24 Março 2014
Um suposto esquema de corrupção que atingia principalmente o governo do PSDB de São Paulo tomou uma dimensão nacional nesta quinta-feira. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) anunciou que 18 empresas nacionais e estrangeiras, além de 109 pessoas, estão sendo investigadas por formação de cartel que agiu na venda e reforma de trens para companhias públicas paulistas e também atuaram em outras quatro unidades da federação: Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A suspeita é que as empresas e seus funcionários tenham atuado irregularmente em ao menos 15 operações de comercialização de trens e de serviços entre os anos de 1998 e 2013, o que teria lesado os cofres públicos em 9,4 bilhões de reais. Apenas para efeito de comparação, esse valor é maior do que o orçamento anual de vários Estados brasileiros como o de Sergipe (orçamento de 8,3 bilhões de reais) ou do Piauí (7,7 bilhões de reais), ambos no Nordeste.
A reportagem é de Afonso Benites, publicada no jornal El País, 20-03-2014.
Conforme uma nota técnica publicada no Diário Oficial da União, as investigações começaram em maio de 2013, após a multinacional alemã Siemens e alguns de seus funcionários assinarem um acordo de leniência para denunciar o esquema ao CADE, que é o órgão vinculado ao Ministério da Justiça responsável por fiscalizar delitos financeiros . Caso se comprove as irregularidades, esses servidores e a Siemens terão penas mais brandas do que os demais que não delataram o esquema.
A ampliação da investigação era apenas uma questão de tempo. No ano passado mesmo, quando as primeiras denúncias vieram à tona, a tropa de choque do PSDB tomou a frente para dizer que não só São Paulo tinha contratos com as empresas investigadas, mas todos esses outros Estados citados nesta quinta-feira, além de Pernambuco que ainda não é alvo de investigação. Assim, com a expansão das apurações, não só os Governos tucanos paulistas (de Mario Covas, Geraldo Alckmin e José Serra) ficam na mira dos investigadores.
As provas testemunhais e documentais obtidas pelo CADE mostram que o Governo de Sérgio Cabral (PMDB), no Rio de Janeiro, o de Joaquim Roriz (ex-PMDB), no Distrito Federal, e até o da presidenta Dilma Rousseff (PT) em Belo Horizonte e Porto Alegre também estão sob suspeita. No caso de Rousseff a investigação ocorre porque as companhias responsáveis pelas obras em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, a Trensurb e a CBTU, são duas autarquias federais, e não estaduais como nos demais casos.
O esquema funcionava assim, segundo o CADE: os participantes do cartel dividiam as licitações entre eles e simulavam a competição nas disputas. Os valores das propostas comerciais, porém, eram previamente combinados pelas empresas e consórcios concorrentes. “Sob o manto de consórcio, as acusadas teriam adotado diversas estratégias anticompetitivas, como a definição prévia de quais empresas fariam parte de determinado consórcio e quais participariam da licitação apenas para apresentar propostas de cobertura – quando há acerto de que uma das companhias ofertará valor superior para propositadamente não vencer a concorrência pública. Outra medida adotada seria a definição de que um único consórcio concorreria no certame, mediante compensação às empresas que ficassem de fora”, diz trecho de nota do órgão federal. Para o CADE, a promessa de subcontratação foi usada como forma de “eliminar previamente competidores e até mesmo de recompensar aqueles que aderissem ao suposto cartel”.
Partidário?
Em São Paulo, onde o esquema ganhou maior notoriedade por envolver supostos pagamentos de propina e citar membros do alto escalão do governo paulista, a investigação já está bastante adiantada. O Ministério Público, que pede a devolução de 875 milhões de reais aos cofres públicos, dividiu a apuração em três frentes. No início deste ano, os promotores firmaram um acordo com o Governo para interromper a reforma de trens do metrô porque a contratação dessas empresas teria sido irregular. Por outro lado, o governo Alckmin montou um grupo de trabalho para investigar as irregularidades e para punir administrativamente os envolvidos.
Enquanto o CADE espalha o manto da suspeita para outros contratos, defensores das empresas investigadas reclamam da atuação do órgão. A maioria das que foram citadas na denúncia da autarquia federal diz que vai colaborar com as investigações. Outras, como a Procint, dizem que não participaram de nenhum esquema ilegal e acusam o CADE de atuar em benefício da gestão Rousseff. “O CADE, neste assunto, tem agido como um braço partidário. Antes, ele só se manifestava contra gestões em que os governantes eram adversários políticos da União, que foi o caso de São Paulo e o do Distrito Federal. Citar os casos de Belo Horizonte e de Porto Alegre, onde o responsável é a União, é uma tentativa de disfarçar essa ação partidária, já que esses casos são antigos, mas nunca o CADE quis torná-los públicos”, reclamou o advogado Eduardo Carnelós, que defende a Procint, uma das 18 empresas investigadas.
As empresas terão um prazo para apresentar suas defesas na esfera administrativa. Se o esquema ilegal for comprovado, os envolvidos poderão pagar uma multa de até 20% de seu faturamento. Além disso, deverão responder a processos criminais que já estão sendo tocados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
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A investigação do cartel de trens de São Paulo ganha dimensão nacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU