14 Junho 2013
As críticas já começaram. Subterrâneas e fatais. "Ele é repetitivo... demagógico... imprudente... pauperista... não está à altura do pensamento de Ratzinger... não decide... folclore latino-americano demais... esperemos que deixe de ser um pároco".
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 13-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Passados os primeiros três meses, o Papa Bergoglio está percebendo que existem no Vaticano os grandes pântanos daqueles que não querem mudar e espalham venenos contra aqueles que pretendem dar la vuelta a la tortilla (copyright Bergoglio): nós diríamos "virar a página". Depois, há os temerosos como o jornal Avvenire [dos bispos italianos], que relata a corrupção no Vaticano, mas esconde no fundo do artigo o tema dos carreiristas gays de batina.
Nessa quarta-feira, o Papa Francisco criticou os conservadores com a cabeça voltada para trás e os progressistas apressados. Antes do conclave, ele dizia que o futuro pontífice devia "limpar a Cúria". Agora, a partir da sua conversa de roda livre com os líderes dos religiosos sul-americanos (Clar), ocorrida no dia 6 de junho, aflora uma certa ansiedade. Enfrentar os problemas da Cúria, confessou, "é difícil... É preciso ver o que podemos fazer... Eu não posso fazer a reforma [sozinho]... Rezem por mim para que eu me equivoque o menos possível..." Um curial vip diz que Francisco pretende "mudar pelo exemplo". Certamente, não será suficiente.
O núcleo conservador da Cúria resiste. É preciso mudar estruturas e quadros no Vaticano e na Igreja universal, se a revolução de Francisco não pretende encalhar nos sinais pessoais lançados pelo pontífice.
Por isso, ele renunciou às férias, exceto dois dias em meados de agosto. Bergoglio se levanta às 5h da manhã, reza e medita sobre as Escrituras até as 6h, depois prepara a homilia para a missa de Santa Marta, às 10h se desloca para os apartamentos do Palácio Apostólico para audiências divulgadas e para encontros confidenciais. À tarde, trabalha na seu quarto do hotel. Continua morando lá, não quer se sentir isolado, explicou. No refeitório, se senta à mesa com aqueles que quiserem, ou deixa que vão comer com ele aqueles que precisam trocar algumas palavras com o pontífice.
Quando ele interrompe o trabalho, ele sai da sua sala em Santa Marta e vai tranquilamente pelo corredor até a máquina de café, tira uma moeda do bolso e se serve um espresso. Rejeitando o apartamento papal, ele desmistificou em um golpe o Apartamento que, no jargão vaticano, sempre significou a suprema sala de controle, acessível apenas a poucos eleitos.
A sua atividade nestes primeiros meses está totalmente concentrada em um reconhecimento massivo dos escritórios vaticanos (as Congregações e os Conselhos), os seus dirigentes, o modo de trabalhar. "Refletir, rezar, dialogar", declarou aos cardeais como metodologia do seu trabalho. "Ele é um homem que rumina e ouve muito", descreve um veterano da Cúria.
Semana após semana, Francisco recebe os chefes de dicastério e depois reúne-se com eles por até uma hora. Debates "concretos e sem formalismos". O papa analisa o que se faz e pergunta o que pode ser mudado. Bergoglio projeta uma Cúria mais simples, menos burocrática, mais colegiada com o episcopado mundial e que – explica um monsenhor – "esteja atenta à condição das pessoas de hoje".
Isso também implica um novo olhar sobre a sexualidade no mundo atual como exigido nos bastidores por vários cardeais e bispos na última fase do pontificado ratzingeriano. Sem diluir a doutrina (observam aqueles que o frequentem), mas com uma sensibilidade real para os problemas cotidianos dos divorciados, dos casais de fato e até dos parceiros gays. Excluindo-se o casamento homossexual. Citando os livretos de ópera, um homem da Cúria exclamou referindo-se aos fundamentos doutrinais de Ratzinger e Bergoglio: "O texto é igual, a música é diferente".
Várias vezes Bergoglio já se encontrou com o cardeal Maradiaga, coordenador do grupo especial de trabalho consultivo de oito cardeais de todo o mundo, que fará uma proposta orgânica de reforma da Cúria no início de outubro. Esperam-se novidades em primeiro lugar no setor econômico da Santa Sé.
Governatorato vaticano e Administração do Patrimônio Apostólico (APSA) poderiam ser unificados sob uma direção comum. Não se pensa na abolição do IOR, mas sim em uma aceleração na direção de uma transparência plena e do cumprimento das regras do comitê europeu Moneyval.
No Frankfurter Allgemeine Zeitung, o novo presidente do IOR, von Freyberg, declarou "tolerância zero" às operações opacas e garantiu uma verificação total das contas correntes: "Nos próximos meses, faremos com que todo relatório único dos clientes [os correntistas do IOR] seja controlado por uma agência externa, a Promontory, internacionalmente reconhecida". Por outro lado, já começaram em 2012 as primeiras investigações internas sobre suspeitas de lavagem de dinheiro.
Os mais veementes defensores da reforma da Cúria – e eles existem dentro do Vaticano – lamentam que o Papa Francisco ainda não substituiu o secretário de Estado, cardeal Bertone. Há aqueles que esperam um anúncio para o dia 29 de junho, "festa do papado" dedicada aos santos Pedro e Paulo, mas Bertone anunciou oficialmente que vai sair de férias entre os dias 1º e 13 de agosto e, portanto, leva a entender que depois ainda estará no seu posto. Talvez ele espere uma prorrogação de um ano, como aconteceu com Sodano no advento ao trono papal de Bento XVI. Mas, na Cúria, a maioria pensa que, no máximo até o dia 2 de dezembro, quando completar 79 anos, ele deverá se retirar. Para muitos, arrastar a escolha do novo secretário de Estado é um erro.
Como sucessor, circula o nome do cardeal Bertello, atual governador da Cidade do Vaticano. Ele faz parte do "conselho da coroa" de Bergoglio, o grupo de oito cardeais chamados para lhe dar conselhos para o governo. Porém, há quem sugira outros nomes: os núncios Ventura, de Paris, e Mennini, de Londres.
Na França, também já foi preconizado um secretário de Estado francês: o núncio vaticano no México, Christophe Pierre. Para as Relações Exteriores, quem está na pole position é Dom Parolin, ex-vice-ministro para as Relações com os Estados.
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Francisco na trincheira contra os conservadores: resistir e mudar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU