Por: Cesar Sanson | 04 Outubro 2013
Morte de dezenas de africanos na Itália expõe condições dramáticas em que vivem 250 milhões de pessoas, superexploradas por corporações e governos ricos.
A reportagem é de Thalif Deen, publicada pela agência IPS e reproduzida pelo sítio Outras Palavras, 03-10-2013.
O número de migrantes internacionais continua a crescer inexoravelmente, mesmo em vista da multiplicação de relatos sobre trabalho escravo. O número de pessoas que vivem e trabalham fora de seus países de origem chegou ao recorde de 232 milhões de pessoas – que geram mais de 400 bilhões de dólares anuais em remessas de recursos. A cifra também não param de crescer. Ela já é, segunda a ONU, quase quatro vezes maior que a ajuda ao desenvolvimento prestada pelos países ricos aos mais pobres.
Os rios de dinheiro que fluem para os países em desenvolvimento – entre eles, Índia, Bangladesh, Marrocos, México, Sri Lanka, Nepal, Egito e Filipinas – é um dos efeitos mais positivos da migração. Mas o que é benção para alguns, torna-se calamidade para outros. No lado obscuro, estão a contínua exploração dos migrantes, em especial no Oriente Médio, os baixos salários, o cuidado médico inadequado e condições atrozes de trabalho.
Jaseph Chamie, um ex-diretor da Divisão de Populações da ONU que escreveu vastamente sobre migrações internacionais, afirmou à Agência IPS que embora haja condenação internacional do trabalho “escravo” de estrangeiros, é difícil fazer valer as normas de proteção, porque o trabalho é em geral realizado em residências e pequenas empresas. Uma estratégia para enfrentar o problema é a Convenção para Trabalho Doméstico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entrou em vigor no mês passado.
Ao falar na abertura de um encontro de alto nível sobre migração internacional e desenvolvimento, Abdelhamid El Jamri, diretor do Comitê sobre Direitos dos Trabalhadores Migrantes (CMW, em inglês), frisou nesta quarta-feira (2/10) que os migrantes não são mercadorias. “Mudar os padrões de migração, enfrentando a exploração e as discriminações enfrentadas por eles em ramos como agricultura e construção civil tornou-se mais crucial que nunca”, disse ele.
A Convenção Internacional sobre os Direitos dos Migrantes e suas Famílias (ICRMW, em inglês) é um dos tratados internacionais mais importantes sobre direitos humanos. No entanto, embora tenha sido aprovada há dez anos, ela foi ratificada por apenas 47 dos 193 países-membros da ONU. Nenhum dos grandes destinos de migrantes – Estados Unidos, países da União Europeia e nações do Golfo Pérsico, onde milhoes de imigrantes vivem e trabalham – a endossou, até agora.
Indagado sobre o encontro de alto nível da ONU, marcado para 3 e 4 de outubro, Joseph Chamie afirmou que devido às realidades políticas atuais e aos contínuos atritos entre países que importam e exporatam mão-de-obra, “é improvável que o evento resulte em algo além de palavras”.
A divisão aguda entre os dois lados, disse ele, relaciona-se a temas como reunificação das famílias, direitos dos migrantes, trabalhadores indocumentados e responsabilidade partilhada. Kul Gautam, um nepalês que foi secretário-geral assistente da agência da ONU para a infância (Unicef), afirma que as rendas dos migrantes são hoje a principal fonte de renda nacional em seu país. As remessas equivalem a cerca de 25% do PIB do país. Dos 400 mil jovens adultos que entram no mercado de trabalho a cada ano, cerca de 300 mil procuram migrar. A maior concentração deles está no Qatar e na Malásia (cerca de 400 mil em cada país).
Gautam critica o tratamento áspero dispensado aos migrantes, em especial nos países do Golfo Pérsico. Ele afirma que as denúncias mais recentes de escravidão contemporânea em massa referem-se ao Qatar – um dos países mais ricos do mundo, que emprega trabalhadores nepaleses na construção da infraestrutura para a Copa do Mundo da FIFA, em 2022. Uma reportagem investigativa recente do jornal britânico The Guardian descreve um quadro dramático, de milhares de trabalhadores forçados a condições inumanas, sem receber pagamento por longos períodos e desprovidos de equipamento de segurança. O governo do Nepal anunciou esta semana que 70 migrantes nepaleses morreram nas obras da Copa-2022, nos últimos dois anos.
Em relação ao endurecimento das normas internacionasi, Gautam afirmou: “é difícil dizer se o diálogo de alto nível [desta semana] terá impacto significativo. Mas seria necessário”. No Nepal, pouquíssimas pessoas foram informadas do encontro, ele lembrou, acrescentando: “duvido que a delegação do país esteja preparada e tenha propostas concretas”. Mas também frisou: “Penso que, no Nepal e em diversos outros países, a migração é um tema mais importante para o desenvolvimento que o comércio, a ajuda internacional ou o investimento direto.
Para fazer justiça, prosseguiu Gautam, o governo do Qatar não é o único a praticar ou acobertar condições semelhantes às de trabalho escravo. Empresas privadas, contratantes e intermediários são os principais responsáveis por tais práticas desumanas. Indagado sobre possíveis ações da ONU para prevenir tais abusos, Joseph Chamie afirmou que o tema não está entre as prioridades das Nações Unidas. Em contraste com outros temas globais, como infância, comércio, meio ambiente, finanças, mulheres e idosos – todos eles, foco de conferências globais – a migração internacional é “uma criança rejeitada”.
“Por enquanto, e no futuro previsível, é um tema fora do sistema ONU”, prosseguiu. Indagado sobre as razões para tanto, afirmou: “Os países de destino dos migrantes, especialmente os mais ricos, não desejam ver o tema tratado pelas Nações Unidas”.
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O lado obscuro das migrações internacionais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU