25 Outubro 2013
Uma cerca metálica bem proporcionada permite aproximar-se do pátio da sede episcopal de Limburgo, mas um grupo de curiosos lamentava que nem nas pontas dos pés se pudesse avistar "a banheira de 15 mil euros" que o bispo mandou instalar na milionária reforma de sua residência.
A reportagem é de Juan Gómez, publicada no jornal El País e reproduzida no Portal Uol, 23-10-2013.
Depois dos risos, Klaus Weisbrod e Erich Keller explicam sob a chuva fina a gravidade de suas brincadeiras: ambos reitores de escolas superiores estatais, são católicos da diocese de Limburgo, e ambos estiveram "pensando seriamente em renegar a fé" por causa do escândalo que pôs o bispo Franz-Peter Tebartz-van Elst na zombaria pública e no ponto de mira da promotoria.
Fechado a cal e pedra, o elegante produto de três anos de dispendiosas obras encomendadas por Tebartz-van Elst atrai olhares e sarcasmos, à espera de que o papa Francisco resolva o destino de um prelado que põe sob suspeita a "igreja pobre para os pobres" à qual diz aspirar o pontífice, conduzida por "pastores com cheiro de ovelhas no meio de seu rebanho".
Mais que ovelhas, Tebartz-van Elst criava valiosas carpas japonesas nos tanques de sua casa. Para o cheiro, tem a banheira de 15 mil euros na área privada do recinto, situado em frente à catedral de Limburgo sobre o morro que coroa a cidade medieval. O bispo disse no início que a obra custaria 2,5 milhões de euros; há duas semanas admitiu que serão mais de 30 milhões, mas acredita-se que vá ultrapassar os 40 milhões.
Além do desperdício, pesa sobre o prelado a acusação de mentir para a igreja e os fiéis em várias ocasiões. Em duas delas, também para o juiz. Acusou jornalistas de difamá-lo e negou sob juramento ter admitido um voo à Índia em classe executiva. A promotoria de Hamburgo apresentou acusações por perjúrio, porque há uma gravação onde o reconhece. O prelado que quis deixar uma marca indelével na arquitetura de Limburgo está prestes a se transformar no primeiro bispo com uma pena criminal na Alemanha.
Os fiéis lamentam. Depois de deixar sua mãe octogenária rezando o rosário na igreja de Sant'ana, na quinta-feira, Annette Bausch lamentava que "ninguém deixe de dar pontapés no bispo, que já é um homem caído". A católica praticante de 44 anos explica que esteve "entre os defensores acirrados" do prelado, em quem confiou até muito pouco tempo atrás. Perguntada se deseja que ele retorne ao cargo, Bausch se pergunta por sua vez "como vamos celebrar o Natal com ele". Enquanto isso, Tebartz-van Elst está desaparecido há uma semana, ao que parece refugiado em Roma à espera da decisão papal sobre seu destino.
No registro da cidade, o funcionário Rüdiger Eschhofen, que tramita as apostasias, anota em um caderno o número de católicos que vem atendendo há duas semanas: "Nunca vi nada igual", explicava na sexta-feira. Na véspera, 34 moradores de Limburgo renunciaram à fé católica –e, com isso, a contribuir com 9% de seu Imposto de Renda para que a igreja alemã seja uma das mais ricas do mundo, com um patrimônio de 400 bilhões de euros e receitas aproximadas de 5,2 bilhões em impostos em 2012.
Os telhados de cerâmica que arrematam as fachadas convexas com estrutura de madeira dão ao centro antigo ares românticos. Acima, em uma espécie de réplica da fortaleza escura que domina Limburgo e o rio Lahn atrás da catedral, desponta a capela privada de Tebartz-van Elst em meio a seu complexo residencial. Apresenta os telhados de duas águas sem romper o perfil da cidade. Dieter Bartetzko, crítico de arquitetura do jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung", acredita que o conjunto "é de uma qualidade destacável", próxima à de outras obras que misturam estruturas atuais com componentes arruinados como o Museu Kolumba de Colônia.
Tebartz-van Elst começou com o pé errado em Limburgo. Quando foi nomeado, em 2008, era o bispo mais jovem da Alemanha, mas seus costumes se chocaram com os de seu antecessor, Franz Kamphaus, que vivia em um pequeno apartamento no seminário local, usava uma cruz de madeira como os franciscanos e costumava dirigir o próprio carro. A grande cortesia de Tebartz-van Elst parece distante e quase afetada. Controla seus próprios gestos e sua presença física, marcada por um rosto quase imberbe que o faz aparentar menos que seus 53 anos. Tende ao boato e sua participação em atos litúrgicos é mais temida que desejada, porque complica os preparativos.
É conservador no plano político e no teológico. Destacou-se como crítico do então presidente federal democrata-cristão católico Christian Wulff, quando este disse em 2010 que "o islã faz parte da Alemanha". Como Wulff, acusado de corrupção há dois anos, o escândalo de sua casa fez de Tebartz-van Elst pasto de críticas impiedosas. Mas sua lista de polêmicas locais começou antes. O teólogo Patrick Dehm, que há alguns meses perdeu seu trabalho à frente de uma instituição católica de Frankfurt depois de criticar o bispo, explica em sua casa de Limburgo que o prelado "não tem capacidade de discussão". Comportou-se como um "príncipe absolutista", diz.
O porta-voz episcopal Martin Wind denuncia "ataques muito duros" e "rumores grotescos" contra seu chefe. Vestindo terno cinza e gravata com alfinete, Wind descreve diante de um café com leite a "hostilidade" da mídia. Alguns sugerem uma luta de poder após a abdicação de Bento XVI. Tebartz-van Elst está em seu âmbito ideológico, mas Dehm aponta que o bispo "deixou a esquerda e os conservadores da igreja local".
O bispo quase não encontrou defensores além dos que pedem compaixão cristã ou reclamam, como o caminhoneiro Peter Schleyer, "que termine toda essa história". A questão é quem conhecia os gastos de Limburgo. O bispo pôde se subtrair dos controles do Vaticano para esbanjar o tesouro episcopal de cerca de 100 milhões de euros? Parece improvável. Cometeu irregularidades para obter liquidez? Muitos em Limburgo acreditam que sim. Uma comissão da igreja começou na sexta-feira as investigações internas, enquanto os promotores estudam se a lei foi desrespeitada.
A última palavra será do papa Francisco, de quem milhões de católicos querem saber se sua exortação à pobreza eclesiástica trará outras novidades além de sapatos de sola de borracha e papamóveis "populares".
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O bispo que pôs o papa à prova - Instituto Humanitas Unisinos - IHU