27 Janeiro 2014
Enquanto os Legionários de Cristo refletem sobre uma nova direção e uma nova constituição em meio ao que, certamente, é uma das mais profundas crises que uma ordem religiosa católica já enfrentou, os sacerdotes que participam em seu Capítulo Geral antecipado em Roma propõem duas mensagens àqueles que não acreditam ser possível uma mudança.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada pelo National Catholic Reporter, 22-01-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Primeiramente, dizem eles, não há garantias; e, em segundo lugar, deem-nos uma chance. Como se fosse necessário, os participantes no Capítulo Geral foram lembrados, na quarta-feira (22-01-2014), de quão difícil poderá ser recuperar a confiança após mais de uma década negando acusações de abusos sexuais e má conduta de seu fundador, o falecido padre mexicano Marcial Maciel Degollado, para só então reconhecê-los em 2009.
Em um artigo publicado quarta-feira pelo National Catholic Reporter, Juan Vaca, um dos primeiros acusadores do Pe. Maciel que afirma ter sido abusado desde os 12 anos de idade, escreveu sobre o Capítulo Geral como uma “operação de controle dos danos”.
“A eleição de novos superiores e a promulgação de uma nova constituição não vão mudar a corrupção internalizada”, afirmou Juan, que atualmente trabalho como professor de psicologia em Nova York.
Questionado sobre o que diria aos críticos, o padre legionário John Bartunek, natural do estado de Cleveland e que agora vive em Roma, disse que eles estão perguntando aos legionários “questões melhores do que às vezes imaginamos”.
Sem rodeios, disse: “Não posso dar garantias”. O que ele pediria é paciência, afirmou.
“Eu diria aos críticos que acho que estamos sendo sinceros ao querer uma mudança. Então, por favor, deem-nos uma chance. Iremos melhorar, mas sejam pacientes”.
Pe. Bartunek e dois outros legionários americanos que participam no Capítulo Geral, iniciado em 08-01-2014, sentaram junto ao site National Catholic Reporter na quarta-feira na seda da ordem religiosa em Roma.
Na segunda-feira, a ordem publicou na internet um comunicado dizendo que o Capítulo Geral havia entrado no processo de eleição para escolher um novo superior, chamado diretor geral, e outros religiosos para comporem seu conselho geral.
Os resultados não são oficiais até que o Papa Francisco assine embaixo.
O ordem tem estado sob intervenção papal desde 2010, quando Bento XVI nomeou um delegado na pessoa do cardeal italiano Velasio De Paolis para conduzir uma operação de limpeza.
Os três legionários que conversaram com o National Catholic Reporter enfatizaram a importância de se encontrar um líder que represente uma ruptura com Maciel.
“Temos homens muito capazes de governar e que não estavam associados com o fundador, e precisamos mostrar isso”, disso o Pe. John Connor, que cresceu no estado de Maryland e agora vive em Nova York.
“Para mim, não associarmos o novo líder com o fundador é uma questão muito importante”, disse Connor.
O Pe. David Daly, natural de St. Louis e que atualmente é o superior de uma comunidade legionária no estado de Atlanta, disse que a mesma convicção é partilhada entre os sacerdotes que participam no capítulo.
“A maioria está ciente de que isso seja uma parte importante de nossa seleção”, afirmou.
Evolução já em curso
Os legionários insistem que a ordem já evoluiu consideravelmente, longe de segredos, controle excessivo e um apetite indecoroso por dinheiro e poder.
Por exemplo, Bartunek falou de uma nova forma de lidar com a autoridade.
“Era muito centralizado, era muito ‘comando e controle’”, disse o religioso.
“Não havia muita participação nas decisões. Os superiores locais tinham apenas uma função de mediação, precisando autorização de seus superiores até mesmo para pequenas decisões; tudo vinha de cima para baixo”.
Hoje, disse Bartunek, as coisas são diferentes.
“Cada superior tem agora o seu conselho, e estes estão realmente funcionando, ao menos de uma forma mais efetiva a como era antes.
“Houve também uma mudança nos superiores, porque estávamos acostumados a ter superiores que ficavam no cargo por anos e anos. Há muito mais consulta do tipo: ‘o que você acha? Como se sente em relação a isso?’”
O padre Bartunek igualmente disse que o clima interno melhorou. “No passado, valorizávamos muito a prática da caridade, porém tínhamos uma compreensão limitada dela”, afirmou.
“Pensávamos que isso significava nunca pensar diferente, mas agora temos muito mais discussão. Culturalmente, estamos aprendendo que podemos amar uns aos outros mesmo discordando”.
Connor disse haver um novo compromisso com a transparência, citando uma carta de 05-12-2013, escrita por algumas autoridades da ordem Legionários de Cristo reconhecendo a validade das acusações de abuso sexual contra um ex-formador de noviços, o Pe. William Izquierdo, e delineando passos que a ordem tomaria para combater o problema.
“Essa foi uma mudança muito significativa na comunicação”, disse o Connor. “Espero que as pessoas reconheçam isso”.
Um novo carisma
Tentar identificar uma missão para a ordem pós-Maciel – no jargão das ordens religiosas: um “carisma” – é um dos primeiros desafios do Capítulo.
Embora expressam a mesma ideia de forma um pouco diferente, todos concordaram que o carisma dos novos legionários estará baseado no ardor missionário.
O Pe. Daly assim falou: “ajudar as pessoas a serem apóstolos ativos na nova evangelização”.
Os religiosos expressam gratidão pelos sinais vindos do Vaticano que quer ver a ordem sobreviver; nesse sentido, citou o fato de que, além do cardeal De Paolis, o Vaticano incumbiu um dos mais respeitados canonistas, o padre jesuíta Gianfranco Ghirlanda, para assessorar os religiosos durante o Capítulo Geral.
Recentemente, o canonista americano Eward Peters conclamou para que os legionários fossem postos fora de serviço, afirmando que a “Igreja Católica tem tradição zero de institutos de perfeição sendo fundados (...) por charlatões predadores”. Bartunek disse que foi consolador ouvir De Paolis e Ghirlanda afirmarem que isso não é bem verdade.
“Está bem claro que nós não somos os únicos”, falou, “porque estes dois disseram já terem lidado com outros casos”.
(Embora Bartunek tenha dito que De Paolis e Ghirlanda não citaram exemplos específicos, um destes que eles poderiam ter em mente diz respeito ao fundador de uma ordem italiana conhecida como os Servas do Coração Imaculado de Maria, o Pe. Gino Burresi, que foi desligado e impedido do ministério público pelo Papa Bento XVI em maio de 2005 enfrentando acusações de abuso sexual de seminaristas. Em retrospecto, pareceu um prenúncio do movimento papal contra Maciel um ano depois, e hoje as servas do citado instituto são ainda uma preocupação constante.)
Os legionários expressaram confiança de que a ordem vai sobreviver. “Se este tipo de desafios não destrói você, ele o fortalece”, disso Connor. “Eu acho que os Legionários de Cristo irão durar por muitos anos, principalmente porque vejo nossos homens mais fortes”, disse. Entre aqueles que permaneceram, há um compromisso e uma paixão que vêm criando uma base muito forte para o futuro”.
No entanto, isso não quer dizer que as lutas internas tiveram um fim.
Por exemplo, Connor disse que o Capítulo Geral está empenhado em aprovar uma política de três anos em que Maciel não mais irá ser referido como “nosso padre”, em que as fotos dele serão removidas dos prédios da ordem e que seus escritos não serão usados em programas de formação.
“Todos compreendemos que ele não pode ser um modelo de vida cristã, religiosa ou de um legionário”, acrescentou.
Entretanto, Bartunek disse haver muitos membros da ordem que não estão prontos para apagar o padre Maciel completamente da memória.
“Muitos padres saciavam sua fome por leitura espiritual com os escritos do fundador. Hoje muitos deles vêm fazendo um belo trabalho e são sacerdotes espiritualmente maduros. E eles perguntam: ‘Como vamos dizer que tudo isso é um lixo?’”
Sem mudanças para a esquerda
Embora os legionários tenham uma reputação de estarem no lado conservador na maioria dos debates católicos, os entrevistados disseram que a maioria está entusiasmada com os novos ventos que sopram sob o papa de Francisco.
Também disseram que a dedicação do atual papa com a simplicidade está tendo certo impacto, incluindo no nível prático como pensar onde irão ser realizados os eventos de forma que eles não sejam tão suntuosos e assim por diante.
“Quando lemos que ele falou sobre o tipo de carro que um padre deveria usar, cada um de nós deu uma conferida em seu automóvel para ver onde nos situávamos”, disse Daly.
Dito isso, os analistas provavelmente não irão esperar uma guinada à esquerda.
“É comum entre nós legionários tentarmos estar em sintonia com a Igreja e olharmos para o magistério atual como um ponto de referência para tal”, acrescentou o padre Daly.
Perguntado sobre os católicos que diriam estar em sintonia com a Igreja nem sempre é a mesma coisa que estar em sintonia com suas autoridades formais, Daly respondeu sucintamente: “Para nós, é. E creio que assim vai continuar”.
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Legionários apelam: “Deem-nos uma chance” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU