Por: Jonas | 19 Março 2013
O ex-provincial jesuíta e mestre de noviços, Álvaro Restrepo (foto), conversou sobre o papa Francisco e também fez menção às polêmicas relacionadas ao período da ditadura argentina. Além disso, falou sobre a necessidade da Igreja contar com um bom papa. Segundo Restrepo, o Papa dever ser “um homem tão apaixonado pelo evangelho que desconcerte todos os que buscam no papado o homem do poder e do mando. O papa deve ser desconcertante, assim como Jesus desconcertou seus próprios seguidores”.
A entrevista é de María Isabel Rueda, publicada no jornal colombiano El Tiempo, 17-03-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você o conheceu em diversas etapas de sua vida, e até o chamou de Jorge Mario. Considera-se amigo do novo papa Francisco?
Sim. Eu me encontrei com ele várias vezes, afetuosa e respeitosamente. Se sou amicíssimo dele? Depende do que consideremos amicíssimo. Se nós saímos para tomar café ou mate, não. Eu o chamo de Jorge Mario porque é assim que me referia a ele antes de ser papa. Quando era bispo, numa oportunidade, eu lhe disse “eminência”, e ele me tratava de “che, Álvaro, mira!”. Precisei me deslocar ao mesmo nível de familiaridade.
Em 1997 você era provincial dos jesuítas, e foi enviado a Buenos Aires para resolver uma dissidência armada para Bergoglio, que já era bispo de Buenos Aires...
Não deixa de ser estranho que tenham escolhido um provincial colombiano para essa missão. No entanto, eu não diria que foi uma dissidência. Eram formas diferentes de pensar.
A divisão ocorreu porque os mais ortodoxos foram com Bergoglio e os modernos se rebelaram?
Eu pensei isso, quando cheguei à Argentina. Que iria encontrar os modernos e os atrasados. Contudo, descobri que era um problema de lideranças. O argentino é muito afetivo, entrega-se, carece de um líder, e em certo momento nasceram lideranças distintas. Uns seguiam a formação de Jorge Mario e outros eram mais novos, uma geração diferente.
Você se confessou alguma vez com ele?
Certa vez, eu o visitei para fazer uma consulta muito pessoal, de orientação espiritual, que não posso dizer o que era. Deu-me uma resposta muito bonita. Muito especial. “Olha, Álvaro, se isso que está pensando é de Deus, irá se cumprir. Se não é de Deus, mostrará para você que não é por aí”.
E sim, era de Deus?
(risos). A coisa correu bem.
Nós podemos dizer que Francisco é um papa menos intelectual do que Bento, que era um teólogo e um filósofo de muitos quilates?
Concordaria que ele é menos intelectual, mas com uma formação teológica e filosófica muito boa, a oferecida a nós jesuítas, que não deixa ninguém apenas iniciado nisso.
Existe o perigo de que o papado distancie Bergoglio das pessoas, de quem tem sido tão próximo?
A Igreja precisa de um bom papa. Um homem tão apaixonado pelo evangelho que desconcerte todos os que buscam no papado o homem do poder e do mando. O papa deve ser desconcertante, assim como Jesus desconcertou seus próprios seguidores. No dia em que o Vaticano se tornar um ponto de encontro de todos aqueles que sofrem, nesse dia, a Igreja terá encontrado o bom papa que precisamos.
Você está ciente da controvérsia política ao redor do papa, por seu passado durante a ditadura de Videla?
O Nobel Pérez Esquivel fez um esclarecimento que me deu grande alegria. Disse que “não há nenhum vínculo que o relacione (ao novo papa) com a ditadura”.
O jornalista argentino Horacio Verbitsky disse outra coisa. Em seu livro “El silencio: de Paulo VI a Bergoglio”, acusa o papa de ter “entregue” dois jesuítas torturados pela ditadura militar...
Eu conheci esse dois jesuítas. Um é Francisco (Franz) Jalics, de origem húngara, e o outro é Orlando Yorio (que já morreu).
Você teve a oportunidade de escutar suas versões?
Com Orlando me encontrei tempo depois em Montevidéu. Fui visitá-lo pessoalmente um dia. Já tinha saído da Companhia, mas seguiu como padre diocesano. Jalics ficou um pouco mais na Argentina, antes de se radicar na Alemanha, e um dia foi me ver. Disse-me: “Com Jorge Mario não tenho a não ser gratidão”. Com Orlando as coisas sim, ficaram assim com sua saída da Companhia.
O padre Yorio morreu com a sua versão de que o provincial Bergoglio não os havia protegido, quando foram sequestrados de um bairro muito pobre, onde trabalhavam.
Ele lhes disse: “Vocês saiam da Argentina, pois não posso responder pela vida de vocês aqui”.
Ou seja, o padre Bergoglio pode ter desejado tirar os sacerdotes Jalics e Yorio para protegê-los?
Esta pergunta eu responderia 100% afirmativamente. A prova disso está na carta que eu tenho, enviada por Jalics, em razão da eleição do papa, dando seu testemunho de que “ele nos tratou bem, e se estamos vivos é devido a ele”. Ele o defende muito.
Como assim? Existe uma carta do padre Jalics, um dos dois jesuítas mencionados, pronunciando-se em favor do papa?
Traduzirei do italiano [a carta], já traduzida do alemão, da forma como chegou até a mim: “Vivi em Buenos Aires a partir de 1957. Em 1974, movido pelo íntimo desejo de viver o Evangelho e de estar atento à tragédia dos pobres, com a permissão do arcebispo e do então provincial Jorge Mario Bergoglio, e junto com outro coirmão (Orlando), fomos morar numa favela, num bairro miserável da cidade. Na situação de então, ou seja, de guerra civil, foram mortos pela junta militar, dentro de dez anos, cerca de 10.000 pessoas. Guerrilheiros de esquerda e civis inocentes. Em razão de informações falsas e tendenciosas, nossa situação foi mal interpretada, mesmo na vertente intereclesial. Naquele tempo, nós tínhamos feito contato com um de nossos colaboradores leigos, pois ele começou a fazer parte da guerrilha. Nove meses depois, quando esse senhor foi preso, interrogado pelos militares, passaram a ter conhecimento sobre nós”.
Vários encapuzados da vila de Bajo Flores sequestraram os dois...
Continua Jalics: “Na hipótese de que tínhamos algo a ver com a guerrilha, nós fomos presos. Após um interrogatório de cinco dias, o oficial que havia dirigido o mesmo, disse que iria nos libertar. Em suas palavras: “Padre, porque vocês não são culpados de nenhuma forma, logo buscarei uma forma para que voltem a trabalhar pelos pobres”. Apesar do apoio dessa afirmação, de algum modo incompreensível, fomos, no entanto, mantidos cinco meses no cárcere, acorrentados e com os olhos vendados”.
E em qual parte fala do papa?
Aqui vem: “Após ser liberados, não estou em condições de fazer nenhuma declaração contra o arcebispo Bergoglio. Abandonei a Argentina. Depois de anos, eu tive a oportunidade de falar com ele sobre o que ocorreu. Publicamente, juntos celebramos a missa e nos abraçamos. Não resta nada que necessite ser reconciliado. E no que a mim diz respeito, considero o ocorrido um incidente absolutamente encerrado. Desejo ao papa Francisco abundância de benção em seu ministério”.
De onde você tirou essa carta?
Enviaram-me da Cúria Geral através de um jesuíta que trabalha lá. De forma que não se trata de lavar as minhas mãos, mas relembro a fala de Jalics, que pessoalmente me contou que havia conversado com Bergoglio e que tudo estava muito bem.
Por razões políticas, estão procurando enlamear o papa Francisco? O regime dos Kirchner não o quer...
Existem muitas pessoas que tiveram as suas contradições com Jorge Mario.
Algum setor da Igreja perdeu com a eleição deste papa jesuíta argentino? De imediato, o Opus Dei?
Respondo-lhe o que, numa oportunidade, o padre geral Kolvenbach disse-me: somos muito diferentes. Quando tanta gente de boa vontade diz que a Igreja precisa de um bom papa, não quer dizer que o novo papa tenha que ser conservador ou progressista, de direita ou de esquerda. O que importa é que o novo papa seja um homem livre e decidido. Acredito que esse é Jorge Mario.
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“Todo bom papa precisa desconcertar”, afirma o jesuíta Álvaro Restrepo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU