Por: Jonas | 16 Julho 2012
Alejandro Solalinde (foto) não se lembra quantas vezes lhe disseram ou ouviu que vão matá-lo. Em abril, num caixa eletrônico, uma mulher lhe confidenciou que já havia um matador contratado para isso. Esta pista se unia com outras recentes e as autoridades lhe pediram para que saísse um tempo do México, para investigarem as ameaças. Depois de dois meses na América do Norte e Europa, o padre Solalinde, de 67 anos, volta ao albergue do Estado de Oaxaca, local em que acolhe e protege muitos imigrantes centro-americanos, que atravessam o seu país para os Estados Unidos, expostos ao tráfico de pessoas pelos grupos criminosos.
A entrevista é de Pablo de Llano, publicada no jornal El País, 11-07-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que se descobriu sobre as ameaças que recebeu?
Começaram a surgir nomes concretos dos supostos responsáveis.
Que tipo de pessoas?
Ligadas com a lavagem de dinheiro e com o narcotráfico, políticos, algum cacique...
Políticos em exercício?
Alguns deles já não estão em exercício, mas são poderes fáticos.
Ao que se devem as ameaças?
Estou estorvando. Ciudad Ixtepec [localidade onde tem o seu albergue e é parada do comboio em que viajam aqueles em situação irregular] é o lugar ideal para fazer negócio com os migrantes. Para eles não são pessoas, são um espólio do qual se pode tirar dinheiro com o tráfico, obrigando-os a agir como sicários, com a exploração sexual, com a extorsão... Por isso, são tão cobiçados.
Também o tráfico de órgãos?
É claro. Tudo o que possa implicar lucro à custa dos migrantes, eles farão.
Sente-se inseguro?
Sim. Minha situação é de risco, mas retorno porque não quero fazer outra coisa a mais na vida, a não ser a missão que Cristo me concedeu, que é estar com minhas ovelhinhas. O pastor não corre quando vem o lobo, e eu ficarei com eles até o fim.
Teme mais a ação do crime organizado ou a omissão das autoridades?
Talvez, o que mais me entristece é a incompreensão de alguns setores da Igreja Católica, que estão ausentes de tudo isto, que estão corrompidos, que ficam cuidando de suas estruturas, sua administração, seus imóveis e se esquecem da gente de baixo.
Nunca pensou em abandonar a Igreja?
Não, a Igreja é parte de Jesus, apesar de que esta que temos hoje, rica, poderosa, servida, não é a que Cristo quer. Cristo a quer pobre, missionária, desprendida, próxima ao caminhos.
Tem em mente a quantia de vezes que foi ameaçado?
Perdi.
Uma vez disse que sua vida é um jogo de cartas, em que alguém tem a última carta.
Sim, e continuam tentando de uma forma, e de outra, e de outra... [Solalinde faz o gesto de jogar as cartas sobre a mesa, uma a uma]. A carta de baixo é a última e definitiva. Quando será, não sei, mas estou tranquilo. Podem me matar quando quiserem, mas a causa de Deus seguirá.
Que tipo de máfia açoita os imigrantes? É apenas um grupo?
A Ciudad Ixtepec ainda não foi tomada por nenhum cartel. Os Zetas, o cartel do Golfo e o de Sinaloa têm se aproximado, mas nenhum se apossou do povo.
Tem afirmado que a polícia é aliada deles.
Esteve. Agora, há algumas pessoas, mas o novo Governador [o PRD dirige Oaxaca desde 2010; durante décadas foi o PRI] vigia a polícia e pela primeira vez está processando policiais civis, que antes eram intocáveis. Eles eram os mentores dos sequestros de migrantes. Quando governava Ulises Ruiz [governador anterior, do PRI] era impossível. Eu levava provas ao Ministério Público e eles se encarregavam de desfazê-las.
A situação dos imigrantes tem melhorado?
Sim, porque tem se visibilizado seus problemas. A opinião pública tem se sensibilizado e os meios de comunicação e organismos internacionais estão mais conscientes. Já não há tanta opacidade como antes. Porém, o Governo Federal não tem definido uma política em favor dos migrantes: sente-se comprometido com os Estados Unidos e acredita que conter o fluxo migratório é o mesmo que atropelar os direitos humanos, como os agentes de migração têm feito.
De que maneira estão agindo?
De todas as formas possíveis. A as mais vil, por exemplo: como oficiais, dão garantias aos migrantes que vão num caminhão e, em seguida, os entregam aos sequestradores. Para estes funcionários públicos, o migrante é uma tentação, porque podem sacar dinheiro.
Quanto vale um imigrante?
Num sequestro, de 3.000 a 5.000 dólares. Eles também tiram proveito com o tráfico, entregando as centro-americanas para as redes do crime.
Nos seus últimos 12 anos de Governo, o que o PAN fez para resolver o problema? E, a partir de agora, o que você espera do PRI?
No período de Felipe Calderón aconteceu o pior momento da criminalidade contra os migrantes, com o máximo número de sequestros. Entretanto, ocorreu em Estados “priistas” [governados pelo PRI], com a anuência do Governo Federal, que distante de sentir a tragédia humanitária, dedicou-se a negá-la. Do PRI espero pouco. Não está projetado para ser democrático, é formado para o poder, para concentrar o dinheiro. A primeira coisa que lhe diria é para que olhe para o espelho. Não importa o incenso que lança sobre si mesmo: que ouça o que as pessoas pensam, que reconheça que não mudou o que gostariam e que seja inteligente e saiba ler os sinais dos novos tempos. O México não é o mesmo de doze anos atrás.
Como poderia ser interrompida a exploração dos clandestinos?
Deveria existir uma estratégia integral para a entrada ordenada e legal de migrantes. Se um centro-americano quer passar pelo México para entrar nos Estados Unidos, deve haver um acordo com os Estados Unidos de que essa pessoa irá bater na sua porta, mas também deve existir um acordo com os países de origem do migrante. Se os Estados Unidos não o contrata, que exista um plano B em seus lugares de origem para que tenha uma oportunidade de trabalho. Deve existir uma corresponsabilidade de todos os governos. Se for preciso sentar para conversar sobre este problema, não há outro caminho. Não é possível que os Estados Unidos encolham os ombros e diga: ‘Sabe o que é, México? O problema é seu. Dou-lhe um dinheirinho e aí você soluciona como puder?’
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“Quanto vale um imigrante?” Entrevista com padre Alejandro Solalinde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU