Por: Jonas | 27 Mai 2013
A decisão do Tribunal Constitucional da Guatemala, que na noite de segunda-feira anulou a sentença de 80 anos de prisão ao ex-ditador Efraín Ríos Montt, por genocídio e crimes contra a humanidade, trouxe novamente à superfície o quão profundamente a sociedade guatemalteca se encontra dividida. Passaram-se 17 anos desde que se firmou a paz que colocou fim aos 36 anos de guerra civil. Porém, o acordo foi incapaz de impulsionar a articulação de uma sociedade mais justa.
A reportagem é de José Elías, publicada no jornal El País, 21-05-2013. A tradução é do Cepat.
O alto tribunal ordenou a repetição do julgamento contra o antigo ditador a partir do estado em que se encontrava o processo no dia 19 de abril, quando o visto foi suspenso. O processo se reiniciou, em seguida, sem considerar testemunhas propostas pela defesa de Ríos Montt, que supostamente lhe teriam sido favoráveis.
O magistrado do Tribunal Constitucional, Roberto Barreto, disse, nesta terça-feira, numa coletiva de imprensa, que a decisão de anular a condenação do ex-ditador tem “um caráter preventivo”. Justificou a decisão em que o tribunal de sentença, presidido pela juíza Jazmín Barrios, “não acatou uma ordem da Terceira Sala de apelações, razão pela qual caiu em desacato”. Em consequência, acrescentou, a continuação do processo e a sentença condenatória são “ilegais”. Concluiu afirmando que “não pode haver justiça, caso não se respeite o devido processo”.
A sentença jogou por terra um julgamento que despertou grandes expectativas, tanto em nível nacional como internacional, uma vez que, pela primeira vez na história, um militar sentava no banco dos acusados, que, em seu momento, encarnou o poder absoluto, ao mesmo tempo em que dava voz aos setores indígenas secularmente marginalizados, que puderam ser ouvidos, denunciando as gravíssimas violações aos direitos humanos pelas quais foram submetidos durante o chamado “quinquênio negro”, ocorrido entre 1978 e 1983. Nesses anos, a repressão militar alcançou suas mais altas cotas de selvageria no combate às guerrilhas de inspiração marxista.
A anulação da condenação por genocídio constitui, de acordo com o Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado da Guatemala (ODHAG), uma zombaria com as vítimas, comunidade internacional e sistema de justiça. “É um retrocesso para a justiça”, assegurou o diretor do escritório, Nery Rodenas. “Sem sombra de dúvidas, é uma bofetada para uma comunidade, a ixil, que esperou mais de 30 anos para chegar a um debate que pretendia recobrar a confiança num sistema legal, e a condenação parecia ser um passo adiante”.
Rodenas recorda que era evidente, durante todo o julgamento, que o objetivo principal da defesa era o de obstruir o processo. “Sua meta foi distanciar-se de um julgamento objetivo, que conseguiram, uma vez que um novo debate obriga a uma mudança do tribunal”, acrescenta.
Para a ODHAG, a anulação da sentença, ditada na noite de segunda-feira, “é uma zombaria com o sistema de justiça, com o povo ixil e comunidade internacional, por sua vez deixa uma mensagem muito clara: na Guatemala há setores que não podem ser atingidos, um limite que fragiliza e coloca em alto risco o processo de paz inaugurado em 1996”. Para o analista Héctor Rosada Granados, negociador do processo de paz durante o período presidencial de Ramiro de León Carpio (1993-1996), a sentença do Tribunal Constitucional é consequência da pressão de um sistema que não assume seu papel histórico. “A sentença vem determinada por um sistema dominante incapaz de aceitar o genocídio”, afirma, e sublinha que esses setores “tem a alma tão suja que não suportam enfrentar o passado, e cujo atual bem-estar é produto do despojo que seus pais e avós fizeram”.
Mario Polanco, do Grupo de Apoio Mútuo, disse estar preocupado porque este tipo de solução jurídica abre espaço para que qualquer tipo de criminoso a utilize para burlar a justiça. Qualifica a sentença como uma decisão política e não jurídica.
De qualquer modo, a sentença doTribunal Constitucional deixa mais interrogações que respostas. Entre elas, qual é a situação jurídica de Ríos Montt, pois a sentença dos magistrados não define nada a respeito. O velho general se encontra hospitalizado e sofre os achaques próprios de sua idade, 87 anos, como problemas de próstata e arritmia cardíaca.
Na noite passada, não se sabia se poderá ir para casa ou se continuará encarcerado até que um novo julgamento dê o veredicto final. Ontem, seus defensores pediram sua liberdade numa sala de apelações.
A sentença Tribunal Constitucional não separa do processo as interrogações do tribunal que condenou Ríos. Em consequência, serão eles, sob a presidência de Jazmín Barrios, que deverão dar tramite à recusa da defesa. O advogado Francisco García Gudiel recusou o julgamento com argumentos contraditórios. Enquanto argumenta que mantém uma “inimizade grave” com a juíza Barrios, pede a separação de outro membro do tribunal, Pablo Xitumul, porque este teria afirmado publicamente que uma amizade de anos os une.
Os advogados de Ríos Montt pretendem que seja um novo tribunal que retome o processo. Em consequência, elevaram um pedido para uma sala de apelações para que “mediante um ato, para melhor sentenciar” se retire o julgamento presidido por Barrios, o que abre interrogações sobre quais letrados possuem trajetória suficiente para manejar um julgamento que ultrapassa as fronteiras guatemaltecas.
A decisão do Tribunal Constitucional provocou reações divergentes no Congresso. O congressista Luis Chávez, do opositor Liberdade Democrática Renovada, qualificou a resolução como “legal, mas não legítima”, assegurando que a “história julgará” os três magistrados que votaram a favor das teses da defesa. Orlando Blanco e Byron Chacón, também na oposição, coincidiram em destacar que algumas falhas de procedimento tornavam previsível a anulação da sentença, um argumento que é consenso para advogados independentes.
Uma das reações mais duras foi a do capítulo guatemalteco de Anistia Internacional, que num comunicado qualifica a sentença como “um duro golpe para as vítimas das graves violações aos direitos humanos, cometidas durante o conflito”. “Não estão claros os fundamentos jurídicos desta decisão, nem se sabe, com segurança, como o tribunal de primeira instância pôde voltar ao julgamento no momento em que se encontrava em meados de abril”. Sublinha que a sentença do Tribunal Constitucional “levanta obstáculos tremendos para poder fazer justiça e garantir a rendição de contas para um período doloroso da história da Guatemala”.
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A anulação da condenação deixa Ríos Montt em um limbo legal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU