15 Agosto 2013
Algumas dezenas de minutos depois de seu parto por cesárea, Salam já precisava responder às inúmeras solicitações da televisão estatal palestina. Isso porque essa gravidez, longe de ser uma iniciativa exclusivamente privada, foi um ato público de resistência: "Nós estamos desafiando a ocupação israelense", afirma Salam Nazzal, depois de vestir com dificuldades um hijab preto. "Esse nascimento levará ao meu marido um pouco de liberdade na prisão. Ele sonhava em ter um filho." Salam pôde escolher in vitro o sexo de seu futuro bebê --um menino--, uma prática proibida na França, mas autorizada na Palestina.
A reportagem foi publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 14-08-2013.
Ela teve seu parto transmitido ao vivo pela televisão. Ou quase. No sábado (10), Salam Nazzal deu à luz um menino em uma clínica particular de Nablus. Mas essa mulher de 30 anos, originária de Kalkiliya, ao norte da Cisjordânia, não é uma mãe como as outras: ela acaba de colocar no mundo o terceiro "bebê clandestino" da Palestina --o primeiro nasceu em agosto de 2012--, concebido por inseminação artificial e de significado muito político.
Todas essas crianças têm em comum o fato de terem um pai preso em Israel, cujo esperma foi retirado de forma clandestina da prisão. O pai do último bebê, chamado de Charif, é Ali Nazzal, um membro ativo do Hamas na Cisjordânia, detido em Israel desde 2002.
Cerca de vinte mulheres estariam grávidas atualmente graças a amostras de seus maridos detidos em Israel. Todas são pacientes do Dr. Salem Abou Khaizaran, o pai dos primeiros "bebês de proveta" da Palestina, nascidos em 1996.
Entre elas está a esposa de Osama al-Silawi, 55, um dos 104 palestinos do período pré-Oslo (1993) que deverão ser libertados, paralelamente à retomada das negociações entre israelenses e palestinos: "Sua mulher deve dar à luz daqui a algumas semanas. Um verdadeiro milagre. A filha mais velha deles está entrando na universidade. Ela só tinha alguns meses quando seu pai foi preso", diz o médico, contente.
Alçado ao status de novo herói da causa nacional, Salem Abou Khaizaran afirma trabalhar para reparar uma cruel injustiça: "Os detentos palestinos não têm direito a visitas conjugais na prisão. Por que isso é proibido aos palestinos, enquanto o prisioneiro Yigal Amir [o assassino israelense do presidente Itzhak Rabin, em 1995] pôde se casar e até mesmo ter um filho?"
Salem Abou Khaizaran por muito tempo viu passar pelo seu consultório muitas esposas de prisioneiros condenados a longas penas, buscando desesperadamente reverter o curso dos ponteiros de seu relógio biológico: "Uma de minhas pacientes esperou por seu esposo, que estava preso, durante 26 anos. Mas, quando ele foi libertado, em outubro de 2011, com o acordo Shalit, ela não podia mais ter filhos. Então seu marido arrumou uma segunda esposa."
Essa história triste convenceu definitivamente o médico a lançar um programa de fecundação in vitro especialmente destinado às mulheres de prisioneiros detidos em Israel e aprovado em abril por uma fatwa das mais altas autoridades religiosas de Ramallah.
Existe ainda a dúvida sobre os métodos de saída clandestina das preciosas amostras para além das grades israelenses. De fato nenhum contato direto com os prisioneiros é autorizado durante as visitas de familiares nas prisões israelenses; cada pessoa é cuidadosamente revistada na entrada e na saída.
Esse é um dos segredos mais bem guardados da Palestina, uma vez que as amostras de esperma têm, ao ar livre, uma duração de vida extremamente limitada --24 horas no máximo: "Há muitas perdas", admite o Dr. Khaizaran, que menciona a grande "criatividade" das famílias para aumentar o número de tentativas. Algumas amostras seriam escondidas em balas ou sacos de sal.
Mas, independentemente dos cenários de evasão --quase 65 amostras estariam sendo conservadas atualmente nas clínicas do Dr. Khaizaran--, "é quase impossível operar tal tráfico sem cúmplices do lado de dentro, provavelmente carcereiros muito bem pagos pelas famílias e pelas facções palestinas. A prisão é também um lugar de negócios", analisa um jornalista palestino.
Já a administração penitenciária israelense evidentemente nega tal afirmação. A porta-voz Sivan Weizman considera essas gestações "miraculosas demais" para serem verossímeis. Em resposta às dúvidas israelenses sobre essas "paternidades suspeitas", um prisioneiro palestino originário de Jerusalém Oriental mandou levar uma mecha de cabelos para sua esposa grávida de oito meses. A ideia seria provar para as autoridades israelenses de Jerusalém, através do DNA, que seu "filho clandestino" por nascer era dele mesmo.
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Bebês "clandestinos" de prisioneiros palestinos são prova pública de resistência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU