Por: André | 15 Janeiro 2013
Luis Bambarén Gastelumendi, (na foto) jesuíta, bispo emérito de Chimbote e ex-presidente da Conferência Episcopal do Peru (CEP), é um dos bispos mais respeitados do Peru – cuja Conferência conta com 53 –, tanto por crentes como não crentes. Hoje à noite [07-01-2013], com uma missa celebrada na Igreja São Martinho de Porres, no distrito do mesmo nome, celebrará os 45 anos desde que o falecido cardeal Landázuri [Juan Landázuri Ricketts] o nomeou bispo.
A entrevista é de Ana Núñez e está publicada no jornal peruano La Republica, 07-01-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Há alguns anos você disse, em uma entrevista, que em seu dicionário particular não existem duas palavras...
É verdade, nem cansaço, nem temor. Quando se trabalha com interesse e entrega total, não há lugar para cansaço, e se não ofendemos a ninguém, não há porque ter medo. Eu passei momentos muito difíceis, colocaram bombas na minha casa, mas não deixei de estar onde tinha que estar...
Na segunda-feira [07 de janeiro], completa 45 anos como bispo e tem mais de 54 anos como sacerdote. É muito o que lhe tocou viver, muito o que lhe tocou ver, muito o que lhe tocou enfrentar...
Evidentemente, mas sou feliz fazendo felizes os outros. Como não vou ter alegria em meu coração se posso contribuir, por exemplo, com a pacificação, como quando fui à selva central para falar com “Artemio” (1)! Aí avançamos alguma coisa, apesar de que depois as conversas com Abimael [Guzmán] (2)ou outros líderes terroristas não resultaram em nada, porque pediam a liberdade de todos e ser considerados um partido político, o que é inaceitável...
Que momento ou situação o golpeou mais?
O maior sofrimento segue sendo ver que há grupos na sociedade que por gerações são marginalizados, esquecidos, ignorados. Além disso, os pobres sempre são vistos como suspeitos e os que trabalham com eles também. Me chamaram de “bispo comunista” simplesmente porque trabalhava com os pobres. Isso faz sofrer, porque são obstáculos que se encontra para conseguir a dignificação da pessoa humana.
Você enfrentou inclusive as autoridades por se colocar do lado desses setores...
Como durante o famoso “Pamplonazo” de 1971 quando se estava negociando com o ministro da Habitação, o ministro Artola (do Interior) entra a ferro e fogo no dia 05 de maio, na madrugada. Resultado: um morto, muitos feridos, barracas queimadas...
Você acabou na prisão naquela ocasião.
Sim, passei 8 horas sendo interrogado, na Segurança do Estado, e depois passei ao porão para minha identificação. Foto de frente, de perfil... Meu número de preso é 116418. Me lembro perfeitamente. Parece que meu número é o oito: nasci num dia 28, me ordenaram sacerdote em 1958, bispo em 1968, o Papa me transferiu para Chimbote em 1978, somos oito irmãos, meu sobrenome tem oito letras e meu número de preso terminava em 8...
Em nível pessoal, sofreu coisas muito duras. Em 1970 um terremoto arrasou Yungay, sua cidade natal, e matou quase toda a sua família. Dois anos depois assassinaram um de seus irmãos...
É verdade. No dia 06 de outubro de 1972 eu tive uma perseguição a balas e tudo, tentaram me assassinar. Morava em Cerro San Cristóbal. Eu saí ileso desse incidente, mas dois dias depois assassinaram o meu irmão Alfredo. Isso me doeu muito. Ele trabalhava comigo com os jovens. A população de Pamplona estava muito agradecida, inclusive os moradores colocaram o nome do meu irmão à avenida principal dessa zona.
Quem matou o seu irmão?
Eu digo textualmente as palavras do general Velasco (3), porque ele mandou o seu assessor ao enterro do meu irmão e por cortesia depois fui até ele com meu irmão mais velho para lhe agradecer. Na conversa me disse: “Sabe quem foi o autor do assassinato de seu irmão?” Eu respondi: “Não, general”. Ficou pensativo e disse: “O general Artola... Ele é capaz disso e muito mais”.
Artola havia sido defenestrado do cargo de ministro do Interior por ter prendido você, que estava liderando o pessoal de Pamplona...
É verdade, e essa foi a vingança. Me odiava porque perdeu todo o poder, então a vingança foi tratar de me eliminar. Como não conseguiu, o golpe foi moral: eliminar o meu irmão. Isso me doeu muito, muito...
Esteve em quase todos os processos de diálogo, participou da Mesa da OEA pela recuperação da Democracia, foi observador da CVR [Comissão da Verdade e Reconciliação]; por Deus, também tem a ver com a política?
Deve-se precisar bem o que é política. Política com minúscula é partidária, política com maiúscula é buscar o bem da cidade. Polis é cidade, ou seja, a comunidade humana, e Deus quer que vivamos fraternalmente unidos, nos recomenda lutar pela paz e pelo respeito à dignidade de cada pessoa.
É verdade que celebrou missa todos os dias desde que foi ordenado sacerdote?
Nunca deixei de celebrar... Perdão, uma vez fiz uma viagem ao Japão e o voo durou cerca de 30 horas e com a mudança de fuso horário, quando cheguei lá já era o dia seguinte... (risos)
Em algum momento sentiu sua fé fraquejar?
Não, nunca... Olha, em 1991, o Sendero exigiu a minha renúncia como bispo de Chimbote. Como não renunciei, assassinaram dois missionários franciscanos em Pariacoto. Como continuava em meu posto, poucos dias depois assassinaram outro. Mas o bispo não pode abandonar o seu povo. Se estava aí não era porque eu escolhi, mas porque Deus me colocou ali através do Papa. Então, aqui vem um recurso que é muito bonito: repetir o que disse Cristo: “Este é meu corpo que será entregue por vós, este é meu sangue que será derramado por vós...”. Mais, às vezes quando ia a lugares de grande risco, dizia: “Senhor, hoje vou conhecer teu rosto”. Mas quando voltava, pensava: Bom, ainda não sou digno...
Li que em 1985 percorreu colégios, sindicatos e associações para combater ideologicamente o Sendero.
Sim, isso foi muito importante. O terrorismo estava sendo combatido unicamente com armas, mas o terrorismo tem toda uma ideologia da luta armada, da tomada do poder. Então, eu me dediquei a combater a ideologia. Foi uma mensagem muito simples com a qual me comprometo com Cristo e com o Peru a ser construtor da paz e defensor da vida. No ano seguinte, um grupo de jovens vem ao meu encontro para me propor fazer um símbolo desse compromisso e daí nasce a Cruz da Paz, em Chimbote. Eu tenho um princípio: nunca se pode faltar nem com os pobres nem com os jovens, e tratei de ser fiel a esse princípio.
26 anos depois a guerra prossegue. Por que não somos capazes de terminar com o terrorismo?
Por quê? Porque, por exemplo, apareceu o Movadef [Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais] e o que difundiram: ideologia. Mas, nós o que fizemos? O que fizemos nos colégios ou nas universidades? Que mensagem se leva do valor da vida humana? No Peru se despreza a vida, nunca houve tantos assassinatos como agora. Então, duas coisas: primeiro, não devemos esquecer a história. Os jovens que não viveram isto não têm ideia da dor que significou o terrorismo para o nosso país. São cerca de 70.000 mortos, a imensa maioria camponeses e quéchuas. É importante que tudo isso seja conhecido. Segundo, não há uma mensagem sobre o valor da vida e a dignidade da pessoa.
Quem deveria dar essa mensagem?
Todos. A família, os colégios, a Igreja. Tem que ser uma tarefa de todos, porque o que vale na sociedade? As minas? A terra? As exportações? Não, o que vale é o povo.
Em uma carta que enviou à Conferência Episcopal Peruana há meio ano expressou sua preocupação com o fato de que “o rebanho (o povo) estava se afastando da Igreja”. Mantém essa preocupação?
Tenho uma preocupação ainda maior e nisso vou ser claro. Respeito o cardeal Juan Luis Cipriani na sua condição de arcebispo de Lima, porque tem a faculdade dada pelo Direito Canônico de nomear e remover os professores de teologia nas universidades, mas há também outra responsabilidade pastoral. Proibiu-se que sejam dadas aulas de teologia na Universidade Católica, e o que vai acontecer com esses alunos? Não têm o direito à sua formação religiosa? Evidentemente que têm. Eu não estou de acordo, aí há uma falha pastoral do cardeal.
E essas falhas fazem com que as pessoas desconfiem da Igreja?
O ruim é que as pessoas olham como se o cardeal Cipriani fosse a Igreja ou a cabeça da Igreja no Peru, o que não é verdade. Cada bispo depende exclusivamente do Papa, nenhum bispo é chefe de outros bispos. Ele é arcebispo de Lima, mas não é chefe da Igreja no Peru.
Então a Igreja enfrenta uma crise. Há o perigo de que os fiéis continuem se afastando...
Não é perigo, é um fato. Estão se afastando. Se, além disso, não há um trabalho com os jovens, então estamos perdendo a juventude e caindo na indiferença.
Você é um amigo de Cipriani?
Por que não seria? Eu nunca o ataco como pessoa, mas discordamos nos fatos ou nos posicionamentos.
Entendo que simpatiza com o presidente Humala.
Quero referir-me ao ponto de vista econômico. Creio que dentro de uma crise internacional, está conduzindo bem a economia do Peru, mas deve-se fazer um esforço de inclusão social, de maneira que se cumpra o objetivo que Ollanta se propôs. Não se trata de dar esmolas, mas de permitir que as pessoas sejam autoras de seu próprio desenvolvimento.
O que pensa do papel protagônico da primeira dama?
Ela faz bem em acompanhar o seu esposo. Creio que estão dando um exemplo de unidade familiar. Agora, falar de candidaturas não apenas me parece prematuro; me parece infantil.
Para terminar, é reconfortante para você ser chamado de “bispo dos pobres”?
Sim, por uma razão muito simples, isso dá confiança aos pobres para me procurarem. Eles me procuram muito, me pedem apoio para uma série de problemas que têm. A mim, particularmente, isto me reconforta porque no dia em que tomei conhecimento de que o Papa me nomeava bispo fui ao Santíssimo para oferecer a minha vida em suas mãos e me lembro do texto de Jesus em que dizia aos seus discípulos: “vão e digam o que viram: os coxos andam, os cegos veem, os surdos ouvem e os pobres são evangelizados”. Naturalmente, eu não poderei fazer o milagre de fazer caminhar um paralítico, mas cumprirei com o sinal de autenticidade de evangelizar os pobres.
Notas:
1.- Florindo Eleuterio Flores Hala, conhecido pelo nome de Artemio, está preso acusado de terrorismo (Sendero Luminoso), tráfico de drogas, assassinato e lavagem de dinheiro. (Nota da IHU On-Line)
2.- Fundador do movimento guerrilheiro Sendero Luminoso. (Nota da IHU On-Line)
3.- Juan Velasco Alvarado, militar, militar, político e presidente do Peru de 3 de outubro de 1968 a 30 de agosto de 1975. Ele substitui o presidente Belaunde Terry, derrubado por um golpe militar, em 1968. (Nota da IHU On-Line)
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“Meu compromisso é ser construtor da paz e defensor da vida”, diz bispo peruano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU