Por: Cesar Sanson | 06 Junho 2013
O projétil que atingiu o indígena Josiel Gabriel Alves, 34 anos, cortou o nervo da cervical e ele tem mínimas chances de voltar a andar ou movimentar as pernas e os braços, informou nesta manhã um dos médicos da Santa Casa de Campo Grande (MS). Baleado nas costas na terça-feira à tarde, na fazenda São Sebastião, em Sidrolândia (MS), ao chegar ao hospital, Josiel disse que não sentia nem as pernas nem as costas, mas estava consciente e conversando normalmente.
A reportagem é de Patrícia Bonilha e publicada pelo Cimi, 05-06-2103.
Neste momento, ele está inconsciente, sob efeito de medicamentos, e o seu quadro é estável. Os médicos aguardam os resultados de alguns exames e a reação do seu próprio organismo para realizarem a cirurgia de retirada da bala, que não deve acontecer hoje. Somente com a chegada de um assessor do Ministério da Justiça, Marcelo Veiga, por volta das 10h, é que foi possível à família de Josiel obter informações claras sobre o seu estado de saúde.
Na semana passada, nesta mesma região, o indígena Terena, Oziel Gabriel, 35, morreu em confronto com policiais federais e militares na tentativa de cumprimento da reintegração de posse da Fazenda Buriti. Apesar da ação policial ter tido um desfecho trágico e estar sob investigação, o governo federal anunciou ontem à noite o envio da Força Nacional e o aumento do efetivo da Polícia Federal (PF) na região.
Segundo os indígenas, na tarde de ontem, na tentativa de uma retomada da Fazenda São Sebastião, um grupo de 60 indígenas foi comunicado por um capataz que eles poderiam entrar porque o fazendeiro já iria sair com o gado. No entanto, quando eles entraram, os indígenas foram surpreendidos pela descida de uma caminhonete em que os seguranças chegaram atirando.
Tentando fugir do atentado, Josiel foi atingido por trás, um pouco abaixo do pescoço e a bala se alojou em sua cervical. Após os primeiros atendimentos no hospital municipal de Sidrolândia, devido à gravidade do quadro, ele foi transferido para ser operado em Campo Grande. Chegou a ser circulada a informação de que quatro indígenas estariam desaparecidos, mas todos foram localizados e já estão junto ao grupo indígena novamente. As duas fazendas, Buriti e São Sebastião, ficam dentro da Terra Indígena Buriti, reconhecida em 2010 pelo Ministério da Justiça como de posse permanente do povo Terena.
A missionária do Conselho Indigenista (Cimi) na região, Lídia Farias, afirma que o clima está bastante tenso. "Apenas um dia após o enterro do Oziel, outro indígena, Josiel, foi baleado. Os Terena estão vivendo profundamente essa dor e essa violência. É ingrato pensar que precisou um indígena morrer para a presidente Dilma anunciar que vai recebê-los. Por outro lado, as lideranças afirmam que os indígenas estão dispostos a ir até o final para garantir os direitos às suas terras tradicionais", declara ela.
Esquecida reforma agrária
Segundo reportagem da Folha de S. Paulo veiculada hoje, "os indígenas de Mato Grosso do Sul dispõem de áreas bastante pequenas, superpovoadas e próximas dos centros urbanos". Os dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) explicitam que enquanto os indígenas não conseguem recuperar suas terras tradicionais, há uma grande concentração de terras nas mãos de alguns latifundiários na região.
Com uma população de 28 mil indígenas, os Terena ocupam cerca de 20 mil hectares no estado. Duas terras indígenas na região de Sidrolândia, Buritizinho e Tereré, com população de 320 e 400 indígenas, respectivamente, têm a extensão de dez hectares cada. Só a fazenda Buriti, de propriedade do ex-deputado estadual Ricardo Bacha, tem cerca de 6.300 hectares e a fazenda Aquidauana, também localizada na terra indígena tradicional, tem 4.100 hectares.
Ao invés de centrar esforços para a realização de uma reforma agrária, como era uma das prioridades do projeto original do atual governo, a proposta apresentada no mês de maio pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisy Hoffmann, foi a de reformulação nos procedimentos de demarcação de territórios indígenas e na suspensão dos mesmos.
Em carta à presidente Dilma, um grupo de integrantes de organizações de direitos humanos, dentre eles o reconhecido jurista Dalmo Dallari, afirmou ontem que "No Mato Grosso do Sul a não solução da demarcação das terras indígenas é uma das várias guerras de baixa intensidade que vivemos em nosso país. São centenas de milhares de pessoas atingidas e a mudança de rito de tramitação da demarcação de terras indígenas, abrindo à consulta e apreciação os laudos antropológicos produzidos pela FUNAI para setores antagônicos à demarcação, contrariamente o que pensa a Casa Civil, só trará mais resistência indígena e mais conflitos".
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, chegou em Campo Grande na manhã de hoje e sobrevoou a área demandada pelos indígenas com o governador André Puccinelli (PMDB). Atendendo a um pedido do governador, Cardozo afirmou ontem à imprensa que a Força Nacional estará submetida ao comando da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança do estado. O governo de Puccinelli tem um claro posicionamento a favor dos fazendeiros da região e sempre intercede no sentido de atender as demandas deles, em detrimento do respeito aos direitos dos indígenas de retomarem suas terras tradicionais. No final da manhã, Cardozo se reuniu com três lideranças do povo Terena. Outros 40 indígenas estavam na base aérea de Campo Grande.
Indígenas como alvo de violência
Em nota à imprensa, o Ministério Público federal afirmou ontem que "falta vontade política para solucionar a questão indígena em Mato Grosso do Sul". De acordo com a nota, além da omissão do Estado, o trato da questão indígena pelo Judiciário também demonstra despreparo na condução dos conflitos.
Segundo o procurador da república, Emerson Kalif Siqueira, não se trata a questão indígena como caso de polícia. "Se forem necessárias horas ou dias de conversa e negociação, que se explique, enfatize, converse, negocie. O que não se pode é deixar que a inapetência da polícia - que não tem experiência em conflitos rurais - transforme populações tradicionais em alvo de violência", declarou ele.
A reintegração de posse da fazenda Buriti prevista para ser realizada hoje até às 9h foi suspensa.
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Indígena baleado corre sério risco de ficar tetraplégico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU