25 Abril 2014
Tive a oportunidade de entrevistar por telefone o padre Pedro Pantoja, da Casa do Migrante. Em Santillo, Coahuila, México, está encarregado da casa Pousada Belén.
É um homem que vem trabalhando há 40 anos na defesa dos direitos humanos de migrantes sem documentos. Trabalha dia a dia em defesa das causas perdidas, que não são aplaudidas, pelo contrário, são desrespeitadas, negligenciadas, vandalizadas, com as que se trafica, se constroem grandes impérios e são assassinados quando já foram exploradas, ficando somente os restos do que foi um ser humano, restos que jamais aparecerão, restos que se tornam pó em uma cova clandestina.
A entrevista é de Ilka Oliva Corado, publicada por Adital, 22-04-2014.
Ele conta o que está acontecendo em Coahuila com os migrantes indocumentados. A entrevista é extensa e tem muito a dizer, o mundo precisa saber o que está acontecendo com as e os migrantes sem documento, que atravessam o território mexicano.
Informação e realidade palpável, que não saem nos meios de comunicação oficiais, esses que são maquiados para que venha à luz outro aspecto: jamais o real.
Deixo com vocês a extraordinária denúncia do padre Pedro Pantoja, da Pousada Belén, em Saltillo, Coahuila, México.
Eis a entrevista.
Padre, você está há 40 anos envolvido na defesa dos migrantes.
Claro que sim, eu fui à colheita de uvas nos campos da Califórnia no ano de 1962, ao acampamento de César Chávez, lá estive com ele seis meses brigando contra o chicano [estadunidense de origem mexicana] Projeto Bracero, conhece sua história? – Sim, por certo, no fim do mês estrearão o filme baseado em sua vida. – Contaram-me e quis conseguir o filme. Estive apoiando o movimento bracero na última geração de 62. Brigando pelos direitos dos migrantes e braceros.
Você já era sacerdote naquele tempo?
Não, estava estudando, faltava pouco para me graduar, e interrompi os estudos por oito meses para ir para lá apoiar o movimento bracero. Eu o vivi na própria carne: as lutas, os enfrentamentos, as humilhações, o tratamento desumano que eles viveram quando também trabalhei fora do acampamento.
Que evento específico o fez voltar à luta pela defesa dos migrantes sem documentos?
Primeiro, o testemunho profético de César Chávez, praticamente eu fui iniciar ali, em toda a conscientização das vítimas, e ver esse homem tão admirável em meio a um império tão poderoso, que soube levantar a voz e insistir na luta que parecia um suicídio, pois estava enfrentando os patrões, os donos das videiras, era impossível exigir certas leis a partir de uma debilidade social tão vulnerável e, no entanto, ele conseguiu ir adiante. E o que vivi fora do acampamento, nas barracas onde os trabalhadores dormiam, as situações vividas ali, eles queriam se contentar com prostitutas, álcool, queriam comprar essas coisas para não pensar e não lutar por seus direitos, uma humilhação tão grande e agora eu relembro porque tenho uma casa – Casa do Migrante – digna, limpa, acolhedora, sobretudo para as mulheres migrantes. O migrante pode sentir que tem todo o necessário em nossa casa.
Lembro-me dos dois cachorros que César Chávez tinha: um se chamava Boicote e o outro Greve. Estive com seus companheiros originais de luta, nos encontramos varias vezes, estive em Mexicali, Agua Prieta e Nogales – quando o escuto mencionar Agua Prieta o coração dá um salto, sinto que sairá do meu peito, por lá cruzei o deserto de Sonora, que faz fronteira com o Arizona – compartilhamos várias momentos. Ouço que batem a porta, o sacerdote pede desculpas e vai atender, enquanto eu espero a milhares de quilômetros com um telefone celular colocado sobre a mesa, o gravador ligado e minha caderneta de apontamentos, vejo pela janela do meu ninho alugado, lá fora o céu está nublado, com suas nuvens espessas e cinzas dos últimos dias de inverno estadunidense, finos flocos de neve escorregam entre as correntes do vento da letargia, creio que em Saltillo, Coahuila, há um céu limpo nesse mesmo instante. Retorna minutos depois e me conta da situação de violência que Saltillo vive e sobre os migrantes.
Padre, entre tantas causas perdidas, diga-me, por que defender os direitos dos migrantes sem documentos?
Porque quando começaram a cruzar por Saltillo depois do Furacão Mitch, em 98, eu estava trabalhando com os deportados na fronteira de Piedras Negras, - que faz fronteira com o Texas – com odos os migrantes mexicanos que regressavam, mas, ao começar o ano 2000 iniciou a avalanche de centro-americanos no México, Saltillo é um centro ferroviário muito grande, então os migrantes centro-americanos, ao quererem chegar aos Estados Unidos, iam pela rota ferroviária mais conveniente para eles, que é a de Saltillo mas acontece que quando cruzavam essas vias começaram a ser assassinados; assassinaram dois jovens hondurenhos a bala e logo assassinaram outro a pedradas nos trilhos do trem, e começou uma violência muito grande contra os migrantes, sumamente desumana, roubos, desaparecimentos, era urgente frear tudo isso.
Realmente, o trabalho aqui em Saltillo não foi porque tivéssemos o necessário, tínhamos que pensar em como protegê-los dos assassinatos, que era algo sumamente escandaloso, então, eu deixei o projeto na fronteira onde estava para fundar outro chamado "Fronteira com Justiça” e proteger esxes migrantes, nem sequer tínhamos o que dar a eles para comer, porque estávamos palpérrimos. Isso era o que eu ia dizer a você, o governo não ajuda, e a igreja?
A igreja sim, mas o governo não, estamos brigados. Nem mencione. Estamos brigados por toda essa violencia que ele impôs, há alguns meses estivemos em Washington para denunciar que a polícia daqui e o governo sequestraram 30 migrantes e os torturaram, foram chamados em julgamento na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, claro que negaram tudo, tudo isso me deixa incapaz de receber algum tipo de ajuda, com certeza, nem quero receber. Tudo é da sociedade civil, da comunidade paroquial e de muita gente pobre.
Você denunciou que no governo de Calderón sequestraram cerca de 80.000 migrantes indocumentados.
Claro, lhe digo que, no ano de 2009, o primeiro relatório que recebemos do primeiro trimestre foram 9.700. Nós fomos até Washington para denunciar isso. Naquele ano, aconteceram pelo menos 18.000 sequestros, logo se viu a guerra de Calderón contra o crime organizado e os migrantes vinham em centenas e centenas, e em 2012 cresceu a crueldade porque, em agosto, ocorreu o massacre dos 72 – em San Fernando, Tamaulipas. Desatou-se uma violência atroz.
Nada menos que na semana passada, imagine, o crime organizado utilizou o que se chama "casas de segurança”, que é onde escravizam os migrantes e os mantém para pedir resgate, na semana passada, em Reynosa tinham 90 migrantes sequestrados.
Depois de agosto de 2010 veio o massacre no início de 2011 em Tamaulipas, quase 200 migrantes foram vitimados em valas comuns, logo veio o semestre seguinte de 2011, o massacre em Cadereyta, Nuevo León, em que sacrificaram 49 migrantes. Enterraram sem mãos, sem cabeças, sem pés, sem braços. Isso não parou e os sequestros continuam.
As autoridades não dão nenhuma declaração em que especifiquem se os crimes são contra pessoas civis ou contra indocumentados.
Uma das acusações que fazemos e temos comprovado é a cumplicidade das autoridades policiais, das forças de segurança e de muitos funcionários do governo, como também funcionários do Instituto Nacional de Migração; temos provas de que eles mesmos entraram nas negociações comerciais e no tráfico de pessoas com fins de exploração sexual e trabalhista, e, sobretudo, os testemunhos dos migrantes que temos de como encontraram nas casas de segurança do crime organizado funcionários públicos e policiais que estão recebendo dinheiro.
Soube que no mesmo Instituto de Migração em Chiapas se abusam das migrantes sexualmente, também agridem e torturam.
Há muitos casos, aqui em Saltillo tivemos o caso do Instituto Nacional de Migração em sua delegação de Coahuila, que torturava em um quarto escuro os migrantes, segundo eles, porque os migrantes tentavam escapar. O caso de um salvadorenho mantido em um quarto escuro somente a pão e água, o assunto foi tão grave que os próprios empregados subalternos denunciaram o chefe. É uma violação permanente aos direitos humanos dos migrantes.
Precisamente, ontem, tivemos um encontro em que processamos o Instituto Nacional de Migração por todas as coisas que aconteceram.
Tenho entendido que, ultimamente, as autoridades governamentais dizem aos familiares de desaparecidos que encontraram o corpo e o entregam em uma caixa, mas com a ordem restrita de não abri-la, os fazem assinar documentos em que se comprometem a não abrir a caixa, entregam-na completamente selada. Li sobre um caso em que se atreveram a abrir a caixa com um maçarico e dentro encontraram lixo e restos de animais.
Sim, de fato, nós vamos depois de amanhã para El Salvador, porque vamos estar com as esposas dos massacrados da chacina de 72.
E vamos continuar processando o governo, mas não é só isso, em relação aos migrantes centro-americanos e migrantes mexicanos desaparecidos os Ministérios Públicos são realmente uma piada: dizem aos familiares para verem através de uma janela de vidro o caixão de seu familiar morto, os fazem assinar que já estão com seu familiar em mãos, mas não lhes deixam abrir a caixa e não os entregam, dizem para assinar confirmando que já o viram e, na verdade, não viram nada, só uma caixa através do vidro de uma janela.
Também estou na luta dos desaparecidos, entre migrantes e civis mexicanos, na quel temos mais de 27 mil do governo de Calderón e até agora de Peña Nieto.
Como nasceu o projeto Casa do Migrante, há em outros estados do México?
Somos 66 casas, somos uma rede. Eu estou na coordenação da zona norte, que abarca desde Tijuana até Matamoros, Tamaulipas. Dividimos-nos por zonas; norte, centro e sul, onde todos estão unidos por parte da igreja católica, que são os sacerdotes, mas também laicos, advogados, estudantes, gente da sociedade civil. Desde a entrada de Tapachula até Tijuana e Matamoros, Tamaulipas e Piedras Negras.
Nós sacerdotes fazemos parte da igreja, mas somos um coletivo de 70 organizações civis que lutam pelos direitos humanos, estamos totalmente unidos. E falo de quem luta pelos direitos humanos, que é à parte da Casa do Migrante.
Também temos um coletivo que se chama Fórum Migrações, ainda que estejamos como igreja não é da igreja, é de muitas outras organanizações.
Há quantos anos existe a Pousada Belén, a Casa do Migrante em Saltillo, Coahuila?
Desde o ano 2000. Depois do furacão Mitch. Agora lhe faço a você queixa muito grande; os governos não servem para nada – me sai um riso meio zombeteiro quando escuto dizer, porque tem toda a razão – os consulados são um desastre de seriedade e de compromisso. Eles não se importam com nada que os migrantes vivem. Padre, aqui é igual e acrescente a isso que são extremamente racistas e só porque não podem eles mesmos deportarem seus conterrâneos é que não o fazem. A pior chaga que existe para os migrantes sem documentos nos Estados Unidos é a escória dos consulados de seus países de origem.
A Casa do Migrante em Saltillo é especial para os centro-americanos, há casas no sul de Tapachula e Tabasco, mas as casas da fronteira norte e noroeste como Tijuana, Mexicali, Agua Prieta, Reynosa, Ladero, eles trabalham com os deportados. O governo de Obama já quase supera os 3 milhões de mexicanos deportados.
Posso dizer que minha especialidade, o que mais atendo, são centro-americanos, que são os que mais chegam a Posada Belén.
Qual a constância da procura dos Zetas à Posada Belén?
Nunca nos deixaram em paz. Há três anos, invadiram e levaram os computadores, e logo tentaram sequestrar com suas caminhonetas um voluntário alemão que tivemos e uns migrantes; outra vez entraram com suas AK-47 e nos ameaçaram. Supostamente, nós, a partir da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, temos medidas cautelares dentro da casa, temos segurança, mas quando eles chegam nunca estão de acordo ou é coincidência.
Ou seja, os policiais não estão lá 24h?
Deveriam estar, mas não é assim. Agora, todo o noroeste, senhorita, Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas, é território privilegiado dos Zetas, é o paraíso deles. Tamaulipas é um cemitério de migrantes e onde estão as casas de segurança do crime organizado.
Ameaçaram você de morte no ano pasado.
Quase todos os anos. No ano passado, denunciei o assassinato de um migrante, então alguém ligou e me ameaçou de morte. São muitas as ameaças por telefone e ofensas e tudo mais.
Você tinha guarda-costas?
Para nada, ainda que, claro, temos um código entre nós mesmos, as pessoas das organizações que colaboram não podem andar sozinhas e serem ingênuas.
Quantas pessoas vocês recebem por dia na Posada Belén?
200 diariamente. Da Nicarágua, El Salvador, Honduras e Guatemala. Recebo, por semana, entre 400 e 600 pessoas. 70% son hondurenhos e estou falando de adolescentes entre 13 e 18 anos.
E crianças?
Também. Agora mesmo tenho também bêbes. Para o Natal chegaram cinco famílias, com aquele frio de cinco graus abaixo de zero. São de La Ceiba, Honduras. Com bebês de cinco e seis meses. E crianças e agora mesmo tenho 15 mulheres. Crianças que viajam sozinhas? Uma ou outra, a maioria vem com seus pais. Chegou uma família completa da Guatemala; o pai, a mãe e três filhos.
Quanto tempo eles ficam em sua casa?
Veja, Saltillo é a última fronteira, o último oásis a que podem chegar.
Para nós, chegam todos aqueles que foram agredidos, sequestrados, mutilados. É a última oportunidade que eles têm para se recuperarem. Temos todo um serviço multidisciplinar: de saúde, jurídico, atenção psicológica, atenção humanitária.
Então, em Saltillo, rompemos as regras de tolerância, não lhes dizemos que têm três ou cinco dias, temos toda uma equipe que analisa a situação do migrante e decide se é um mês. Por exemplo, agora mesmo há um doente que já está há quatro meses e não podemos nem queremos deixá-lo, perdeu a memória, parece que é de Honduras, mas não têm familiares lá, nem nos Estados Unidos. Bateram nele, quase todos os dias está agonizando, tem um problema muito sério nos pulmões e no coração. Levará aproximadamente um ano para se estabilizar.
Quem chega aquí é atendido pela equipe e até que nós vejamos que está totalmente recuperado, então autorizamos a saída.
A Besta chega a Saltillo? Passa por Coahuila? A Besta é o trem da morte para os indocumentados.
A Besta chega até Veracruz e aí já se juntam outros trens e aqui chega o trem da companhia Kansas, que tem seu centro de operações no Distrito Federal. Mas a maioria chega em trens, poderíamos dizer que eles saem da Besta e entram em outros de diferentes companhias; sim, todos chegam de trem, assim como na Besta, escondidos nos vagões.
Poderia explicar-me, por favor, o que significa isso de "Os quatro malditos territórios do terror”?
Sim, nós dividimos o territorio mexicano em territórios do terror. Onde localizamos os acontecimentos mais sangrentos no tratamento com os migrantes. O território mais selvagem é o sudeste: o triângulo da morte. Chiapas, Tabasco, Veracruz e Oaxaca.
É lá onde tem acontecido a maior quantidade dos sequestros e agressões de migrantes. Depois, viria o território do Distrito Federal, que seria, precisamente, as mesmas pessoas assediadas por oficiais do governo federal, que desejam expulsar os migrantes desse território e esperam que saiam de trem para agredi-los e extorqui-los.
Logo depois, temos o territorio do centro do país, o Estado de Guanajuato, são várias cidades na área: Escobedo, Salamanca, onde quem atravessa e sai vivo é um ser abençoado por Deus, totalmente.
Vem o territorio do noroeste, onde aconteceram os últimos massacres, aqui temos o pior do crime organizado, que é sumamente sofisticado, empresarial: são banqueiros, pecuaristas, gente do governo, policiais. Verdadeiramente uma corrupção de poder muito grande. O que quero dizer é que realmente todo o transcurso do trem é a rota da morte para os migrantes.
Desejo que nasçam mais Casas do Migrante para protegê-los.
Vocês, enquanto Casa do Migrante, já resgataram migrantes sequestrados?
Chegam os que escaparam ou que pagaram a quantidade que é pedida pelos sequestradores. Uma vez, tentamos resgatar, mas a verdade é que a maioria chega a nossa casa. Pagaram o resgate, mas chegam machucados, torturados, mutilados.
Essa pergunta eu tenho anotada, mas você já respondeu no transcurso da entrevista, e era para saber se as autoridades estavam envolvidas no tráfico de migrantes.
Claro, porque no caso dos massacrados da chacina de 72, eles foram sequestrados no sul, tiveram que caminhar no comboio do crime organizado entre 2.500 e 3.000 quilômetros e passar centenas de barreiras policiais, nunca foram detidos, passaram livremente, e sem saber quem deu possibilitou. Como chegaram até San Fernando, quando esse é um territorio militar muito forte? Ninguém escapa da Polícia Federal, as pessoas que vão aos Estados Unidos para trazer mercadorias não escapam. Como conseguiu escapar o comboio com os 72 migrantes? Teria que haver uma cumplicidade muito grande.
É uma organização monumental que vai desde taxistas, policiais…
Sim, coiotes, hoteleiros, gente do governo, agentes da polícia estatal, federal, gente da mesma comunidade, que se aproveita dos migrantes e também negociam.
Por isso a insistência da Casa do Migrante para que não sejam localizados por outras casas onde os extorquem e os separam.
Padre, o que a Procuradoria Geral da República (PGR) está fazendo?
A PGR, meu Deus. Quisera saber por qual motivo nunca pudemos nos entender. Fomos pedir informações dos sequestrados e dos desaparecidos e nenhuma informação nos foi dada.
O padre Solalinde me comentava justamente isso; que a PGR não dá sequer informações.
São informações muito polidas, são muito acomodados, você sabe.
O que se passa com Peña Nieto, o que faz a respeito?
Nem mencione. Nunca se interessou pelos migrantes, jamais. É um tipo que está comprado por seu partido e atento para recuperar o terreno que seu partido perdeu nos anos anteriores, o PRI.
Os migrantes não são sequer um item em sua agenda.
Não, não são prioridade. Não qualificam, como nós dizemos.
Como está a situação dos vistos para migrantes?
É um problema, precisamente porque os vistos são seletivos, os vistos humanitários, como os que estamos trabalhando; os outros vistos propostos pelo governo e as leis de migração custam muito caro, e essas pessoas não tem nem para comer. Necessitam de apoio moral e econômico, e essas pessoas quando pode resolver isso, migram por necessidade.
Por isso lhe digo que é algo seletivo.
Em Coahuila encontraram 300 restos humanos recentemente, o que aconteceu lá?
Sim, no norte. Imagine que são quatro povoados pequenos, que não passam de 6 mil habitantes, e é um ninho tremendo de Zetas. Há três anos, houve um massacre imenso de pelo menos 300 pessoas sob as valas comuns, o governo se calou. Muito silenciosamente, muito astutamente. Inclusive, em nosso movimento de desaparecidos, rompemos relações com o governo porque nos pareceu realmente enganoso tudo o que havia dito, porque, sobretudo, não respeitou nossos códigos de que as vítimas e seus restos devem ser tratados com dignidade, para não perderem a capacidade de identificação e não somente nos enganaram com isso, como colocaram máquinas e destruíram os ossos, os restos e assim é impossível a identificação.
Há migrantes nesses restos?
Eu creio que a maioria é gente civil mexicana dos povos de lá, que se opuseram ao crime organizado.
O que você sente o seu coração de criança, irmão, homem, com toda essa desgraça humana? Porque é uma total negligência do país de origem, translado e chegada.
O México é um país de origen, expulsão, trânsito, reclusão e de retorno. Muitos dos migrantes que passam pela Casa já o fizeram até cinco vezes. Outra vez e outra vez. O México já está se convertendo em um destino. Em Monterrey, Saltillo temos assentamentos humanos de hondureños, sobretudo, buscando trabalho porque já não querem voltar para o seu país, seja porque lá deixaram a miséria, seja porque já não querem chegar onde estão seus familiares, ou seja porque, têm horror de voltarem, e a única esperança é ficarem para poderem conseguir um trabalho miserável.
E há um problema gravíssimo, porque muitos deles são recrutados pelo crime organizado e se convertem em assassinos de aluguel, são muito fáceis, vulneráveis e palpérrimos, muitas vezes se misturando com delinquentes, eles se envolvem e capturam seus irmãos migrantes, temos vários migrantes hondurenhos nas prisões, que assassinaram por dinheiro ou por drogas.
Você esteve em Honduras?
Sim e foi péssimo. Esses militares não servem para nada. Vivem da população, estão em todos os poderes, tanto que a Ministra de Justiça disse que não podia entrar porque o chefe de polícia migratória era um militar e há uma violência espantosa e corrupção.
E os cônsules da América Central no México?
Sim, falei com eles (muda imediatamente o tom de voz quando fala dos consulados, desanimado e decepcionado) e até com os embaixadores. O embaixador da Guatemala é uma vergonha de homem, eu estava com ele no México no Senado, lhe perguntei se ele iria a San Fernando quando do massacre dos 72 e me disse: "não, pois estava muito longe”.
O cônsul de Honduras, uma consulesa que veio à força, no lugar de falar dos problemas aos migrantes, disse que tinha muitos problemas em sua casa porque não tinha água quente nem ar condicionado. Logo depois, veio o embaixador de Honduras e também falou pura bobagem.
Com o embaixador da Nicarágua tivemos uma discussão, pois ele disse que a Nicarágua era um país super desenvolvido, que as pessoas não precisavam migrar, caramba, eu disse: e os 1 milhão de nicaraguenses que existem na Costa Rica?
Padre, deseja acrescentar algo mais?
Não, já basta, é muito triste falar disso.
Fico com sua frase que fala dos migrantes. Como é? O migrante é um morto que caminha sem nome e sem enterro. Obrigada por seu tempo e sua luta.
Por nada, cuide-se e que Deus a abençoe.
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“O migrante é um morto que caminha sem nome e sem enterro” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU