Por: André | 24 Julho 2012
A página suja da mineração ilegal na região peruana de Madre de Dios está repleta de acidentes que ninguém conta, assassinatos que não são apurados e abusos de mulheres e crianças presas em redes de prostituição, tráfico e trabalho infantil. O presidente Ollanta Humala e sua esposa, Nadine Heredia, denunciaram o problema em diferentes fóruns internacionais, assim como no último conselho de administração da OIT em Genebra, em junho passado.
A informação é do jornal espanhol El País, 22-07-2012. A tradução é do Cepat.
“Jacqueline, de 15 anos, foi resgatada em maio passado de um prostíbulo em que trabalhava depois de passar dois meses como cozinheira em um acampamento mineiro. A dona do local está sob investigação por tráfico de mulheres”. Flor Ayerbe, coordenadora do albergue juvenil da Associação Huarayo, garante que na zona mineira há muitos bares que na realidade são “prostíbulos”. “Em 2011, atendemos 106 casos de menores resgatadas destes locais. Há muitos outros casos, mas é difícil resgatá-las”.
Rocío Sotomayor, advogada e comissionada da Defensoria Pública para assuntos de mulheres, revela “o único caso reportado”: “Uma garota de Apurímac, de 16 anos, foi maltratada na zona de Mazuko por se negar a tomar uma taça com um cliente. Não podia caminhar”.
As mulheres, adultas e menores, são contratadas como damas de companhia, cujo trabalho consiste em fazer os clientes consumirem álcool. No jargão do local, chama-se fichar. Muitas jovens são recrutadas em Cuzco, Puno, Ayacucho, Apurímac, Juliaca e outras cidades andinas, através de anúncios nos mercados que oferecem um posto de cozinheira em um bar ou para cuidar de bebês. “Até que chegam ao seu destino não tomam conhecimento da verdade”, disse Flor Ayerbe.
É impossível saber com precisão o número de prostíbulos nos acampamentos mineiros. Os botecos abrem e fecham em função do nomadismo da clientela. “Se isto continuar assim, acabaremos sendo o prostíbulo do Peru”, vaticina o enfermeiro Willy Valencia, que me acompanha na viagem.
Secretos é um dos locais mais frequentados. O dono dá sua versão sobre as condições de trabalho das cerca de 20 menores às suas ordens: “Todas têm contrato e cartão de saúde. Aqui só podem tomar um copo com o cliente. Se quiser alguma coisa a mais, pode levar a moça a outro lugar”. Posso falar com alguma delas? “Agora estão descansando; elas acordam mais tarde”. Na parte de trás do local, duas moças de traços caribenhos lavam roupa num tanque improvisado. Não parecem muito felizes. O enfermeiro oferece ao proprietário 10 caixas de preservativos “para a segurança das moças e dos mineiros”, que o dono recusa. “Se a Polícia encontrar preservativos vai nos acusar de prostituição e fecham o local”.
A realidade é que a imensa maioria dos prostíbulos não tem licença, apenas alguns poucos podem vender álcool até às 23h. As moças estão camufladas como camareiras. Há mais de 70 processos judiciais em curso por tráfico de pessoas, e apenas quatro têm sentença firme.
Américo, de 12 anos, vendia guloseimas das 17h às 23h em diferentes prostíbulos. Entregava o dinheiro à senhora com quem vivia. “Tinha que dar a ela cada noite 20 soles (6,25 euros). Caso não os conseguia, ela brigava comigo. Um dia não deixou de me insultar. Não aguentei mais e fugi”, explica. Um agente da Promotoria o levou ao abrigo Huarayo há um ano. Américo deixou de ir à escola aos 7 anos e começou a trabalhar na construção com seu padrasto. “Quando chegou aqui não sabia ler, mas aprendeu rápido. Agora está feliz, quer ser engenheiro”, disse a coordenadora do albergue juvenil. Na mineração, qualquer tipo de trabalho infantil está proibido, embora o Ministério do Trabalho não tenha feito uma única inspeção neste território. Uma visita à escola Francisco Bolognesi é reveladora. Os antigos pavilhões de teto de uralite e janelas sem vidros abrigam 450 alunos do primário e do secundário. A maioria tem vínculos familiares com o mundo da mineração ilegal.
Os pais de Ray, de 13 anos, têm “um motor” (uma draga) no qual trabalham quatro pessoas. O rapaz ajuda na instalação de luz, e quando falta “uaipe” ou óleo para o motor, vai “até a pista comprar”.
Lissette, também de 13 anos e filha de mineiro, vive em um acampamento na zona de San Francisco. “Saio às cinco da manhã e chego à escola às 8h”. À tarde cozinha para os trabalhadores. Tem dois irmãos, de 16 e 11 anos, que trabalham no ouro, “desmatando a montanha”.
María, de 15 anos, descreve o medo de seus pais depois que a Polícia destruíra seu motor para bombear água e lavar o ouro, junto ao rio Malinowski. Daysi, sua companheira de escrivaninha afirma: “Sem a mineração eu não estaria aqui. A gente sabe que está contaminando o ambiente, mas a mineração dá trabalho”.
Em seus oito anos de existência, a escola cresceu graças ao boom mineiro, relata Rony Silva, professor de Comunicação. “Os alunos mudam com frequência, porque seus pais vão e vêm”. Há quatro computadores que não funcionam, e aqui acabam os meios técnicos do centro. É a única escola de ensino secundarista em toda a zona mineira.
A Relatora Especial das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão visitou Madre de Dios no ano passado. Em seu relatório qualificou os trabalhos que as crianças realizam na atividade mineira como uma forma de escravidão contemporânea e denunciou a falta de acompanhamento dos casos relativos à exploração do trabalho.
A magnitude do tráfico de pessoas está refletida nos 17 bilhões de dólares que esta atividade criminosa movimenta anualmente, segundo a ONU. Segundo explica Dolores Cortés, a Organização Internacional para as Migrações calcula que mais de dois milhões de pessoas são vítimas de tráfico em todo o mundo.
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O lado mais sujo do ouro peruano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU