02 Outubro 2013
Disse o papa: "Procuremos mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que seja capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente". Isso não é um lugar-comum; essa é a sua estratégia.
A opinião é de Chris Lowney, autor de Pope Francisco: Why He Leads the Way He Leads (Loyola Press), ex-diretor da J.P. Morgan & Co. e atual presidente do conselho da Catholic Health Initiatives, um dos maiores sistemas de cuidados de saúde e hospitalares dos Estados Unidos.
O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 27-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Eu acredito que o Papa Francisco está tentando inflamar uma massiva mudança de cultura dentro da Igreja Católica. E eu vejo as impressões espirituais de Santo Inácio de Loyola por toda a espiritualidade e o estilo de liderança do papa.
"Quem é Jorge Mario Bergoglio?", perguntou o padre jesuíta Antonio Spadaro ao papa durante as suas já famosas entrevistas de agosto. Enquanto a maioria dos políticos ou celebridades teria dado uma resposta autopromocional a essa pergunta simples, aqui está o que o papa disse: "Eu sou um pecador". Ele estava tomando uma página dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, que inclui algumas meditações contundentes sobre o pecado pessoal: "Olhar para mim mesmo como uma chaga e abscesso de onde saíram tantos pecados".
Mas não há nenhum "desalento" na espiritualidade de Francisco e inaciana; ela é franca e direta sobre a condição humana. E mesmo que os pós-modernos aqui da cosmopolita Nova York possam rejeitar a "conversa católica sobre o pecado", todos podem ressoar juntos com a visão do papa de uma Igreja "hospital de campanha" que foca em primeiro lugar a cura. Somos todos profundamente imperfeitos, inclusive os papas, mas inerentemente dignificados e incondicionalmente amados por Deus, apesar de tudo.
Esse tem sido um refrão ao longo de toda a vida de Bergoglio. Enquanto eu escrevia Pope Francis: Why He Leads the Way He Leads, eu me comunicava com vários jesuítas que foram formados com ele quando ele era reitor de um grande seminário jesuíta. O padre jesuíta Hernán Paredes me disse: "Era importante para Bergoglio que nos amássemos como nós somos". Paredes compartilhou uma curiosa anedota sobre um colega equatoriano que, um dia, orgulhosamente, vestiu uma jaqueta tradicional, com imagens de lhamas tecidas por toda parte. Um seminarista argentino impiedosamente ridicularizou a roupa do rapaz como se ele fosse um caipira recém-chegado à cidade grande.
Então, Bergoglio convidou o argentino a vestir a jaqueta por um dia como uma meditação ambulante para toda a comunidade: cada pessoa é fundamentalmente dignificada, digna de respeito como um direito inato; o amor constante de Deus não é contingente ao que os outros pensam de nós, do nosso status ou da nossa pecaminosidade. Essa mensagem-chave do catolicismo e dos Exercícios Espirituais de Inácio é fundamental para a visão de Francisco sobre a Igreja. Nas entrevistas, ele falou sobre uma Igreja que "é a casa de todos, não uma pequena capela que só pode conter um grupinho de pessoas selecionadas".
Quando ele visita os refugiados em Lampedusa, abraça as pessoas com deficiência na Praça do Vaticano, diz que quer uma Igreja que seja "para os pobres" ou nos encoraja a espalhar a palavra da misericórdia de Deus, ele está dizendo implicitamente que a nossa capela ainda é muito pequena. Nós ainda não fizemos dela uma casa para todos, e fixar isso é o trabalho de todos os católicos, porque, na visão de mundo inaciana do papa, nós não somos apenas pecadores amados, cada um de nós é pessoalmente chamado de pecador, chamado a trabalhar ao lado de Jesus e a espalhar a boa notícia de Jesus. Isso leva a um segundo poderoso tema inaciano nas entrevistas de Spadaro: o espírito de fronteira.
Francisco disse que inicialmente foi atraído pelos jesuítas por três razões, sendo uma delas o seu "espírito missionário". Inácio de Loyola exortou os jesuítas a viverem "com um pé levantado", sempre prontos para aproveitar a próxima oportunidade. Ele também instituiu um quarto voto especial de obediência para muitos jesuítas plenamente formados: estar sempre disponíveis para serem enviados em missão pelo papa.
Essa mentalidade desencadeou uma extraordinária energia centrífuga entre as primeiras gerações jesuítas, que, renomadamente, procuraram as fronteiras do mundo então conhecido pelos europeus. A própria pátria argentina do papa, por exemplo, ainda está repleta de ruínas de assentamentos notavelmente inovadores – as chamadas reduções do Paraguai – dos quais os jesuítas foram pioneiros ao lado dos índios.
Mas Francisco está nos convidando a compreender a "fronteira" de uma forma muito mais abrangente. As fronteiras do catolicismo do século XXI têm menos a ver com geografia e mais com aqueles que não veem muito valor na religião organizada ou que foram esquecidos ou excluídos. O papa disse ao seu entrevistador que ele admira o "diálogo com todos (...) mesmo com os adversários" de um dos primeiros padres jesuítas, Pedro Fabro. E, disse o papa, "procuremos mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que seja capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente".
Isso não é um lugar-comum; essa é a sua estratégia. Outro jesuíta entrevistado para o meu projeto do livro disse que o Pe. Bergoglio foi convidado uma vez a assumir a responsabilidade por uma nova paróquia em uma comunidade pobre e destacou alguns voluntários seminaristas para ajudá-lo. A fazer o quê? Bem, a caminhar pelo bairro. Encontrar todos, não apenas os fiéis. Procurar os mais pobres e ver o que poderia ser feito para ajudá-los. Quando os seminaristas voltaram dessas visitas, Bergoglio costumava verificar quais sapatos estavam empoeirados – quem estava mostrando o espírito de fronteira para se encontrar com as pessoas onde elas realmente vivem.
Depois que a equipe descobriu o quão pobres eram os seus vizinhos, um jesuíta lembra que Bergoglio disse algo como: "Nós não podemos simplesmente sentar aqui com os nossos braços cruzados enquanto temos tudo, e essas pessoas nem sequer têm comida suficiente para comer". Então eles se puseram em ação, colocando uma panela grande em um campo para lançar uma primitiva cozinha comunitária.
Esse estilo incansavelmente enérgico, expansivo, inovador é fundamental para o "espírito de fronteira" que Francisco quer incutir. Em sua homilia no dia seguinte à sua eleição, ele disse: "A nossa vida é um caminho e, quando nos detemos, algo está errado". A fronteira é agora o nosso próprio bairro, e não está a meio mundo de distância. Veremos isso claramente ao abraçar o grande mantra da espiritualidade inaciana referenciada pelo papa: encontrar Deus em todas as coisas. Isso significa encontrar Deus presente não só na nossa refeição eucarística, mas ao assistir esses "hospitais de campanha" que irão curar o sofrimento, a alienação, a desesperança ou a pobreza dos nossos vizinhos.
No início deste ensaio, eu afirmei que Francisco está tentando inflamar uma massiva mudança de cultura dentro da nossa Igreja. Massiva mudança de cultura? Hipérbole? Bem, considere um punhado de palavras e frases extraídas dos comentários das entrevistas do papa sobre a Igreja, os jesuítas ou a vida católica: "viver na fronteira e ser audazes", "estar à procura, a ser criativo, generoso", "encontrar novos caminhos", "diálogo com todos (...) mesmo com os adversários".
Infelizmente, poucos observadores objetivos associariam plenamente essas características com a nossa Igreja hoje. Francisco está pedindo que todos nós ajudemos a liderar a mudança de cultura que vai fazer com que essas características se tornem mais plenamente vivas. Sim, todos nós ajudando a liderar. Afinal, ele disse que os bispos "devem ser capazes de acompanhar o rebanho que tem o faro para encontrar novos caminhos". Empoeiremos os nossos sapatos e comecemos a encontrar novos caminhos.
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Francisco nos desafia a ir por caminhos empoeirados rumo a novas fronteiras. Artigo de Chris Lowney - Instituto Humanitas Unisinos - IHU