Por: Cesar Sanson | 27 Março 2013
Diante das tensões após assassinato de líder opositor, a tradicional marcha de abertura do Fórum Social Mundial da Tunísia foi amparada por militares fortemente armados. Ato de abertura teve discursos feitos exclusivamente por mulheres de movimentos africanos e de outros cantos do globo, inclusive de América Latina e EUA. O comentário é de Flávio Aguiar em artigo publicado por Carta Maior, 27-03-2013.
Eis o artigo.
Na terça-feira, 26, foi o dia da marcha que tradicionalmente abre as edições do Fórum Social Mundial. A concentração inicial deu-se na Praça 14 de janeiro, no começo (ou no fim?) da Avenida Habib Bourguiba, a principal da cidade, cheia de turistas, cafés, restaurantes, lojas, hotéis e agora... de gente do Fórum, com seus crachás e bolsas alusivas, dadas aos participantes pela organização.
Mas a primeira coisa que chamava a atenção – vejam só – era a imponente presença policial e militar. Arames farpados pós-modernos (daqueles que não só pinçam a roupa, mas também rasgam a carne) isolavam partes da avenida, por onde não se podia atravessar. Um destacamento de veículos de transporte estava postado ao lado da praça. Tentei filmá-lo, mas fui impedido por um diligente policial. A seguir uma legião de veículos blindados, brucutus e cascavéis (seriam brasileiros?), desfilou pela avenida, por um lado, até a praça, e voltando pelo outro, até o fim (ou começo) da avenida, onde há um quartel ou ninho deles. Policiais e militares armados até os dentes e os pentes (das metralhadoras) davam o ar da sua graça de vez em quando.
É claro: desde o assassinato de Chokri Belaïd, líder da oposição laica e de esquerda ao partido islâmico Ennahda, majoritário no governo, a Tunísia vive uma nova rodada de tensões. O então governo caiu e formou-se um novo (com os mesmos componentes partidários). O crime ainda não foi esclarecido, mas provocou um trauma profundo no país, uma vez que desde o regime colonial não se registravam assassinatos políticos, apesar da repressão, por exemplo, do governo de Zine ben Abidine Ben Ali, deposto há dois anos.
Mas ficava a dúvida: estaria aquele aparato todo em função de proteger o Fórum ou de fazer uma “demonstração” de força, antes da abertura? Oh! Dúvida cruel... A concentração e a marcha decorreram dentro do clima normal dos Fóruns. Muita gente, muita música, muito canto, muita dispersão também. Uma novidade: a marcha foi longuíssima, alguns vários quilômetros, da praça 14 de janeiro (assim batizada em comemoração à queda de Ben Ali) até o estádio de Menzah. No caminho, ela atravessou alguns dos bairros ricos da cidade, provocando uma visível irritação nos motoristas detidos por sua longa e também quilométrica passagem.
No estádio, sucederam-se os discursos de praxe. De praxe? Nem tanto. Porque foram feitos exclusivamente por mulheres de movimentos africanos e de outros cantos do globo, inclusive da América Latina e dos Estados Unidos. Essa presença vigorosa das mulheres confirmava a da marcha, onde muitos dos movimentos, evoluções e palavras de ordens vinham de seus movimentos. Impressionou-me sobretudo o discurso da representante do Mali, denunciando o desemprego em sua terra como propulsor da adesão de jovens à perspectiva de um terrorismo feito tanto de violência como de desespero, e que a guerra do Mali, com a presença das tropas francesas tem menos a ver com liberdade do que com ambição pelos recursos minerais do deserto.
Depois da longa marcha e dos discursos, algo longos também, um show de Gilberto Gil encerrou (ou abriu) à noite, alias, já bastante fria.
Quarta-feira, 27, foi o primeiro dia de Fórum propriamente dito, privilegiando a discussão de temas ligados à situação do mundo árabe, suas primaveras, conquistas e contradições. Impossível acompanhar tudo. Mas ficou evidente a preocupação de preservar a conquista de liberdade de expressão, conquistada duramente com a queda de Ben Ali, por parte de estudantes, jornalistas e militantes, que a sentem agora ameaçada pelo governo, que consideram conservador e apoiado por grupos violentos que querem impor a Sharia – a lei baseada numa visão restritiva do Corão – como padrão legal e de comportamento no país. “Sou muçulmano(a) e quero a Tunísia para todos e todas”, foi a frase que mais ouvi no campus da Universidade de El Manar.
Curiosamente, foi a frase que também ouvi do chofer de táxi que nos conduziu ao hotel depois do show na noite anterior que estava, visivelmente, decepcionado com os desdobramentos da queda de Ben Ali. Daria até para dizer que, potencialmente, ele era um saudosista do ancién régime, embora não se declarasse abertamente como tal. Dizia-se um muçulmano aberto, que tinha amigos judeus, e que não gostava do que ele chamava de “novos muçulmanos”, que estavam tentando impor um padrão único de comportamento no país.
Curioso. A ver. Nesta quinta-feira (28) o governo tunisiano oferece um coquetel de recepção às delegações de jornalistas no Hotel Afrique. Pretendo conferir.
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Marcha ‘apresenta’ o Fórum à tensão política da Tunísia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU