Por: André | 30 Outubro 2013
Foi ele quem introduziu na Argentina, trazida da Alemanha, a devoção a Nossa Senhora Desatadora dos Nós. Preferia a atenção das almas aos estudos. E hoje faz a mesma coisa: deixa para outros a exposição da doutrina. Como no caso da comunhão aos divorciados e em segunda união.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 29-10-2013. A tradução é de André Langer.
Desde que foi eleito Papa, Jorge Mario Bergoglio está constantemente sob o olhar do mundo, que perscruta cada um dos seus gestos e palavras.
Mas sua biografia anterior ainda espera ser tão conhecida como a atual.
O livro de Nello Scavo, “A lista de Bergoglio”, levantou o véu sobre o papel do então jovem jesuíta nos anos de chumbo da ditadura militar.
Mas ainda se sabe pouco sobre os seis anos durante os quais Bergoglio foi superior da província argentina da Companhia de Jesus, entre 1973 e 1979, e dos motivos reais que levaram à sua posterior marginalização, até o exílio na periférica residência dos jesuítas em Córdoba, como simples diretor espiritual.
Foi durante um desses difíceis anos que Bergoglio se mudou para a Alemanha “para terminar a tese de doutorado”, como informa sucintamente sua biografia oficial no sítio do Vaticano.
Era o mês de março de 1986. Bergoglio completaria 50 anos no mês de dezembro daquele mesmo ano. Para a tese de doutorado havia escolhido como tema Romano Guardini, o grande teólogo alemão que foi mestre de dois futuros Papas, Paulo VI e Bento XVI, do qual Bergoglio havia lido e admirado sobretudo dois livros: “O Senhor”, sobre a pessoa de Jesus, e “Der Gegensatz”, publicado em espanhol com o título “Constrasteidad”, crítico da dialética hegeliana e marxista.
Mas, pelo modo como aconteceu a transferência de Bergoglio para a Alemanha, e pela maneira como foi interrompida poucos meses depois, com o abandono da tese de doutorado, pode-se deduzir que Bergoglio realizou a viagem mais por ordem de seus superiores do que por espontânea vontade.
Na entrevista autobiográfica O Jesuíta, Bergoglio conta que na Alemanha, cada vez que via um avião decolar, sonhava em estar a bordo, voltando para a Argentina, tamanho era seu desejo de voltar à sua pátria.
Os arquivos de Romano Guardini estavam em Munique, ao passo que a faculdade de teologia em que Bergoglio defenderia sua tese era a Sankt Georgen, de Frankfurt.
Mas ele não se limitou a ir e vir entre estas duas cidades. De Munique se chegava também rapidamente a Augsburgo.
E foi ali que seu translado alemão mudou totalmente de sinal.
* * *
Em Augsburgo, na igreja dos jesuítas dedicada a São Pedro, há uma venerada imagem mariana: a Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Maria está representada enquanto desata os nós de um laço entregue a ela por um anjo, e que outro anjo recebe dela sem os nós. O significado está claro: os nós são tudo aquilo que complica a vida, as dificuldades, os pecados. E Maria é quem ajuda a desatá-los.
Bergoglio ficou muito impressionado com esta imagem. Quando, alguns meses depois, retornou à Argentina, levou consigo um bom número de cartões postais com a Virgem Desatadora dos Nós.
A tese de doutorado foi abandonada antes de nascer, e o pensamento de Romano Guardini não deixou em Bergoglio marcas duradouras. Na entrevista do Papa Francisco à revista La Civiltà Cattolica, na qual dedica um amplo espaço aos seus autores de referência, não inclui Guardini. Nem o cita em outros escritos e discursos.
Um artista a quem havia dado um dos cartões postais comprados em Augsburgo reproduziu a imagem e a ofereceu a uma paróquia do popular Bairro Agronomia, no centro de Buenos Aires.
Conservada na igreja, a imagem de Maria Desatadora dos Nós atraiu um número crescente de devotos, convertendo pecadores e marcando um inesperado crescimento da prática religiosa. A ponto de ao cabo de poucos anos se consolidar a tradição de uma peregrinação à imagem, com peregrinos vindos de toda Buenos Aires e de locais mais distantes, sempre no dia 08 de cada mês.
“Nunca me senti tão instrumento nas mãos de Deus”, confiou Bergoglio a um jesuíta que foi seu discípulo, o padre Fernando Albistur, hoje professor de ciências bíblicas no Colégio Máximo de San Miguel, em Buenos Aires.
O padre Albistur conta essa passagem em um livro que acaba de ser publicado, obra de Alejandro Bermúdez, com entrevistas de 10 jesuítas e 10 leigos argentinos amigos de longa data de Bergoglio.
E não apenas isso. No mesmo livro, também o padre Juan Carlos Scannone, o mais célebre dos teólogos argentinos, que foi professor do jovem jesuíta Bergoglio, refere o mesmo episódio.
Segundo conta Scannone, o caso da Nossa Senhora Desatadora dos Nós ajuda a entender mais profundamente o perfil “pastoral” do Papa Francisco e sua acentuada atenção ao “povo”.
* * *
Bergoglio nunca foi um teólogo, muito menos um acadêmico. Dentre os teólogos diz que prefere Henri De Lubac e Michel de Certeau. Mas não porque tenha assimilado suas posições em conjunto; entre outras coisas, porque são muito diferentes entre si. De De Lubac cita quase sempre o mesmo ensaio: “Meditações sobre a Igreja”, e deste quase sempre uma passagem: aquele que fala sobre a “mundanidade” da Igreja.
Portanto, também como papa é, sobretudo, um homem de ação, de ação pastoral. Quem o conheceu de perto e é amigo seu há mais tempo – como os 20 entrevistados no livro de Alejandro Bermúdez – vê nele excepcionais qualidades de comando e uma notável habilidade de cálculo. Cada um dos seus gestos, cada uma das suas palavras, tem uma razão de ser; não são nunca obras do acaso. E sua prioridade é a atenção pastoral do “povo” que lhe foi confiado, que desde que é Papa inclui todo o mundo.
Sua pregação se ajusta, com conhecimento de causa, a este perfil e se dirige principalmente às pessoas comuns, aos fracos na fé, aos pecadores, aos afastados, mas não em seu conjunto, mas um a um, como se o Papa quisesse falar tu a tu com cada um deles.
Do mesmo modo que Jesus no Evangelho é muito exigente com os mandamentos, mas se dirige a cada pecador individualmente com misericórdia. É dessa maneira que o Papa Francisco quer agir.
Sobre as questões debatidas, sobre o nascimento, a morte, a concepção, é de uma ortodoxia doutrinal indiscutível: “Já sabemos a opinião da Igreja e eu sou filho da Igreja”, disse, de forma taxativa, na entrevista à La Civiltà Cattolica.
Mas a exposição doutrinal deixou para outros, reservando para si o estilo misericordioso do cuidado das almas.
O exemplo mais claro desta ação conjunta vimos há poucos dias, quando, sobre a questão debatida da comunhão aos católicos divorciados e em segunda união, o Papa Francisco fez o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, intervir, o qual, em um amplo documento, confirmou em tudo e por todas as razões o “não” à comunhão.
O arcebispo Müller é um dos poucos chefes de cúria que Francisco confirmou em sua função. Portanto, um homem de sua plena confiança, em quem não duvidou em confiar também a tarefa – no mesmo documento – de dissipar os equívocos interpretativos nascidos por conta de algumas formulações sobre “misericórdia” e “consciência” usadas pelo próprio Papa em suas conversas públicas.
A inauguração deste duplo registro comunicativo – neste caso do Papa e de seu custódio da doutrina – passou praticamente despercebido aos meios de comunicação, deslumbrados ainda com as supostas “aberturas” do primeiro. Mas é previsível que acontecerá outras vezes e sobre outros temas.
E permitirá, talvez, desfazer um nó interpretativo do atual pontificado: o da aparente separação do Papa Bergoglio de seus predecessores ao enfrentar o chamado “desafio antropológico”.
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Os nós do pastor Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU