13 Março 2014
Católicos leigos aos quais foram dados a chance de responder ao questionário do Vaticano sobre questões relacionadas à família fizeram bom uso da oportunidade. No entanto, pode ser que esta chance foi dada apenas a pouco mais de um terço dos fiéis das quase 200 dioceses dos EUA.
A reportagem é de Michael O’Loughlin, publicada pelo National Catholic Reporter, 11-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O National Catholic Reporter percorreu sites e publicações das dioceses americanas em busca de informações sobre como as dioceses responderam ao pedido do Papa Francisco, de outubro de 2013, para distribuírem “imediatamente” e “o mais amplamente possível” um questionário com questões sobre o uso de métodos contraceptivos, casamento homoafetivo e divórcio, entre outros.
O NCR encontrou 78 dioceses com informações claras e facilmente acessíveis do que se tratava a consulta e como os católicos poderiam participar, seja por meio de pesquisas online ou consultas diretas (um bispo no Alaska realizou um encontro no prédio da prefeitura). Alguns bispos anunciaram que estariam consultando os conselhos sacerdotais ou outras estruturas diocesanas para recolher respostas ao questionário.
Destas dioceses, cerca de uma dúzia relatou publicamente os resultados de suas pesquisas e consultas.
O questionário veio do então arcebispo, hoje cardeal, Lorenzo Baldisseri, chefe do escritório do Vaticano que está organizando o Sínodo de outubro, cujo tema é “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”. O instrumento continha 39 questões contemplando nove tópicos.
Segundo a pesquisa feita pelo National Catholic Reporter, a maioria das dioceses dos Estados Unidos não forneceu qualquer informação sobre o Sínodo ou sobre o questionário em seus respectivos sites. No entanto, algumas podem ter enviado relatórios à Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, que está recolhendo este material e enviando-o a Roma. Um porta-voz da Conferência disse não ter informações sobre quantos bispos enviaram seus relatórios.
Em outubro o monsenhor Ronny Jenkin, secretário geral da Conferência dos Bispos dos EUA, pediu que as dioceses enviassem os resultados de suas consultas para o escritório em Washington até 31-12-2013, de forma que os documentos pudessem ser encaminhados ao escritório do cardeal Baldisseri em fevereiro.
Em Tucson, no estado do Arizonas, uma pesquisa foi enviada aos líderes paroquiais, sendo também disponibilizada na internet para os leigos. Dom Gerald Kicanas disse que o laicato estava animado por estar sendo chamado a participar. “Acho que as pessoas estavam entusiasmadas. É um assunto muito importante para elas, para nossa sociedade e para nossa cultura”, contou ao NCR.
O entusiasmo ficou também evidente na cidade de Spokane, em Washington. Dom Blase Cupich disse ao NCR que muitos católicos leigos incluíram comentários manifestando gratidão ao papa pela oportunidade de participar.
“As pessoas se sentiram animadas porque suas opiniões estavam sendo levadas em consideração e porque elas estavam sendo postas a participar”, falou. “Foi um sucesso até mesmo para lançar este questionário. Ele abriu novas portas às pessoas, deu a elas um sentimento de que estavam participando no processo do Sínodo de alguma forma”.
Algumas informações publicadas nos sites diocesanos ressaltaram que o questionário não constituía uma pesquisa de opinião ou referendo sobre a doutrina da Igreja, mas uma ferramenta de consulta aos leigos católicos sobre se eles compreender ou não a doutrina da Igreja e para saber como a Igreja poderia oferecer um trabalho pastoral melhor às famílias.
Os resultados da pesquisa
Um exame dos resultados da pesquisa que foram disponibilizadas online sugere que os católicos dos EUA têm dúvidas quanto à doutrina da Igreja relativa a uma série de questões sobre a família.
Dom Stephen Blaire, de Stockton, Califórnia, contou ao NCR que não ficou surpreso com os resultados. (Um resumo dos resultados está disponível no site de sua diocese.)
“Se prestarmos atenção ao que está ocorrendo, saberemos o que as pessoas estão levando em consideração”, disse. “Muitas pessoas achavam que a doutrina da Igreja sobre o casamento e a sexualidade nem sempre foi aceita completamente. Acho que sabíamos disso”.
Enquanto uma maioria dos respondentes da diocese de Stockton olha negativamente para o casamento homoafetivo, muitos também manifestam preocupações com o fato de que “não há nenhuma iniciativa paroquial para os indivíduos [em relações homoafetivas] vivenciaram uma acolhida ou terem um lugar na Igreja”, lê-se no relatório da diocese. Além disso, encoraja-se que os líderes pastorais “tratem casais homossexuais que adotaram filhos da mesma maneira como tratam qualquer outro casal com filhos”.
“Dor e sofrimento são dominantes e temas recorrentes” para os católicos divorciados e recasados, diz o relatório, e os respondentes lamentaram os difíceis e complicados requisitos para as anulações. E mais, o “controle da gravidez é um valor aceitável” na sociedade, descobriu o questionário.
A diocese de Honolulu, no estado do Havaí, informou que a doutrina da Igreja sobre o celibato sacerdotal, sexo antes do casamento, divórcio, aborto e casamento homoafetivo são “quase universalmente rejeitados” pelos católicos e pela sociedade em geral.
Mais de 80% dos participantes da diocese de Honolulu concordou que uma “simplificação da prática canônica” nas anulações beneficiaria a Igreja. Os respondentes relataram dificuldades em aceitar a doutrina da Igreja relativa a métodos contraceptivos; o relatório citou um leigo que disse que a doutrina é “irrealista e mal-informada”.
O relatório citou divórcio, pressões financeiras, abuso infantil, uso de drogas e “valores seculares” como as maiores ameaças às famílias hoje. Um sacerdote, citando pressões econômicas sobre os pais, disse que a Igreja precisa “buscar formas que permitam aos membros das famílias terem mais tempo para ficarem juntos”.
Dom Robert Lynch, de St. Petersburg, na Flórida, contou que 6800 pessoas responderam à pesquisa. Lynch disse que houve um “forte apoio” para a questão do casamento definido como união entre homem e mulher. Os respondentes também perceberam que a “Igreja precisa estar mais preparada para responder à realidade dos casamentos homoafetivos” e “ser mais amável e suave com aqueles que se identificam como gay ou lésbica, além de precisar ser menos crítica e mais acolhedora”.
Os participantes “perceberam com muita intensidade” que “algo precisa ser feito para se reconciliar com os católicos divorciados e recasados e acolhê-los de volta” na Igreja.
No estado americano do Iowa, Dom Martin Amos, de Davenport, escreveu um relatório bom base nos resultados da pesquisa aí conduzida. Observou que a “mídia secular continua em seu esforço para promover uma ‘nova normalidade’, em desacordo com a doutrina da Igreja”. Amos também disse que a lei natural não é discutida nas sociedades modernas e que o casamento é visto “meramente em termos seculares”.
Amos escreveu que, enquanto muitos católicos divorciados e recasados não estão cientes de que sua situação “irregular” proíbe-os de participarem nos sacramentos, aqueles que se abstêm de receber a Eucaristia “muitas vezes sentem tristeza e isolamento”. Fez notar que a maioria dos respondentes, tal como os de Stockton e Honolulu, são a favor da simplificação do processo de anulação e que a opinião “mais forte” era a de que “à pessoa divorciada e recasada deveria ser permitido receber o Sacramento de Reconciliação, celebrar o casamento na Igreja Católica” e então ser admitida os sacramentos.
A respeito do casamento homoafetivo, que é aceito em termos legais no Iowa, Amos escreveu que a Igreja deveria prestar assistência pastoral a indivíduos de casamentos homoafetivos e acolhê-los dentro da comunidade, mesmo “não reconhecendo que estas uniões sejam válidas”. Sobre a questão da contracepção, Amos escreveu que os católicos rejeitaram a proibição por “razões ideológicas e práticas”.
Em Bridgeport, no estado de Connecticut, um resumo das respostas reconheceu que a maioria dos leigos católicos rejeita a posição da Igreja em relação ao controle de natalidade. Um respondente escreveu que “a Igreja precisa perceber que o controle artificial de natalidade é uma realidade que jamais irá se modificar e que isso precisa ser aceito”, e um outro escreveu que seria “útil se a igreja reconhecesse que esta doutrina não vem tendo efeito na população católica”. Porém, alguns manifestaram apoio para a proibição da Igreja relativa ao uso de métodos contraceptivos e sugeriu à Igreja promover o planejamento familiar natural de forma mais enérgica.
Algumas dioceses informaram o número de participantes, mas sem oferecer detalhes sobre as respostas.
Na diocese de Scranton, Pensilvânia, 890 pessoas completaram uma pesquisa online e em Pittsburgh, onde 2811 pessoas responderam à consulta, Dom David Zubik disse ao jornal Pittsburgh Catholic que as respostas foram “muito honestas e perspicazes”.
Na diocese de Springfield, do estado de Illinois, 75 dos 334 participantes da pesquisa disseram não compreender por completo a doutrina da Igreja sobre a família.
Informações precisas
Dom Stephen Blaire, de Stockton, disse que qualquer consulta futura deveria contar com profissionais para recolherem as informações.
Dom William Lori, de Baltimore, concordou com esta ideia, sugerindo, num email enviado ao National Catholic Reporter, que envolver organizações de profissionais em pesquisa poderia “recolher informações mais precisas”. No entanto, considerou o processo realizado “um passo na direção certa para um diálogo contínuo”.
O padre jesuíta Thomas Gaunt, diretor executivo do Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado (CARA, na sigla em inglês) da Universidade de Georgetown (EUA), disse que um processo para recolher resultados científicos poderia levar vários meses, muito mais do que as oito semanas que os bispos americanos tinham para fazer a consulta. Afirmou que um desafio primeiro seria fazer “perguntas que qualquer católico nos Estados Unidos pudesse responder”.
Dom Gerald Kicanas observou que é importante para a Igreja “saber com o que se está lidando, conhecer as práticas e atitudes das pessoas relativas ao casamento, à família e à sexualidade”. Falou que a Igreja deve “abordar estas questões complexas e lidar com elas de forma que esteja sendo fiel à nossa doutrina, mas também responder aos sinais dos tempos”.
Blaire fez ecoar este sentimento. Falou que “há muitas lutas na vida familiar e, portanto, dar nossa atenção pastoral às famílias é extremamente importante”.
Na últimas semanas, alguns bispos tentaram refrear as expectativas relativas ao que o Sínodo pode realizar, mas Dom Blase Cupich disse que a Igreja “deve permitir que o Espírito Santo nos mova”.
Ao citar a mudança que se seguiu ao Concílio Vaticano II no coração dos líderes da Igreja, disse que os sacerdotes devem levar a sério as “alegrias, tristezas, mágoas e os desafios dos leigos e leigas”.
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Algumas dioceses dos EUA divulgam os resultados do questionário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU