10 Março 2014
"Que livro o senhor está lendo nestes dias? Pietro e Maddalena, de Damiano Marzotto, sobre a dimensão feminina da Igreja. Um belíssimo livro'". Foi assim que o Papa Francisco respondeu na entrevista concedida a Ferruccio de Bortoli, publicada no Corriere della Sera. O livro referido pelo papa foi publicado pela editora Ancora, de Milão (www.ancoralibri.it) em 2010 e é uma pesquisa sobre os Evangelhos sinóticos, o quarto Evangelho e os Atos dos Apóstolos que quer mostrar a colaboração da mulher e do homem na evangelização das origens.
Damiano Marzotto ensinou Sagrada Escritura e Teologia na Faculdade Teológica da Itália Setentrional de 1970 a 1982. Desde 1982, é oficial e, desde 2009, subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé. De 1983 a 2001, foi assistente da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana e, desde 2002, é professor encarregado.
O jornal Avvenire, 06-03-2014, publicou o prefácio do livro Pietro e Maddalena. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A cooperação na obra do Evangelho sempre viu juntos homens e mulheres, empenhados em um esforço comum, apaixonado e contínuo na fidelidade ao Senhor (cf. Fl 4, 2; Rm 16). Acontecia nos tempos de Paulo, verificou-se ao longo dos séculos, é uma realidade mais do que nunca viva hoje.
No entanto, também se registram a respeito algumas interrogações, alguns problemas não totalmente resolvidos. Acima de tudo, lamenta-se uma insuficiente visibilidade da presença da mulher na Igreja e na evangelização. Depois, quando se busca dar concretude a uma presença mais qualificada das mulheres, nem sempre se vê com clareza se se trata apenas de redistribuir uma série de papéis tradicionalmente atribuídos aos homens ou se verdadeiramente se pode dar espaço a uma originalidade feminina que enriquece toda a Igreja e o mundo.
Por outro lado, também é verdade que, da parte dos homens, nem sempre há uma clara consciência da singular vocação da mulher, particularmente no âmbito eclesial. Muitas vezes, a mulher é considerada somente como uma figura secundária, mais facilmente disponível para papéis humildes, e não se captam os singulares valores evangélicos e de enriquecimento para a Igreja e para a sociedade dos quais ela é portadora. Essas considerações mostram como surge uma interrogação mais geral e de fundo.
Isto é, perguntamo-nos se, para a evangelização e, em geral, para a vida da Igreja, uma maior colaboração entre homens e mulheres é não apenas oportuna, mas também necessária. Uma vez formulada essa interrogação e dada a ela também uma genérica resposta positiva, porém, restam a ser especificadas as modalidades concretas dessa desejada colaboração, que valorizem os dons de ambos.
A esse respeito, há alguns anos, eu quis empreender uma pesquisa analítica sobre o Novo Testamento e também publiquei alguns artigos a propósito, que concernem, respectivamente, aos Evangelhos sinóticos, os Atos dos Apóstolos e ao quarto Evangelho. A pesquisa por mim realizada me fez compreender cada vez mais que, se a perspectiva geral do Novo Testamento é uma perspectiva de evangelização, de ampliação de perspectivas, de tendência à unificação universal em Cristo, tal dinâmica de salvação se cumpriu de fato – portanto, cumpre-se e pode cumprir-se – em uma sinergia do masculino e do feminino.
Quais são as linhas comuns que caracterizam essa colaboração e que se encontram, mesmo com ênfases diferentes, nos vários livros? As linhas fundamentais parecem ser três:
1) Uma capacidade de acolhida por parte da mulher, que se põe ao lado de um maior ativismo por parte do homem. Sobretudo em Mateus e em Lucas, evidencia-se como a iniciativa divina é acolhida em profundidade e com disponibilidade interior justamente pelas mulheres. Isso permite uma maturação e uma custódia duradoura da mensagem. A capacidade de escuta e de contemplação da mulher favorece essa penetração profunda do evento da salvação, a acolhida transformante do Espírito. Por outro lado, essa capacidade de acolhida encontra-se ao lado e como que integrada, como base fundante, de gestos feitos por homens, como: dar o nome ao nascituro, depor o corpo de Cristo da cruz, retomar contato com Jesus ressuscitado, enfrentar com novo impulso a difícil missão própria.
2) Uma capacidade de antecipação por parte da mulher, que precede e prefigura sucessivos comportamentos masculinos, seja no serviço, na ampliação das perspectivas, na fé como dom de si mesmos, na intuição da verdade que salva, na recordação das palavras do Senhor, seja no anúncio. De fato, as mulheres, às vezes, têm até uma ação de provocação com relação a Jesus ou os apóstolos para induzi-los à ação de salvação.
3) Um impulso ao universal caracteriza as intervenções, muitas vezes antecipatórias, da mulher junto ao homem . A missão é convidada a ampliar-se, é estimulada para além dos limites já marcados. Com a sua simples presença, com iniciativas práticas ou com pedidos verbais explícitas, a mulher faz superar limites codificados, amplia os horizontes da missão. Em todo caso, porém, assiste-se a uma colaboração de caráter assimétrico, em que os dois atores oferecem um aporte diferenciado e complementar.
É de se notar, por fim, como nessa cooperação à obra da salvação se dá destaque à condição virginal da mulher. Essa situação, talvez justamente como sinal de pobreza, fragilidade, disponibilidade, parece particularmente adequada para acolher a ação do Espírito, a Palavra que fecunda e, no momento da paixão, o corpo do Salvador.
Ao mesmo tempo, a condição virginal, tendo permitido uma interiorização mais profunda, parece mais capaz de promover uma retomada e uma ampliação da iniciativa da salvação.
Em breve síntese, se, de um lado, a mulher provoca, antecede, acolhe, interioriza, assimila, aprofunda e, portanto, permite um desenvolvimento mais amplo, mais universal da salvação; de outro, o homem leva a cumprimento, com gestos pontuais, práticos, de saneamento, de misericórdia, de anúncio o que foi iniciado.
Como se pode ver, a atividade do homem exige um contraponto feminino de interiorização, de impulso originário e preventivo, de abertura sempre maior, sem o qual a atividade se torna ativismo, o ímpeto do Evangelho desacelera, se enfraquece.
Hoje, como nos inícios, a ação da Igreja, portanto, não pode não ser senão multiforme, com abordagens diversificadas, em um movimento circular de estímulo, de apoio e de conforto recíproco. Nessa perspectiva, a reserva aos homens da ordenação sacerdotal também poderia solicitar a valorizar mais a contribuição específica das mulheres, em outras modalidades de presença e de ação, para impedir uma homologação sua a modelos masculinos e para não privar a Igreja e a humanidade inteira de uma contribuição original e necessária.
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Homens e mulheres para o Evangelho: o prefácio do livro lido por Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU