visão de mundo resultou de sua criação numa grande família católica do interior, família trabalhadora mas bastante comum. Ele parece como qualquer um de nós, não? E no entanto este homem será um santo. O que isso significa para a vida dele e para a nossa?
A reportagem é de Bill Huebsch, publicada por National Catholic Reporter, 24-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em 1907, ele palestrou no seminário em sua diocese natal de Bergamo, no norte da Itália. Nesta ocasião, deu uma descrição profética do que significa ser santo. Temos a tendência, disse ele em seu discurso, de tornar os santos maiores do que a vida, mais [parecidos] com personagens de filmes ou romances do que com nossos amigos e conhecidos. Na verdade, a santidade resulta, disse, do aprender a arte do amor oblativo. Este amor flui do morrer para si, do rir das próprias fraquezas e, humildemente, suportar as fraquezas dos outros. Os santos não são perfeições de santidade senão humildes pecadores dispostos a permitir que Deus os ame exatamente como são.
Este morrer para si, esta confiança num Deus amoroso e este sorrir perante a vida são o que fizeram esta pessoa comum se tornar um santo. E nós podemos fazer estas mesmas coisas.
O Papa João XXIII é, pois, realmente um santo acidental. Seus diários revelam um homem que admirou os santos imensamente, mas também nos mostram um alguém que ficaria surpreso ao saber que esta honra foi dada a ele. Aprendemos, lendo seus diários, que ele nunca se viu como santo; percebia que não estava vivendo exatamente tal como apregoava a sua fé. Em seus diários, conhecemos um homem de grande humildade, encantado com a forma como as pessoas gostavam dele e surpreso que fora escolhido para o papado.
Quando passou estes diários manuscritos e seus cadernos amassados a seu fiel secretário, monsenhor Loris Capovilla, o Papa João XXIII confidenciou: “A minh’alma está nestas páginas. Fui um menino bom, inocente, um pouco tímido. Quis amar a Deus a todo o custo e não pensava em outra coisa senão tornar-me um padre a serviço das almas simples, que necessitam de paciência e cuidado diligente”.
A sua humildade lhe permitiu aceitar que Deus o conduzisse na vida. Permitir-se ser conduzido divinamente é também um elemento importante de sua santidade. Por exemplo, a ideia de convocar o Concílio Vaticano II lhe ocorreu, disse certa vez, “como um raio de luz celestial”.
João XXIII percebeu que Deus estava impelindo-o para levar a Igreja a ter uma unidade geral maior, e tendo isso em mente convidou os líderes das igrejas anglicanas, protestantes e ortodoxas para estarem juntas. Estes vieram porque sentiram o amor com o qual tinham sido convidados. Entre os seus primeiros encontros mais marcantes com líderes não católicos está aquele em que recebeu um grupo de judeus com os braços abertos, dizendo-lhes: “Sou José, vosso irmão”.
(Lamentavelmente, e um sinal daqueles tempos, não houve nenhuma “irmã” entre estes convidados, e precisaria haver um empurrão adicional do Santo Espírito até que mulheres católicas fossem finalmente convidadas para o Concílio em setembro de 1964.)
Para ele o Vaticano II foi uma resposta a Deus, que o compelia a reformar e atualizar a Igreja, bem como para reunir todos os cristãos dentro de uma unidade maior para o bem da humanidade e para a paz mundial. Tal como os apóstolos na vigília de Pentecostes, ele antecipou que algo grande estaria para acontecer. Mal sabia ele que o Espírito Santo iria varrer a Igreja com tanta força.
Sob sua liderança, o Vaticano II foi um encontro dos bispos católicos de todo o mundo na Basílica de São Pedro, mas também foi um momento em que os dias de concílio trouxeram dezenas de milhares de religiosos e religiosas, leigos e leigas, assim como outros visitantes, para o lado de fora da Praça de São Pedro. Os bispos não agiram sozinhos; eles também tiveram um empurrão dado pelo Espírito que trabalhou através de João XXIII e destas multidões.
No centro disso tudo, com paz e tranquilidade, estava o amável e humilde Papa João XXIII. Era um homem de grande coração e um homem de Deus, que ganhara a confiança e o afeto das pessoas em todos os lugares. E por quê? Porque, quando as pessoas o encontravam, encontravam o seu coração amoroso. Seus olhos brilhavam de felicidade, seu foco nunca abandonava o seu visitante, e seus lábios ofereciam somente afirmação e carinho.
Certa vez ele falou a um bispo visitante que seus braços estavam abertos, como os braços de Cristo estiveram na cruz, prontos a abraços todos – todos – com amor. Se alguém fosse um funcionário mal pago do Vaticano, o próprio papa se ocuparia disso. Se alguém se encontrasse fora da Igreja, ele lembraria o quanto ela o ama. Se alguém fosse um descrente, ele ofereceria a sua amizade.
Assim era João XXIII. Foi alguém que buscou o que nos une, e não o que nos divide. Ele acreditava que isso levaria à paz. Era um padre, sim, mas antes de tudo era um ser humano companheiro.
Ele era capaz de dizer palavras de conforto a cada um sem um pingo de autoconsciência. Certa vez, numa noite de Natal na Praça de São Pedro, disse ao mundo que seu coração estava “repleto de ternura” ao nos dar os votos de Feliz Natal. Eu gostaria, disse ele, de poder “me demorar à mesa dos pobres, nas oficinas, nos lugares de estudo e ciências, próximo às camas dos doentes e idosos, em todos os lugares onde [as pessoas] oram e sofrem, trabalham para [suprir] suas necessidades e as dos outros”.
Eu gostaria, continuou o religioso, de colocar minhas mãos sobre as cabeças das criancinhas, olhar nos olhos dos jovens, encorajar as mães e os pais em suas tarefas diárias. A todos, eu gostaria de repetir a mensagem do anjo: “Não tenham medo! Eu anuncio para vocês a Boa Notícia: nasceu para vocês um Salvador”.
Com estas palavras simples, João XXIII catequizou o mundo sobre a festa de Natal. Fez possível acreditar que Cristo nos ama e que somos chamados a amá-lo e a amarmos uns aos outros. João XXIII rompeu com a falatório do mundo, e em sua mensagem as pessoas ouviram um chamado endereçado para o melhor de si.
Compreendo que seja necessária a comprovação de vários milagres para que alguém venha a ser canonizado.
Consideremos a influência de São João XXIII e do Vaticano II no mundo e na Igreja hoje: centenas de milhares de ministros leigos ao redor do mundo; pessoas rezando de fato a missa em lugar de meramente estar aí presente; o trabalho pela justiça em pé de igualdade com o ensino sobre religião; a dignidade humana no centro do testemunho da Igreja; relações fraternas entre cristãos e judeus; harmonia e diálogo entre as denominações cristãs; e um novo vigor na fé cristã como acontece agora ao abraçarmos a liderança do Papa Francisco. Milagres, certamente!
Sua morte em 1963 teve um impacto forte nas pessoas em todos os lugares, fossem elas crentes ou não. O mundo todo ficou de luto. O patriarca Alexis, da Igreja Ortodoxa Russa, chamou o seu povo à oração. O rabino da sinagoga sefardita em Paris introduziu uma oração em lembrança de João XXIII. Os prisioneiros da Penitenciária Regina Coeli, de Roma, onde ele esteve visitando em seu primeiro Natal no Vaticano, enviaram-lhe esta mensagem: “Com imenso amor, estamos próximos do senhor”.
Talvez esta mensagem diga tudo.
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João XXIII: O santo acidental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU