10 Mai 2013
"O problema em si não é a religião evangélica propriamente dita, mas é a contradição que há no discurso hegemônico em relação aos princípios da própria religião. O direito de ser contra a homoafetividade ou qualquer prática de âmbito privado se encerra em seu próprio corpo e em sua própria vida. Nem mesmo há direito sobre os corpos dos filhos, caso eles/as sejam gays, cada um tem que dar conta de si e ponto", escreve Edson Elias de Morais, professor de sociologia, mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, graduação em Ciências Sociais-UEL e Bacharel em Teologia-Faculdade Teológica Sul Americana.
Segundo ele, "o que os homoafetivos querem é simplesmente respeito e liberdade sobre eles mesmos".
Eis o artigo.
O debate sobre os evangélicos e a causa dos homoafetivos tem sido pauta todos os dias nos jornais e nas redes sociais, principalmente depois do evento Malafaia/Feliciano e seus polêmicos discursos. No dia 19 de abril um jovem de 23 anos morreu após cair/se jogar da torre telefônica em Rondônia e o site Uol postou como título da reportagem: “Suicídio: Jovem gay se joga de torre em Rondônia após ser rejeitado por família evangélica”.
Casos como este, e outros que não são revelados, nos faz pensar sobre a dor e a tristeza do preconceito. E traz à luz o antagonismo da fé que, ao invés de promover a vida e a liberdade, promove a rejeição, o sofrimento e a morte. Percebemos nisto que em tempos pós-modernos a cosmovisão mágica voltou com todo fôlego e trouxe à tona o preconceito adormecido e escondido do brasileiro supostamente gentil, acolhedor e "cordial", mas esses valores servem apenas para seu algoz movido pelo espírito submisso. Porém, quando este, supostamente cordial, encontra-se com alguém que considera inferior, transforma-se também num feroz algoz.
Mas há aqueles que não concordam com a associação direta dos evangélicos ao preconceito contra os gays e afirmam que é perseguição religiosa, é a “cristo-fobia”, “evangélico-fobia” e tantos neologismos vazios. Outros enfrentam o debate tentando mostrar que há evangélicos que não são preconceituosos, embora não concorde com a prática homossexual. Outro argumento que é possível ser encontrado nos debates é de que os males não são exclusivos dos evangélicos, mas encontra-se também entre os mais variados setores da sociedade e acusam todos aqueles que criticam tais posturas também de preconceituosos. Portanto, veem nos críticos e nos militantes do movimento GLBT um algoz contra sua “liberdade religiosa”, reproduzindo as bravatas de Malafaia/Feliciano. Assim, quem é vítima de quem?
A história, tristemente, relata casos como o da Ku Klux Klan encabeçada por evangélicos batistas nos Estados Unidos no século XX, motivados para combater/matar negros que tentavam adquirir terras e bens, em nome dos protestantes americanos brancos. No período Medieval é que se encontram relatos até datas muito recentes, os canhotos eram estigmatizados de enviados do Diabo, xingados de “mão do Diabo” e que deviam fazer com a “mão certa, a direita”. Em italiano canhoto é “mancino”, que também dá a ideia de “pessoa desonesta”; esquerdo é “sinistro”, que está diretamente associado ao Diabo. Tivemos também luteranos alemães que apoiaram Hitler no horrendo Holocausto, assassinando milhares de judeus, negros, homossexuais e deficientes físicos e mentais. No Brasil do século XX houve inúmeros padres, bispos e pastores evangélicos que denunciaram seus irmãos na fé para o DOPS, dos quais muitos nunca retornaram para suas casas, fato que está sendo escancarado com a Comissão da Verdade. Além de tantos outros casos.
Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de citar que a religião pode ser um catalizador de boas ações e luta contra a desigualdade e injustiça. Temos o exemplo de Dietrich Bonhoeffer, que projetou o assassinato de Hitler em nome do evangelho e das vidas que estavam sendo ceifadas por uma causa desumana - sua sentença foi a morte. Tivemos, no Brasil, militantes da Teologia da Libertação que sofreram perseguições, morte por causa também do evangelho contra a opressão da Ditadura Militar, e também outros casos de humanização e direito a vida e a liberdade em nome do Sagrado. Fica explícito nesses e tantos outros casos que a luta é em nome do EVANGELHO, mas não em nome dos EVANGÉLICOS.
Estão certos quando afirmam que nem todos os evangélicos ou cristãos são preconceituosos. Como também, que o preconceito está permeado em todos os segmentos da sociedade brasileira. E o exemplo disto é a REDE FALE, CONIC, Igreja Anglicana que se posicionaram enfaticamente contra as barbaridades do Malafaia/Feliciano. Desta forma, dizer que todos são iguais é realmente um equívoco grotesco e preconceituoso.
Mas veja bem, o número de evangélicos tem crescido no Brasil, como também o número de crentes e católicos que apoiam publicamente a postura do Malafaia/Feliciano, fato que tem se tornado público, revelando seus preconceitos escondidos ou mascarados. É sabido que entre os espíritas, os membros de religiões afro-brasileira, os sem-religião, os ateus e outros, a compreensão sobre a liberdade, o direito e a "normalidade" dos homoafetivos são muito mais aceitos que entre religiosos que professam o cristianismo (digo isso de forma genérica e sob perspectiva de tendência).
Acontece que os evangélicos proclamam em alto e bom tom o discurso do amor, da paz e liberdade religiosa, da misericórdia, graça e compaixão, e sob esta bandeira espera-se que vivam e promovam estes valores para as outras pessoas, como ensina o Evangelho, sua regra de fé e prática. Mas quando outra pessoa afirma e reafirma uma postura ou identidade fora dos padrões morais do cristianismo ocidental é taxado como fora dos padrões de Deus e infiéis.
Esta postura não é diferente da do catolicismo medieval que afirmava: Extra Ecclesiam nulla salus [fora da igreja não há salvação], os evangélicos e pastores têm reproduzido isso muito bem, e quem conhece os livros teológicos de Rubem Alves saberá muito do que estou falando. Portanto, a crítica está sobre os evangélicos, porque são eles que estão gritando contra os direitos dos corpos alheios. Se eles são contra a prática homoafetiva, então não tenham práticas homossexuais, mas não queiram propor o padrão moral individual sobre outras pessoas que, muitas vezes, não professam a mesma fé.
Dizer que é contra a prática sexual de outra pessoa, no caso, dos gays é tão ilógico e irracional, quanto seria se eles dissessem que os evangélicos não pudessem se casar, ou ter filhos, pois não compete a ninguém ditar o que é certo ou errado para a vida particular das outras pessoas. O problema dos pastores e padres é que eles se acham "pais", "donos", "senhores" da vida alheia e, com isso, determinam, ensinam o que é certo e errado, sob pena e punição, e jogam tudo isso nas costas de Deus, para legitimar seus próprios preconceitos.
Não podemos fechar os olhos para o horror que tem acontecido e que está explícito para quem quiser ver. Se o caso deste jovem fosse isolado toda essa discussão seria desconsiderada, mas bem sabemos que não é! Há inúmeros relatos de pessoas que rompem com suas famílias por causa de posturas semelhantes, outras pessoas vivem sob a pressão da suposta "cura gay" e tantos outros casos de opressão e até mesmo autoflagelo.
Ocorre que a cosmovisão evangélica é, em sua grande maioria, maniqueísta e reproduz tenazmente a frase: "se não é por nós é contra nós" e por ter a compreensão de que a homossexualidade é pecado, logo associa ao Diabo e ao desvio dos planos de Deus. Qual é o resultado desta conta metafísica? Portanto, associar o gay ou a homoafetividade ao mal é mais do que comum! Quantos e quantos casos de "exorcismos", "cura interior", "aconselhamento pastoral para deixar de ser gay”, “indução a uma vida de eunuco" e “quebra de maldição” são direcionados para os homoafetivos.
O caso Malafaia/Feliciano tem sido um estopim a essa postura que estava ocultada e vivenciada no âmbito privado, mas que agora toma o espaço público. Como já disse: é obvio que há cristãos coerentes, sérios e respeitosos e que sabem de seus limites quanto aos direitos daqueles que são diferentes. Mas a atualidade tem demonstrado uma tendência evangélica, e é exatamente esta quem tem sido a criticada - e com muita razão - e deverá ser combatida, pois senão voltaremos aos tempos de obscurantismos em tempos de sociedade laica, isto é, sem uma religião única e o oficial, mas ao mesmo tempo, resguardando a pluralidade e não somente religiosa.
O problema em si não é a religião evangélica propriamente dita, mas é a contradição que há no discurso hegemônico em relação aos princípios da própria religião. O direito de ser contra a homoafetividade ou qualquer prática de âmbito privado se encerra em seu próprio corpo e em sua própria vida. Nem mesmo há DIREITO sobre os corpos dos filhos, caso eles/as sejam gays, cada um tem que dar conta de si e ponto.
O que os homoafetivos querem é simplesmente respeito e liberdade sobre eles mesmos. A suposta “ditadura-gay” é um terrorismo ideológico que religiosos mal intencionados têm disseminado sobre uma massa desinformada e que absorve tais ideias como esponjas. Se os evangélicos e católicos querem ser testemunhas fieis de seu mestre, sejam como ele foi: inclusivo. E lute contra a religião/religiosidade que promove o medo, a perseguição e a morte, como ele fez em sua época. Quem é o algoz e quem é a vítima? A resposta depende de quem executa a perseguição e de quem é perseguido e por quais motivos.
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Evangélicos e Gays: Algozes ou vítimas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU