05 Mai 2012
Os mais novos heróis da causa palestina não são homens jovens corpulentos atirando pedras ou empunhando armas automáticas. Eles são adultos magros, com os pulsos acorrentados, passando fome dentro das prisões israelenses.
A cada dia desde 17 de abril, um grande número de prisioneiros palestinos tem se juntado a uma greve de fome que as autoridades dizem agora contar com mais de 1.500 participantes. E na quinta-feira (4), o ministro dos detidos da Autoridade Palestina disse que se Israel não atender suas exigências para melhora das condições nas prisões, os 3.200 restantes se juntariam a eles.
A reportagem é de Jodi Rudoren e publicada no The New York Times e reproduzida pelo Portal Uol, 04-05-2012.
Os dois prisioneiros em greve de fome há mais tempo, sem comer há 66 dias, apareceram em cadeiras de rodas perante a Suprema Corte de Israel na manhã de quinta-feira (3), implorando por sua soltura do que é conhecido aqui como detenção administrativa - prisão sem acusações formais. Um deles, Bilal Diab, 27 anos, desmaiou durante a audiência.
“Eu sou um homem que ama a vida e quero viver com dignidade”, depôs o outro homem, Thaer Halahleh, 33 anos, segundo um grupo de defesa que contava com um apoiador no tribunal. “Nenhum ser humano pode aceitar permanecer na prisão, nem mesmo por uma hora, sem uma acusação ou motivo.”
À medida que cresce a greve de fome, os nomes e rostos dos prisioneiros passaram a ser colados em tendas de protesto em aldeias por toda a Cisjordânia. Com o processo de paz estagnado e a política interna palestina à deriva, muitos analistas daqui veem a resistência não violenta como uma tática chave para o movimento nacional palestino, e a greve de fome como um catalisador potencial para provocar um levante, ao estilo da Primavera Árabe, na Cisjordânia.
Apesar das revoluções por toda a região terem ajudado a aumentar o apoio à causa palestina, elas também minaram as lideranças com as quais ela sempre contou, e até agora as ruas daqui têm permanecido quietas.
Os prisioneiros exercem um papel emocional e político crucial na cultura palestina. Virtualmente toda família já foi tocada pelo encarceramento, dizem os especialistas, e há um senso visceral de fidelidade às pessoas vistas como sofrendo pelos direitos da comunidade maior. Os prisioneiros são altamente organizados e influentes até mesmo do lado de fora.
Na quinta-feira (3) em Ramallah, 300 mulheres marcharam até a Praça Al Manara, cantando: “Sim para a greve de fome, não para a submissão” e “Abaixo o ramo de oliva, vida longa ao rifle”. No final da tarde, centenas de manifestantes carregando bandeiras palestinas se reuniram do lado de fora do Presídio de Ramle, onde muitas das greves de fome estão acontecendo, perto do Aeroporto Internacional Ben-Gurion em Israel, e ocorreram confrontos entre a polícia e os manifestantes. Várias pessoas foram presas.
“Há uma verdadeira transformação na forma como os prisioneiros estão atuando - desta vez, as pessoas estão dispostas a morrer”, disse Hanan Ashrawi, membro do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina, em uma recente entrevista. “Veja, os palestinos podem estar quietos por ora, mas eles podem explodir. Há uma crescente percepção de que uma resistência não violenta obtém resultados.”
Nesta semana, Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, prometeu levar a causa dos prisioneiros à Organização das Nações Unidas. Khader Habib, o líder da Jihad Islâmica, alertou que “o martírio de Bilal Diab, Thaer Halahleh ou de qualquer outro prisioneiro colocará um fim à calma, e a ocupação será considerada responsável pelas consequências”.
Mas até o momento, as manifestações de solidariedade têm sido pequenas. Aproximadamente 30 pessoas se reuniram na terça-feira (1) no posto de controle de Beituniya, do lado externo do Presídio de Ofer, cantando por 15 minutos antes de se dispersarem em duas horas de confrontos com soldados israelenses e policiais de fronteira que deixaram vários feridos.
“É óbvio que as pessoas não se importam”, disse Rizek Fadayel, que estava no centro de Ramallah na terça-feira (1), segurando uma bandeira palestina e uma foto emoldurada de seu filho em greve de fome, Rami, enquanto uma banda se apresentava no Dia do Trabalho.
“Se a sua mão está no fogo, não é igual a sua mão estar na água”, disse Fadayel, 65 anos, para explicar a diferença entre aqueles diretamente ligados aos prisioneiros e aqueles que não são. “Eu quero amplificar a voz deles e atingir suas metas. Se a situação prosseguir, nós caminharemos para uma terceira intifada.”
Greve de fome por prisioneiros palestinos não é uma tática nova. Segundo o Projeto de Solidariedade Palestina, a tática foi usada pela primeira vez na prisão de Nablus, em 1968, e foi repetida pelo menos 15 vezes desde então, com três homens morrendo ao longo dos anos. Qadura Fares, o chefe do Clube dos Prisioneiros Palestinos, disse que em 2004 virtualmente todos os palestinos mantidos em prisões israelenses participaram de uma greve de duas semanas, e que o maior número já registrado foi 11 mil prisioneiros em 1992.
Mas as redes sociais soaram o alerta desta vez, primeiro sobre Khader Adnan, um membro da Jihad Islâmica que foi solto no mês passado da detenção administrativa, após um jejum de 66 dias que o deixou em estado grave. A atenção então se voltou para Hana Shalabi, uma prisioneira deportada para Gaza após uma greve de fome de 43 dias, e agora se concentra em Halahleh e Diab, que também são membros da Jihad Islâmica, uma facção palestina radical e militante.
No tribunal na quinta-feira (3), após o desmaio de Diab e o depoimento de Halahleh, o juiz fez uma pausa para revisar os arquivos secretos a respeito deles, depois retornou sem proferir uma decisão, prometendo fazê-lo em breve, segundo pessoas que estavam presentes no tribunal.
Fares, do Clube dos Prisioneiros Palestinos, disse que a meta da greve atual era remover algumas das restrições que foram impostas aos prisioneiros antes da libertação de um soldado israelense que foi feito prisioneiro, Gilad Schalit, incluindo isolamento, limitação das visitas familiares e acesso negado a aulas de ensino superior. Sivan Weizman, uma porta-voz do Serviço Prisional Israelense, disse que uma equipe está trabalhando para tratar dos pedidos e se encontrará novamente com os líderes dos prisioneiros em poucos dias.
Na maioria dos dias desde que Halahleh parou de comer, seus parentes, vizinhos e amigos têm mantido vigília na casa dele aqui, em uma parte remota das colinas de Hebron das 9h às 23h, muitos deles também sem comer em solidariedade.
Os homens ficam sentados em cadeiras de plástico do lado de fora, transbordando de uma tenda improvisada de pano de juta preto e estrutura verde de madeira, tendo no topo bandeiras da Jihad Islâmica e uma faixa com o retrato de Halahleh e uma foto de um pulso acorrentado. No interior da casa de pedra branca- onde os familiares dizem que o filho foi preso à 1h30 da manhã de 27 de junho de 2010 por soldados que vieram com cães - as mulheres lotavam as almofadas no chão, com suas cabeças cobertas pelos hijabs e com seus pés descalços por cobertores, orando, conversando e suplicando à televisão no canto por alguma notícia.
“Eu estou sentada com as mulheres, mas não estou aqui - meu coração e sentimento está com ele”, disse a mãe de Thaer Halahleh, Fatmeh, 58 anos, em uma entrevista na noite de terça-feira (1). “Sessenta e cinco dias. Após duas horas, nós já sentimos vontade de comer. E em 65 dias? Nós contamos os segundos.”
“Eu tenho muito medo, mas também tenho muito orgulho”, ela acrescentou. “Quem dera toda mulher palestina tivesse um Thaer.”
Shireen Halahleh, 29 anos, uma professora de física da Jordânia, disse que se casou com Thaer Halahleh em julho de 2009 e que ele logo abandonou a atividade política. Ele foi preso duas semanas antes do nascimento da filha deles de 22 meses, Lamar, que viu seu pai apenas seis vezes e que vai para a cama toda noite com a foto dele.
“Ele é um homem forte; se tomou a decisão, ele o fará”, disse Shireen Halahleh.
“Ele não representa ele mesmo”, ela acrescentou. “Ele representa todo o povo palestino.”
Trabalhadores internacionais de ajuda humanitária e defensores da paz israelenses estão entre aqueles que fizeram peregrinação à tenda nos últimos dias, disseram parentes. Na noite de terça-feira (1), o pai de Thaer Halahleh, Aziz Mahmoud Halahleh, manuseava um cordão de contas de plástico amarelas e laranja enquanto contava os detalhes que ficou sabendo em Ramallah.
“Esta é a última arma”, disse Aziz sobre a greve. “Se algum prisioneiro perder a vida, nem Israel e nem a Autoridade Palestina conseguirão deter o povo palestino.”
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Resistência palestina se volta para greves de fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU