16 Mai 2013
O potencial hidrelétrico, da mesma forma que a biodiversidade, é uma riqueza, diz o presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Mauricio Tolmasquim, ao reconhecer que o grande desafio na região da bacia do Tapajós é "construir preservando o máximo possível". O potencial hídrico dos rios e seus afluentes espalhados pelo Amazonas, Mato Grosso e Pará, segundo os inventários, indica que é possível construir ali mais de 40 hidrelétricas e conseguir 28 mil MW. No plano em curso atualmente, as usinas são oito, mas o potencial da região torna a bacia hidrográfica do Tapajós a mais importante do país.
Em entrevista ao Valor, o engenheiro explica as diferenças de projetos entre hidrelétricas em lugares muito povoados da Amazônia, como as do Madeira, em Rondônia, e as do Tapajós, onde a biodiversidade é muito rica, pouco conhecida, e a população indígena, muito numerosa. "Não se pode construir uma usina a ferro e fogo", diz.
A entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 16-05-2013.
Eis a entrevista.
Como avalia o modelo desenvolvido pelo WWF e TNC?
É um instrumento de planejamento para que se olhe a variável ambiental desde o início, quando se começa a discussão sobre qual usina construir. É o top do mundo. Possibilita traçar alvos e metas, e então se vê, em cada caso, quanto pode ser preservado ou não. Tem também um aspecto qualitativo interessante. Pode haver uma espécie que só existe em certo local e outra que é comum a vários subsistemas. Se existe algo com certa abundância, o impacto da perda é menor do que quando não se tem muitos exemplares. Essa metodologia permite fazer essa análise. É um instrumento que traça cenários. A tomada de decisão vai depender evidentemente de um debate e de outros fatores.
Como pode funcionar?
Os técnicos da EPE fazem um relatório, os do Ministério do Meio Ambiente, outro, e depois temos reuniões para convergir e discutir a melhor opção. É um instrumento de diálogo técnico-científico. Não é um modelo que vai dar a solução, mas um mecanismo complementar que permite olhar os "trade-offs", os conflitos de escolha e onde se pode equilibrar conservação de biodiversidade com o aproveitamento do potencial hidrelétrico.
Similar à Avaliação Ambiental Integrada, a AAI, que agora entra em cena?
São coisas diferentes. A Avaliação Ambiental Integrada é um instrumento importante do processo de licenciamento. É o que permite que se vejam os efeitos sinérgicos e cumulativos de todas as usinas em um rio, como será com elas funcionando conjuntamente. A AAI está no marco regulatório do setor. Já este Sistema de Apoio à Decisão (SAD) na Amazônia é um instrumento novo, uma técnica que estamos testando, um elemento a mais para a tomada de decisão.
O inventário apontou que a bacia hidrográfica do Tapajós poderia ter mais de 40 hidrelétricas?
Pelo inventário do Teles Pires, Juruena e Tapajós são 42 usinas. Isso não significa que serão construídas, o que está em planejamento é outra coisa. Mas no inventário há potencial para sete usinas no Tapajós, 29 no Juruena e seis no rio Teles Pires. São desde usinas bem pequenas até grandes.
O último Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) prevê oito usinas?
O último PDE tem oito usinas na região no planejamento até 2021. São quatro no Teles Pires - Colider (342 MW) e Teles Pires (1820 MW) que já estão em construção, Sinop (461 MW), que deve ir a leilão possivelmente em agosto, e São Manuel (746 MW), onde ainda temos que fazer audiência pública. No rio Tapajós são outras duas, São Luiz do Tapajós (6133 MW), que está em estudos e provavelmente vamos leiloar em meados do ano que vem, e Jatobá (2338 MW). Por fim, no Juruena, São Simão (3509 MW) e Salto Augusto (1461 MW), que ainda nem se iniciaram os estudos. Isso não quer dizer que as outras estão abandonadas, apenas não estão ainda no horizonte do planejamento. Os estudos serão úteis para a discussão no futuro.
De que forma?
Na Amazônia há dois tipos de usinas, dois modelos. Um deles é para áreas antropizadas, onde há muita atividade humana, que é o caso das usinas do Madeira, em Rondônia, e de Belo Monte, no Pará, onde 70% do entorno são fazendas. Nessas áreas, muitas vezes longínquas, com uma considerável população pobre vivendo em situação precária, a usina é vista como vetor de desenvolvimento regional. As condicionantes da obra levam o tratamento de esgoto aos municípios, melhoram o sistema de saúde. Nesses casos, as usinas podem significar desenvolvimento regional e também preservação ambiental, com a obrigação de criar áreas de conservação, recompor a mata ciliar. Obrigações que procuram reverter o processo de degradação e proporcionar desenvolvimento regional.
E o outro tipo de usina?
O Tapajós é uma área pouco antropizada. O grande desafio ali não é desenvolver, é construir preservando o máximo possível. Por isso a ideia das usinas plataformas, pensando em que as áreas onde ficariam os operários da obra sejam temporários e que não se formem cidades, que pessoas não se estabeleçam ali e que as áreas mexidas sejam reflorestadas.
Isso é realmente viável?
O único país do mundo que tem esse imenso potencial hídrico na floresta é o Brasil. Temos que pensar soluções para o nosso caso, que é muito específico. Temos esse potencial em um bioma bastante sensível, do ponto de vista da biodiversidade, temos que criar soluções adequadas para essa questão. Existem dois extremos - de um lado, uma visão totalmente conservacionista, de querer deixar tudo como está e não mexer em nada. Do outro, uma visão ultradesenvolvimentista, vamos aproveitar todos os recursos, com o impacto que for. Estamos buscando o que está no meio dessas duas linhas.
Valor: Qual é esse meio termo, na sua visão?
Tolmasquim: O potencial hidrelétrico, da mesma forma que a biodiversidade, é uma riqueza. Temos a matriz energética que menos emite gás estufa do mundo. Não vamos aproveitar todo o nosso potencial hidrelétrico de lá. Belo Monte, do ponto de vista de engenharia não é um projeto onde se visou produção de energia máxima. Não é que a engenharia não saiba fazer uma usina, poderia gerar mais se tivesse um reservatório grande, mas o impacto disso não seria aceitável. Mas não terá os impactos negativos que poderia ter. Esse meio termo é o que buscamos, esse é o debate.
E a preservação é uma variável importante?
No caso do Tapajós, não tenho dúvida. Não se pode construir uma usina a ferro e fogo, destruindo todos os ecossistemas. É claro que esse modelo vai contrariar tanto o pessoal que quer otimizar o uso daquela bacia, que não está usando da forma ótima, como vai contrariar os que desejam preservar intocado aquele ambiente. É preciso ter uma solução de compromisso. O potencial do Tapajós, Teles Pires e Juruena é de 28 mil MW - isso é o que é possível, não o que será feito. O que será feito é o que vamos ver no futuro. Só uma parte pequena está planejada.
Essa bacia é a mais importante como potencial hídrico do país, representando 25%?
Sim, entre as que não foram exploradas ainda. O que precisamos agora é criar elementos importantes para o diálogo entre as áreas. Não necessariamente todo mundo vai concordar no fim, mas isso faz parte do processo.
E a questão indígena?
É o tema mais importante no planejamento de hoje.
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"Não se pode construir a ferro e fogo", diz Tolmasquim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU