Por: Jonas | 09 Agosto 2013
“Fartamente, sabemos que há bispos exemplares e até heroicos, entretanto, também sabemos que já são muitos os bispos que são homens medíocres, grises, carreiristas, às vezes até camaleões, por mais que, como disse o cardeal Tarancón, alguns tenham torcicolos de tanto olhar para Roma, quando deveriam seguir pela vida com o olhar fixo na dor de seu povo”, afirma José María Castillo, em artigo publicado em seu blog Teología Sin Censura, 06-08-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/fJBpXa |
Eis o artigo.
Nestes dias, em que tanto se fala nos ambientes eclesiásticos espanhóis sobre a aposentadoria ou a interrupção de alguns bispos e da conseguinte nomeação de outros, não seria ruim trazer à memória alguns dados, que nos recordem como eram feitas estas mudanças na Igreja antiga. Refiro-me à Igreja dos séculos III ao V, tempo em que com segurança se praticava o princípio que irei explicar. Contudo, como em seguida direi, este critério foi praticado até o século XI.
Naqueles tempos, os critérios sobre o exercício do poder político e a força do direito romano ainda não tinham invadido, tanto como agora, a vida e os costumes da Igreja. Por isso, então, eram ditas e feitas coisas, nos ambientes eclesiásticos, que agora nos chamam a atenção, surpreendem-nos ou até mesmo nos escandalizam. É preciso se perguntar: será que para aquelas pessoas a memória de Jesus e os relatos do Evangelho não tinham mais importância, na vida diária dos cristãos, do que para nós, agora?
Os dados históricos são suficientemente conhecidos. Desde os primeiros anos do século III, a Tradição Apostólica de Hipólito estabelece: “Que se ordene como bispo aquele que foi eleito pelo povo, que é irrepreensível..., com o consentimento de todos”. No ano 250, na perseguição de Décio, existiram três bispos espanhóis, de León, Astorga e Mérida, que não confessaram devidamente sua fé e deram mau exemplo para seus fiéis. Diante de tal escândalo, as comunidades dessas três dioceses se reuniram e se sentiram no direito de expulsar de suas sedes aqueles bispos indignos. Porém, um dos bispos depostos, Basílides, recorreu ao papa Estêvão, que o recolocou em seu cargo. A reação da comunidade foi recorrer ao bispo de Cartago, Cipriano, homem de eminente prestígio no Ocidente. Cipriano convocou um concílio do qual participaram 37 bispos. A decisão deste concílio ficou compilada na carta 67 de Cipriano. Nela se afirmam três coisas fundamentais: 1) O povo tem poder, por direito divino, para escolher seus ministros (Epist. 67, 4: CSEL 738, 3-5). 2) O povo também tem poder para tirar os ministros quando são indignos (Epist. 67, 3: CSEL 737-738, 20-22). 3) O recurso a Roma não deve mudar a situação, quando esse recurso não se baseia em um relatório que corresponde à verdade (Epist. 67, 5: CSEL 739. 18-24). Assim, no século III, havia o convencimento de que a Igreja não era uma instituição centrada no poder daqueles que mandam, mas no direito da comunidade. No século V, o papa Leão Magno soube formular perfeitamente o critério determinante: “Aquele que deve ser colocado na cabeça de todos, deve ser eleito por todos” (Epist. X, 6. PL 54, 634 A). Um critério tão firme e tão assumido, que no século XI o Direito de Graciano resume o que foi a disciplina eclesiástica dos séculos anteriores, numa fórmula lapidar que havia sido redigida, no século V, pelo papa Celestino I: Nulus invitis detur episcopus. Cleri, plebis et ordinis consensus ac desiderium requiratur (“Não se estabeleça nenhum bispo aos que não o aceitam. Requer-se o consentimento do clero, do povo e dos ordenados”) (Epist. IV, 5: PL 50, 434 B. Decretum c. 13, D. LXI. Friedberg 231).
Digo que necessitamos de outros bispos porque aqueles que temos agora foram designados mediante consultas secretas, administradas pelo Núncio Papal de cada país, perguntando não se sabe para quem e não se sabe o quê. Uma gestão tão secreta que se ameaça com excomunhão aquele que revelar o conteúdo da consulta. Desta maneira, anula-se toda possível participação do povo crente na vida e no governo da Igreja. Cada bispo sabe muito bem que seu futuro não depende da aceitação de seus fiéis, mas da submissão ao Vaticano. O que significa o mesmo que afirmar que a Igreja funciona como convém à Cúria Vaticana e não como os cidadãos necessitam, principalmente aqueles que possuem crenças religiosas.
Quando se trata de nomear um bispo, não seria o mais lógico perguntar aos cristãos da diocese que modelo de bispo eles sentem falta e quais pessoas seriam as mais adequadas para desempenhar esse cargo e a responsabilidade evangélica que isso exige? Fazer tal pergunta, não prejudica a autoridade do papa, nem deteriora a Igreja em nada. Foi assim que a Igreja viveu durante séculos. E aquela Igreja cresceu e foi ganhando autoridade e credibilidade. Justamente em tempos em que existiam imperadores e monarcas absolutos. Agora, no entanto, quando essa figura de governante já não é aceita por ninguém, nós nos empenhamos em mantê-la, embora frequentemente sejam eleitos para bispos homens que manifestamente não servem para o cargo que ocupam? Fartamente, sabemos que há bispos exemplares e até heroicos, entretanto, também sabemos que já são muitos os bispos que são homens medíocres, grises, carreiristas, às vezes até camaleões, por mais que, como disse o cardeal Tarancón, alguns tenham torcicolos de tanto olhar para Roma, quando deveriam seguir pela vida com o olhar fixo na dor de seu povo.
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Necessitamos de outros bispos. Artigo de José M. Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU