05 Abril 2013
A pobreza e o pauperismo parecem ter se tornado um assunto altamente debatido, desde a eleição do Papa Francisco. Piero Ostellino também falou a respeito no Corriere della Sera, em uma intervenção um pouco inconclusiva, porque não aferra o cerne da questão: o ponto, como já dizia o cardeal Lercaro no Concílio Vaticano II, é que a pobreza é o estilo de Cristo. Não é nem mesmo um meio, como defende um jesuíta que respondeu a Ostellino, mas sim um fato de radicalismo evangélico.
A nota é do cientista político e leigo católico italiano Christian Albini, publicada no blog Sperare per Tutti, 05-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem o explicou muito bem foi o próprio Bergoglio, na sua intervenção no Sínodo dos Bispos de 2001, que o colocou no centro das atenções da Igreja universal e depois da qual começou-se a falar dele como papável.
Eis a intervenção de Bergoglio.
Um homem de oração
Os padres sinodais acolheram com grande abertura de coração o tema da vida espiritual do bispo. Nesse sentimento, reconhecemos algumas expressões sobre as quais vale a pena deter o pensamento.
Como afirmado há pouco, a força da Igreja é a comunhão; a sua fraqueza é a divisão. O bispo, com essa força, tenta estar disponível para Deus, consciente de ser chamado a ser um homem santo e diligente. Só o bispo que está em comunhão com Deus pode estar a serviço da esperança. Só quando é penetrado na nuvem impenetrável mas luminosa do mistério trinitário, Pai, Filho e Espírito Santo, é que o bispo pode receber de modo mais evidente os sinais do seu ser, na Igreja, pai, irmão e amigo.
O bispo é chamado a entrar no seu mistério para poder exercer o seu ministério e o seu carisma: daí o seu sentido do martírio. A figura do bispo orante veio à tona várias vezes, apresentando-o como testemunha da oração e da santidade, testemunha do tempo salvífico, tempo de graça. Na celebração da eucaristia, na oração, na reflexão e no silêncio, ele adora e intercede pelo seu povo. Sentindo-se pecador, ele se aproxima com frequência do sacramento da reconciliação; consciente das maravilhas realizadas pelo Senhor na história, ele celebra os louvores cotidianos na liturgia das horas.
Chamados a ser santo
Como foi dito nas muitas intervenções feitas sobre o tema, a santidade do bispo é postulada por próprias razões, que vão além da vocação à santidade na Igreja, da qual tratou todo o capítulo V da constituição dogmática Lumen gentium. O contexto mais claro e imediato, no qual deve ser inserido o tema da santidade do bispo, é oferecido pela sacramentalidade do episcopado.
Em virtude dessa sacramentalidade, a ordenação episcopal não é um simples ato jurídico, mediante o qual é conferida a um presbítero uma jurisdição mais ampla, mas sim uma ação de Cristo que, dando o Espírito do sumo sacerdócio, santifica o ordenando no momento em que recebe o sacramento e que, por si só, exige por si mesmo todas aqueles auxílios de graça de que precisa para o cumprimento da sua missão e das suas tarefas. A consequência é que todo bispo se santifica justamente no e com o exercício do seu ministério.
Como, além disso, no triplex munus conferido ao bispo mediante a ordenação sacramental está incluído o da santificação, também foi salientado que o seu exercício não pode ser limitado à administração dos sacramentos, mas deve incluir toda ação e todo comportamento do bispo, pois também mediante a sua vida ele guia os fiéis à santidade.
Todo bispo deve ser para eles o modelo de uma vida santa e o primeiro mestre e testemunha daquela pedagogia da santidade sobre a qual escreveu João Paulo II na carta apostólica Novo millennio ineunte. Por outro lado, todo bispo, considerando não só toda a história da Igreja, mas também a da própria diocese, encontra-se como que envolvido por uma multidão de testemunhas que marcam o seu caminho.
A vida santa do bispo, em última análise, é um testemunho (martyrion) que, oferecido a Cristo, busca com humildade uma identificação mística com o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 15, 13) e induz a um desejo de assumir as palavras de Jesus: "pro eis ego sanctifico me ipsum" (Jo 17, 19).
A vida de um bispo em cada momento e situação se desdobra sob o olhar do Senhor que abraça a cruz, pois a sua santidade se expressa em duas paixões: a paixão pelo Evangelho de Jesus Cristo e o amor pelo seu povo que precisa da salvação. São paixões que se manifestam na bondade e na mansidão das bem-aventuranças. Paixões que se enraízam na consciência do seu nada, do seu ser pecador que recebeu o dom da graça de ser eleito pela imensa bondade do Pai.
A formação permanente
Estreitamente relacionado com o tema da santidade e da vida espiritual do bispo, ressoou, em muitas intervenções dos padres sinodais, o da sua formação permanente.
Se todos os membros da Igreja precisam dela, como se depreende das exortações apostólicas Christifideles laici, Pastores dabo vobis e Vita consecrata, com maior razão os bispos precisam dela. Entre as razões indicadas, há também a tarefa missionária do bispo, encarregado de lançar uma ponte (pontifex) entre o Evangelho e o mundo.
Mesmo na presença de experiências válidas já promovidas nesse setor com a iniciativa de órgãos da Santa Sé (Congregação para os Bispos, Congregação para a Evangelização dos Povos...), percebe-se a necessidade de esclarecer mais o sentido dessa formação (para que não seja deixada apenas à iniciativa do bispo individual, mas seja encorajada por propostas institucionais de vários tipos também) e os seus objetivos específicos, isto é, em relação com o ministério episcopal.
Como mestre da fé, por exemplo, o bispo precisa de uma formação permanente nos âmbitos da teologia dogmática, moral, pastoral e espiritual.
Pobres pelo Reino
Um dos aspectos mais marcados pelos padres sinodais com relação à santidade do bispo é a sua pobreza.
Homem de coração pobre, ele é imagem de Cristo pobre, imita Cristo pobre, sendo pobre com um discernimento profundo. A sua simplicidade e austeridade de vida lhe conferem uma completa liberdade em Deus. O Santo Padre nos convidava a fazer um exame de consciência "sobre a nossa atitude com relação aos bens terrenos e acerca do uso que deles se faz (…), para verificar em que ponto está na Igreja a conversão pessoal e comunitária a uma efetiva pobreza evangélica (...), a ser pobres a serviço do Evangelho" (João Paulo II, Homilia por ocasião da missa de abertura da X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos).
Com estas últimas expressões, João Paulo II nos recorda que se trata de buscar aquele radicalismo evangélico pelo qual bem-aventurado é quem se faz pobre em vista do Reino, para se colocar no seguimento de Jesus-pobre, para viver na comunhão com os irmãos segundo o modelo da apostolica vivendi forma, testemunhada no livro dos Atos dos Apóstolos. (...)
12 de outubro de 2001
Jorge Mario Cardeal Bergoglio,
Relator Geral Adjunto
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A pobreza de Cristo não é pauperismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU