04 Abril 2013
"Em Taranto, na Itália, onde se encontra a maior siderúrgica da Europa, dizem que “um fio vermelho une os irmãos da pré-Amazônia às populações atingidas de nossa cidade”. A Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale realizou no começo de abril 2013 atividades de denúncia e solidariedade na cidade de Taranto", escreve Dário Bossi, missionário comboniano e membro da rede Justiça nos Trilhos.
Eis o artigo.
É chamada “cidade com vocação industrial”, mas seus cidadãos preferem defini-la uma “imposição industrial e militar”. A cidade de Taranto, no calcanhar da Itália, hospeda a maior siderúrgica da Europa, a única que produz o ‘pig iron’ na Itália.
Chamado elegantemente assim em inglês, a tradução num bom português seria ‘o ferro dos porcos’, já que se trata da primeira etapa de fusão do minério de ferro: a mais poluente e perigosa.
Esse trabalho sujo descarga sobre os mais de 15 mil moradores do bairro de Tamburi diversas emissões químicas perigosas. Entre elas, a dioxina, perigosíssimo poluente que se deposita no chão e entra na cadeia alimentar (leite, queijos, carnes). Quase que banida na Europa limpa, 90% da dioxina produzida na Itália está na cidade de Taranto. Traças foram encontradas no leite materno, nos quintais das casas, nos parques públicos, nos pastos (cerca de mil ovelhas que tiveram que ser abatidas), prejudicando o trabalho de cem pequenas empresas de criadores locais.
Há também o benzopirene, gás tóxico que provoca problemas respiratórios e tumores. Ou os diversos derivados cancerígenos dos Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos.
Recentemente, vários moradores do bairro de Tamburi encontraram chumbo em suas urinas e sangue. O chumbo ataca as sinapses no cérebro das crianças, comprometendo suas conexões nervosas.
As mortes por tumores estão aumentando de forma impressionante, mas os cálculos médicos preveem que o pique dos decessos, pela latência desse tipo de doença, acontecerá somente entre 2018 e 2020.
A Vale por trás de tudo
A siderúrgica de Taranto chama-se Ilva. Seu principal fornecedor de minério de ferro é a brasileira Vale, eleita em 2012 como “pior multinacional do mundo” (Public Eye Awards, Suíça).
A Vale está extraindo seu minério de ferro de maior qualidade e em maior quantidade nas minas de Carajás. Nessa região do norte do Brasil, a mineradora pretende duplicar o inteiro sistema de escoamento com um mega-projeto a financiamento público, extremamente impactante, que várias entidades e movimentos sociais do Maranhão e Pará demonstraram ilegal.
Ao longo da ferrovia de Carajás, operada por Vale para exportar o minério, existem na cidade de Açailândia (MA) quatro siderúrgicas com 14 alto fornos e sem nenhum filtro. Em situação pior, portanto, daquelas de Taranto. Infelizmente, as comunidades do Maranhão não têm os mesmos meios para detectar o tipo de emissões e de impactos sobre a população. Nem o Estado se preocupa com isso.
Há, porém, visível aos olhos de todos, o mesmo nível de mortes e doenças dos “irmãos na sina” do sul da Itália. No bairro industrial de Açailândia, chamado Piquiá, morreram nos últimos três meses duas pequenas crianças por problemas respiratórios. No ano passado houve mortes por tumor. Uma pesquisa da Federação Internacional dos Direitos Humanos (2011) detectou que em Piquiá 53% da população sofre frequentemente por dificuldade de respirar, falta de ar e crises de asma, enquanto 57% tem com frequência febre e dor de cabeça.
Resistências comuns
Em Taranto dizem que “um fio vermelho une os irmãos da pré-Amazônia às populações atingidas de nossa cidade”. A Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale realizou no começo de abril 2013 atividades de denúncia e solidariedade na cidade de Taranto.
Fora da sala, a poucas centenas de metros, estavam ancoradas na baía da cidade os enormes navios da Vale, os mesmos que se veem na capital maranhense de São Luís, carregando o minério de ferro de Carajás.
A magistratura de Taranto ordenou em julho 2012 o fechamento de toda a produção siderúrgica, devido aos graves impactos socioambientais. Uma lei do Estado italiano, no final de 2012, garantiu a permanência do funcionamento da empresa privada Ilva, por ser “de interesse estratégico” do País. Mais uma vez, portanto, uma lógica econômica de interesses sujos e colusos permite a agressão sistemática a populações e territórios, aos quais é pedido de ‘sacrificar-se’ em função do progresso.
A batalha social e jurídica continua de forma tensa, no sul da Itália bem como no norte do Brasil, onde ainda se espera a sentença definitiva a respeito da legalidade do licenciamento ambiental da duplicação dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás.
Enquanto isso, no Brasil...
As siderúrgicas de Piquiá continuam também, indiferentes e cínicas, sua produção de ferro-gusa e morte. A comunidade de Piquiá de Baixo, na exasperação, pede há mais de seis anos o reassentamento num sítio distante da poluição. Solução desesperada de quem pelo menos quer garantir sua vida.
Piquiá e Tamburi selaram já há alguns meses uma aliança de solidariedade e intercâmbio. São dois exemplos paradigmáticos dos impactos conectados à mineradora Vale no mundo. A eles soma-se S. Cruz, na baía de Sepetiba, Rio de Janeiro, onde a TKCSA (com consistente participação acionária da Vale) provoca os mesmos impactos sobre as comunidades de pescadores da região.
Um sistema impune continua produzindo desenvolvimento com a regra implícita “lucro privados, impactos públicos”.
A aliança entre as vítimas, porém, se faz voz de denúncia, fortalecimento das resistências locais, clamor profético dos pobres que todos nós devemos escutar e apoiar.
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Um fio de fumaça entre Itália e Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU