14 Janeiro 2013
Na Venezuela, Carabobo costuma votar na oposição ao presidente Hugo Chávez, e o governador Enrique Salas Feo, que derrotou os chavistas em 2008, contava com a tradição para, pela quarta vez, comandar esse Estado venezuelano de nome propício a trocadilhos. Carabobo preferiu, com 53% dos votos, o chavista Fernando Ameliach. Na surra que levou em dezembro dos aliados de Chávez, a oposição perdeu cinco dos oito Estados que governava, entre eles Zulia, o mais populoso do país. No total, dois meses após elegerem Chávez com 1,3 milhão de votos acima dos conquistados pelo oposicionista Henrique Capriles, os venezuelanos deram, aos candidatos governistas, um milhão de votos a mais que à oposição.
A reportagem é de Sergio Leo e publicada pelo jornal Valor, 14-01-2013.
De olho nesses números, autoridades brasileiras fazem uma aposta. Se ela é séria ou não, será fácil de verificar, em breve: para o governo brasileiro - e um batalhão de analistas - novas eleições, no futuro próximo, consagrariam os chavistas, abraçados aos recentes êxitos eleitorais e à comoção com a incapacitação ou morte do comandante bolivariano. Por isso, no Palácio do Planalto, será surpresa se não vierem, logo, eleições na Venezuela.
Votos não bastam para sustentar um país democrático, garante, com razão, a legião de carpideiras que chora, um tanto precipitada, a morte da democracia na Venezuela. O chavismo, de fato, tomou gosto pelo uso arbitrário das instituições democráticas, como no tortuoso voto do Judiciário venezuelano que garantiu a posse ao chavismo, mesmo com o presidente eleito entubado em hospital cubano. Chávez, no mínimo, está temporariamente impedido de exercer o poder; mas, para o Supremo da Venezuela, só se configuraria sua falta temporária se anunciada por decreto.... do próprio Chávez.
Em caso de "falta temporária" do presidente, o artigo 234 da Constituição venezuelana diz que cabe ao vice-presidente assumir; se uma junta médica constatar falta absoluta (morte ou incapacidade, por exemplo), o presidente da Assembleia Nacional assume. O Supremo venezuelano não nomeou junta médica nem tratou de faltas presidenciais; na prática, estendeu o mandato de Chávez, licenciado em dezembro para tratamento em Cuba.
Os juízes da Venezuela raciocinaram que Chávez, presidente, teve a necessária autorização da Assembleia para ausentar-se por mais de cinco dias em tratamento de saúde, e a Constituição não seria clara sobre o que fazer se ele não pudesse fazer o juramento de posse perante a Assembleia, como prevê o artigo 231. Se jurasse dia 10, o faria no Legislativo. Impossibilitado, poderia jurar perante o Judiciário, mas sem data definida, na interpretação dos magistrados de toga chavista.
O que falha no arrazoado pró-Chávez é a injustificável recusa em mandar a Cuba uma junta médica para avaliar as condições reais para Chávez assumir o poder, ainda que temporariamente. Também é preocupante o argumento de que o juramento é "mera formalidade" porque, afinal, o presidente em fim de mandato é o mesmo que deve assumir no novo período constitucional. As instituições e a democracia são sustentadas por formalidades; elas são o seguro a pagar contra o casuísmo, oportunismos e arbitrariedades.
Os chavistas têm, porém, um bom argumento: enquanto houver possibilidade de recuperação para o presidente eleito com 7,4 milhões de votos, 54,4% do total, tirar-lhe a cadeira presidencial e convocar candidatos seria precipitar uma crise. Há quem diga que os chavistas temem avançar o sinal do chefe e sofrer punições, caso ele se recupere, ainda que por pouco tempo.
O assessor presidencial Marco Aurélio Garcia, único palaciano de primeiro escalão a comentar o tema, escorregou ao repetir um argumento chavista de que se deve levar em conta, no debate sobre a posse, de que a reeleição de Chávez representa, na prática, uma continuação do mandato. Mas é incorreto deduzir que, por isso, Garcia saiu em defesa de todas as teses chavistas: ele, claramente, citou a "cobertura constitucional" - que é real - para um período de 180 dias de governo interino, à espera de definições sobre a saúde de Chávez. E não se pronunciou sobre o grande debate atual em Caracas, se quem deve ser o interino é o vice, Nicolás Maduro, ou o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello.
É notável que o principal concorrente de Chávez, Henrique Capriles, governador eleito do também populoso estado de Miranda, tenha assumido papel moderador, convocando os venezuelanos a acatar a decisão do Judiciário, e, após a decisão, mantendo-se à parte das manifestações mais acaloradas. Ele se limitou a criticar a "paralisia" do governo e cobrar "trabalho" dos chavistas. Também curiosa foi a revelação, pela Casa Branca, de que autoridades americanas como a subsecretária de Estado para a América Latina, Roberta Jacobson, escolheram Maduro como interlocutor, em novembro, para tratar de um esforço de reaproximação diplomática EUA-Venezuela.
Capriles, Garcia e Jacobson foram surpreendidos, como todo o mundo, por uma senhora mais caprichosa que qualquer caudilho, na Venezuela: a Natureza. As doenças não seguem diretrizes políticas; se o fizessem, o mal que levou Chávez à cirurgia esperaria uns dias para se agravar, e tornaria sem sentido a atual discussão que envolve a sucessão venezuelana. Chávez já havia designado Maduro para, se empossado, conduzir a transição, em caso de morte. Os chavistas, agora, buscam ganhar tempo, para não dar atestado antecipado de óbito a seu líder e também acomodar suas facções.
O chavismo venceu, com o voto popular, mas, até por força da história venezuelana, tem traços assustadores de autoritarismo. Quem vestir as botas de Chávez, sem a popularidade e autoridade do chefe, terá de pisar manso, em terreno movediço. Ou será tentado a meter o calcanhar sobre o que resta de democracia na Venezuela. Se o governo brasileiro manteve boa relação com Chávez, até como forma de conter seus excessos, mais razão tem, agora, de administrar a relação com os chavistas sem endossar os maniqueísmos comuns entre analistas da cena venezuelana.
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O dilema do Brasil e os chavistas sem Chávez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU