Por: André | 23 Janeiro 2014
O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Müller, “é um professor alemão de teologia e na sua mentalidade só há verdadeiro e falso... Mas, meu irmão, o mundo não é assim; tu deverias ser um pouco mais flexível ao ouvir outras vozes. Por enquanto só escutas um grupo de conselheiros”. Este é um fragmento da longa entrevista que o cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga (foto), arcebispo de Tegucigalpa e coordenador do grupo dos oito conselheiros do Papa, concedeu ao jornal alemão Kölner Stadt-Anzeiger.
Fonte: http://bit.ly/1fVKEar |
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 21-01-2014. A tradução é de André Langer.
Na conversa, Maradiaga falou sobre diferentes argumentos. “Estou profundamente convencido – disse – de que estamos no princípio de uma nova era na Igreja, como há 50 anos quando João XXIII abriu a janela para que entrasse ar novo”.
Francisco, explicou, “está perto das pessoas, sem viver em um trono acima delas, mas vivendo entre elas”. A Igreja, acrescentou, “não está nas mãos dos homens, mas é obra de Deus. Estou certo de que em março de 2013 Deus colocou seu dedo, posto que, segundo os critérios humanos, outro cardeal teria sido eleito Papa”.
Ao falar sobre o enfoque de Francisco, do seu convite para evangelizar, Maradiaga disse: “Isto significa mais pastoral que doutrina”. E, ao responder a uma pergunta sobre os sacramentos aos divorciados recasados, esclareceu: “A Igreja deve seguir os mandamentos de Deus” e o que Jesus “diz sobre o matrimônio: o que Deus uniu o homem não separe. Mas há diferentes enfoques para esclarecer isto. Depois do fracasso de um casamento poderíamos, por exemplo, nos perguntar: os esposos estavam verdadeiramente unidos em Deus? Ali ainda há muito espaço para um exame profundo. Mas não estamos indo na direção daquilo que hoje é preto e amanhã será branco”.
Ao falar sobre o próximo Sínodo, o cardeal afirmou: “Perguntei ao Papa porque um novo Sínodo sobre a família”, depois daquele de 1980 e depois da exortação de João Paulo II Familiaris Consortio. “O Papa me respondeu: isso foi há 30 anos; hoje, para a maior parte das pessoas, a família daquela época quase não existe mais. Temos separações, famílias ampliadas, muitas pessoas que criam sozinhas os seus filhos, maternidade de aluguel, casamento sem filhos, sem esquecer as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Em 1980, estas coisas sequer estavam no horizonte”.
“Tudo isto exige respostas para o mundo de hoje – continuou Maradiaga – e não basta dizer: para isto temos a doutrina tradicional. Obviamente, a doutrina tradicional será mantida”, mas há “desafios pastorais” em cada época aos quais não se pode responder com “autoritarismo e moralismo”, porque isto “não é nova evangelização”.
Ao falar especificamente sobre o prefeito Müller (tudo começou com o artigo com que o novo cardeal, em vista da discussão sobre a família, encerrava o caminho para qualquer abertura em relação aos sacramentos aos divorciados recasados), Maradiaga disse: “Penso que entendo este caso. É preciso dizer que ele é alemão; acima de tudo, ele é um professor alemão de teologia. Então, para ele há somente o verdadeiro e o falso. Mas eu digo, meu irmão: o mundo não é assim; deverias ser um pouco mais flexível ao ouvir outras vozes. Isso quer dizer, não só ouvir e, depois, dizer não”. O cardeal hondurenho se disse certo de que Müller “compreenderá também outras posições, embora agora só escute “o grupo dos seus conselheiros”.
Ao falar sobre as reformas, Maradiaga citou a do Sínodo dos Bispos e a da Secretaria do Estado e falou sobre a necessidade de criar uma Congregação para os Leigos, que são “maioria no povo de Deus”. Quanto às resistências internas à reforma, o cardeal explicou: “A cúria não é um bloco monolítico”. O entrevistador perguntou, então, se um Papa de 77 anos tem tempo suficiente para levar adiante a reforma da Igreja. “Creio, sobretudo – respondeu o cardeal –, que estamos em um ponto sem retorno. Por outro lado, o Papa tem uma energia que sempre me surpreende. Antes do Conclave conversávamos e ele me disse: “já apresentei minha renúncia” como bispo de Buenos Aires. “Depois foi escolhido Papa e a partir de então está como que transformado...”.
A partir de uma pergunta sobre o estado de saúde de Bergoglio e os problemas que tem nos pulmões, Maradiaga contou uma anedota do Conclave: “Esta era a propaganda negativa com que alguns do ‘inner circle’ antes do Conclave tratavam de descartá-lo”. Por isso, o cardeal contou que falou sobre a questão com Bergoglio durante um almoço: “Lhe perguntei se era verdade que tinha apenas um pulmão e que estava com a saúde debilitada. Ele começou a rir e disse: ‘tive um quisto na parte superior do pulmão esquerdo, que me tiraram e estou bem’” (o Papa referia-se à cirurgia à qual se submeteu nos anos 1950). “Então – continuou Maradiaga – me levantei e fui de mesa em mesa dizendo: aqueles que dizem que Bergoglio só tem um pulmão estão equivocados...”.
Depois o cardeal falou sobre a “massiva” oposição contra ele e contra o Papa. “Talvez massiva – comentou –, mas não numerosa. A maior parte dos católicos segue o Papa; seus adversários são pessoas que não conhecem a realidade. Por exemplo, há círculos econômicos estadunidenses que demonstram mal humor pelas críticas ao capitalismo” que aparecem na Evangelii Gaudium. “Mas, quem disse que o capitalismo é perfeito? Quem provocou as recentes crises do mercado financeiro? Certamente não foram os pobres, mas a rica América e a rica Europa. Esta crise não é uma invenção da Teologia da Libertação nem uma consequência da opção pelos pobres. Os que não criticam o capitalismo se equivocam. Não é o Papa que se equivoca. Por favor, deixem que o critiquem e que se irritem... eu procuro seguir minha consciência”.
Maradiaga, ao responder sobre a riqueza da Igreja alemã, disse que “ajudar os pobres não significa ser pobre”. O purpurado hondurenho elogiou a Igreja alemã por isto: “Não há uma Igreja local em todo o mundo que ofereça tanta ajuda, nenhuma!”. Ao final, o cardeal falou sobre o bispo de Limburg, Franz-Peter Tebartz-van Elst, acusado de gastos faraônicos (cerca de 30 milhões de euros) para a remodelação da sede da diocese e de sua residência. “Sofro com os católicos alemães pelo problema que há aí... Mas deste caso pode surgir inclusive algo positivo”. E disse esperar que na “gestão eclesiástica se afirme esta consciência: deveríamos mudar uma série de coisas entre nós, não apenas em Limburg”.
Maradiaga disse que acredita que o bispo Tebartz-van Elst não deveria retornar à diocese: “Quem cometeu um erro deveria reconhecê-lo para pedir perdão e buscar outro lugar. Muitos fiéis estão feridos...”. E, em relação ao estilo de vida do Papa Francisco, acrescentou: “É evidente que seu apelo a uma Igreja pobre e seu estilo de vida sempre foram coerentes, tanto quando era jesuíta, como quando era arcebispo e agora que é Papa”. Para concluir, sempre em relação com o bispo de Limburg, Maradiaga destacou: “Às pessoas como o Papa ou como eu, que viemos da América Latina, torna-se difícil compreender. Obviamente, seus padrões de vida são diferentes dos nossos. Mas, apesar disso, muito do que ouvi não era necessário: uma ducha e uma latrina. Com isto basta. De qualquer maneira, é suficiente para a maior parte das pessoas. E é suficiente para o Papa”.
Devemos recordar que há apenas dois dias, em uma entrevista à edição digital do Mittelbayerischen Zeitung, o prefeito da Casa Pontifícia (além de secretário particular de Bento XVI), mons. Georg Gänswein, se disse convencido de que o bispo de Limburg será perdoado: “Creio que a investigação para esclarecer as acusações de esbanjamento de dinheiro, falta de comunicação e ausência de órgãos de controle, será favorável ao bispo”.
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“Deverias ser mais flexível”, pede Maradiaga a Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU