Por: André | 21 Junho 2013
Jesus Cristo não é uma imagem, uma foto fixada no tempo. Jesus Cristo é uma imagem atual que devemos reconhecer aqui e agora.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 12º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C do Ano Litúrgico. A tradução é do Cepat.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
Primeira Leitura: Zc 12, 10-11; 13, 1
Segunda Leitura: Gl 3, 26-29
Evangelho: Lc 9, 18-24
O teólogo francês Hyacinthe Vulliez escreve: “Imaginemos que Jesus aparecesse em plena assembleia dominical, cantando e ouvindo. E que, no meio da homilia, ele parasse o fluxo das palavras e pedisse silêncio. Um silêncio profundo, pleno, uma vez que cada um terá feito um profundo silêncio interior. Então, calmamente, com voz suave e firme perguntasse: para vocês, pessoal e coletivamente, para vocês que estão reunidos aqui em meu nome, quem sou eu?”. Quais seriam as nossas respostas?
1. Uma imagem do passado
Quantos de nós responderiam como no Evangelho de Lucas? “Eles responderam: para alguns é João Batista; para outros, Elias; para outros ainda, algum dos profetas antigos que ressuscitou” (Lc 9, 19), porque, muitas vezes, nós temos uma imagem feita sobre esse Jesus, o profeta por excelência, de que nos falam as Escrituras... É uma imagem do passado. Assim mesmo, para a maioria dos cristãos, acrescentaríamos sem dúvida a resposta de Pedro: “Tu é o Messias de Deus” (Lc 9, 20b). Mas, mesmo esta é uma resposta que se refere exclusivamente ao passado, às imagens que nós aprendemos desde que nos tornamos cristãos.
O exegeta francês Jean Debruynne escreve: “Ninguém é capaz de ver em Jesus alguém que não seja um sobrevivente do passado ou das lembranças. Jesus é traído por sua imagem pública. Os cristãos, assim como os outros, sempre terão dificuldades para aceitar que Jesus possa escapar dos modelos que cada um tem na cabeça. Aceitar que Jesus possa ser qualquer outro que a ideia que eu tenho dele, é ao mesmo tempo reconhecer que é aos homens e às mulheres que Deus quis confiar a sua imagem”. Isso quer dizer exatamente o quê? Que Jesus Cristo não é uma imagem, uma foto fixada no tempo. Jesus Cristo é uma imagem atual que devemos reconhecer aqui e agora. Mas, antes, que características deram a ele aqueles que nos falaram dele?
2. O Messias que há de vir
Enquanto Israel esperava um Messias que libertaria o povo do jugo da opressão estrangeira, o profeta Zacarias, no quarto século antes da nossa era, já anunciava a sorte reservada ao Messias, ao Pastor, ao enviado de Deus. Ele será rejeitado, vendido e morto, e: “Quanto àquele que transpassaram, chorarão por ele como se chora pelo filho único; vão chorá-lo amargamente, como se chora por um primogênito” (Zc 12, 10b). O que significa que a imagem que tinham do Messias que virá não correspondia ao Messias esperado; de sorte que não o reconheceram em Jesus de Nazaré, que foi rejeitado e morto, e menos ainda no que aconteceu na Páscoa: Cristo ressuscitado.
Não é essa a mesma realidade vivida pelos discípulos da primeira hora? Eles tiveram dificuldades para identificar Jesus, Cristo e Senhor, no Messias de Deus esperado há muito tempo; de sorte que o evangelista Lucas faz Jesus dizer: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9, 22). Não temos nós, ainda hoje, dificuldades para reconhecer o Messias de Deus na sua Cruz, mas também na sua Ressurreição?
Em relação à Cruz, bem... Nós fabricamos belas cruzes com Jesus crucificado, ensanguentado, que fazem referência ao Jesus da história rejeitado pelos judeus e executado pelos romanos. Mas se ele ressuscitou, ele está vivo hoje e para sempre. Ao longo da história, ele se identificou com os pequenos, com os pobres e os excluídos. Não rejeitamos esses novos rostos do Messias, do Cristo, do Senhor? E, portanto, seu rosto, ou antes, seus rostos não são fotos tomadas num dado momento da história. O Messias, o Cristo, o Senhor, toma a imagem do momento presente, aí onde nós nos encontramos, aí onde nós vivemos com aquelas e aqueles com quem compartilhamos a nossa vida. Quem é ele para nós hoje? Esta é a pergunta que nos é feita!
3. Quem sou eu hoje?
Hyacinthe Vulliez escreve: “Por preguiça ou por medo nós, com frequência, nos esquivamos desta pergunta. Medo de constatar quantos Jesus diferentes há nas cabeças e nos corações de uns e outros. Medo de nos confrontarmos conosco mesmos para responder verdadeiramente à seguinte pergunta: quem sou eu para você? É também se interrogar sobre si mesmo”. Preferimos antes nos referir simplesmente à imagem de Jesus que nos foi apresentada, mesmo quando esta imagem deixa a maioria de nós numa indiferença total. Esta imagem tem a vantagem de não nos questionar e de nos justificar uns aos outros, na nossa passividade religiosa. É evidente que nós desenvolvemos toda uma devoção em torno da Cruz e do Crucificado, mas isso nos reenvia ao passado: ao tempo de Jesus de Nazaré. Mas se ele ressuscitou, portanto está vivo, ele o é através de quem? Ele o é necessariamente através das mulheres e dos homens de hoje, e particularmente, nos pequenos, nos pobres, nos oprimidos, nos excluídos, nas marginalizados, nos machucados da vida, não naqueles do passado, mas nos de hoje. Porque não nos refugiamos num dogmatismo cristalizado numa outra época e num ritualismo religioso que nos reenvia ao passado e que não incomoda mais ninguém. Raros são aqueles e aquelas que aceitam deixar se incomodar pelos profetas de hoje que nos apresentam novos rostos de Cristo.
Na nossa Igreja, não temos necessidade de que Cristo nos tire do nosso conforto, das nossas incertezas e dos nossos modos de agir. Nós conhecemos o Cristo; nós temos o controle sobre ele. Basta seguir as regras da Igreja e da Tradição. E, no entanto, Lucas nos diz: “Aquele que me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e me siga” (Lc 9, 23). E Paulo, na carta aos Gálatas, afirma que pelo batismo nós nos revestimos de Cristo (Gl 3, 27). E revestir-se de Cristo, no pensamento de Paulo, é tornar-se Cristo; portanto, não apenas naquele que morre, mas também naquele que ressuscita. E é por isso que Paulo afirma que quando nos tornamos Cristo, todas as desigualdades desaparecem: “Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo” (Gl 3, 28). O que quer dizer que na fé cristã todos têm a mesma dignidade; todos somos imagens de Cristo... Como é que na Igreja nós não atingimos isso?
E termino com esta bela reflexão de Hyacinthe Vulliez, que diz: “Se Jesus nos sacode tão pouco, não será porque sua identidade é, para nós, evidente, ou porque não questionamos a imagem que temos dele? Se ele nos muda tão pouco, não é porque não verificamos suficientemente, por um intercâmbio franco e leal, a qualidade da relação que temos com ele? Quantas coisas entre os cristãos, em sua Igreja (maiúscula) e em suas igrejas (minúscula) ou seus templos, mudariam se ouvissem juntos a pergunta de Jesus: quem sou eu? E se, juntos, escutassem as respostas de uns e outros”. Eu acrescentaria: não estaríamos 200 anos atrasados, como dizia o falecido cardeal Martini.
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O paradoxo da Cruz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU