31 Outubro 2012
Surgia no Concílio uma teologia dinâmica que emergia na cultura católica, sob o impulso da Théologie Nouvelle, elaborada especialmente pelos mestres da escola francesa, e da renovação bíblica, catequética, litúrgica.
Publicamos aqui a segunda parte do artigo do vaticanista italiano Giancarlo Zizola, falecido em 2011, que começou sua carreira de jornalista escrevendo suas crônicas sobre o Concílio Vaticano II por indicação do próprio Papa João XXIII e de seu secretário, Loris Capovilla.
O artigo póstumo – originalmente uma conferência proferida em Assis, em 2004 – foi publicado na revista Rocca, n. 20, 15-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Dois tipos de católicos
De fato, dois tipos de católicos se confrontavam, tentando entender uns as razões dos outros. Para aqueles que estavam fixados à Igreja dos freios, era uma surpresa: pela primeira vez desde o Concílio de Pio IX no fim do século XIX, a Igreja saía da uniformidade. Não era nada óbvio que esses dois "partidos" pudessem se entender. Uns viam na Igreja sobretudo o depósito que lhe foi confiado por Cristo, a verdade fixada nas definições dogmáticas e nos ritos, e defendiam que era necessário que cada geração a transmitisse intacta e inalterada àqueles que vinham depois.
Para os outros, o que importava acima de tudo era a evangelização do mundo e, particularmente, dos pobres. Estes se interessavam menos pela instituição como tal, pelo dogma, pela moral do que pela "boa notícia", que era preciso levar aos povos que ainda não a haviam recebido ou a haviam conhecido mal, ou também àquelas sociedades pós-cristãs que o processo de secularização estava agredindo, desmantelando vertiginosamente os aparatos arcaicos, mas obsoletos e agora cada vez menos eficazes do regime de cristandade dentro de cujos privilégios concordatários a Igreja se sentia garantida, muito mais do que envergonhada.
Sem dúvida, o Papa João XXIII queria o Concílio, e logo o disse com clareza, não para definir pontos doutrinais ou formular novas condenações, mas precisamente para oferecer em uma linguagem nova e com um magistério predominantemente pastoral a antiga doutrina.
Um dia, na audiência habitual com o diretor da Civiltà Cattolica, padre Tucci, hoje cardeal, ele lhe mostrou um dos esquemas preparatórios: "Este texto, veja, contém 14 condenações. Eu as contei. E sabe-se lá quantas outras os outros têm. Podemos continuar assim?".
Mas todas as minhas pesquisas me convenceram de que o movimento das mentalidades no Concílio foi inicialmente muito lento. Eu acredito que os Padres começaram a compreender verdadeiramente as intenções do papa apenas no fim da primeira sessão, em dezembro de 1962, quando puseram de lado os esquemas preparatórios e aceitaram um novo método de trabalho.
Era uma teologia dinâmica que emergia na cultura católica, sob o impulso da Théologie Nouvelle, elaborada especialmente pelos mestres da escola francesa, e da renovação bíblica, catequética, litúrgica: lembro muito bem a impressão que me causou o bispo de Vittorio Veneto, Dom Albino Luciani, um amigo de família para mim, quando eu o ia encontrar no quarto que ele ocupava em um instituto de irmãs em Roma. Ele passava as tardes estudando, porque, me dizia, "tudo o que eu aprendi na Gregoriana agora não serve mais; tenho que me tornar estudante de novo e, por sorte, tenho como colega de banco na sala conciliar um bispo africano que me passa os textos dos peritos do episcopado alemão. Assim, posso me preparar melhor".
Podemos entrever nesse episódio os misteriosos slalons do Espírito: o futuro Papa João Paulo I se fazia humilde aluno de uma renovação teológica que transitava pela África, fazia escala na Europa e concluía a sua viagem em um pequeno bispo de Belluno.
Os bispos estudavam, mas nós, jornalistas, também tínhamos que nos tornar um pouco estudantes de teologia. Foi uma sorte que não tiveram os "vaticanistas" que vieram depois de nós. Parece-me, infelizmente, que não se está fazendo o suficiente no Vaticano para que essa diferença cultural pode diminuir.
As relações com a mídia também mudaram. A análise histórica já chegou a estabelecer com um grau suficiente de segurança que o papel da informação religiosa durante o Concílio teve uma influência libertadora para acelerar o progresso geral da Igreja romana rumo à apreciação das instituições democráticas e à conquista conciliar da liberdade religiosa.
O meu testemunho fornece a modestíssima contribuição de uma vivência pessoal e não ambiciona a nada mais do que a restituir algum fragmento empírico, mas sincero, de um acontecimento histórico único pelas suas dimensões quantitativas – a maior assembleia internacional que se reuniu a 17 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, com bispos de todas as nações e continentes, provenientes também da área comunista; a assembleia conciliar mais numerosa nos 20 séculos de história do cristianismo e, indubitavelmente, o empreendimento cultural mais complexo jamais abordado na história humana, porque envolvia um sistema religioso universal e difuso com a história político-religiosa única da Igreja Católica Romana (1).
Nota:
1. A assembleia era formada por 7 patriarcas, 80 cardeais, 1.619 arcebispos e bispos residenciais, 975 bispos titulares, 97 superiores gerais de ordens e congregações religiosas, 42 auditores leigos, 400 teólogos. Pela primeira vez, dela participaram em papéis até interativos os observadores delegados das Igrejas e comunidades cristãs separadas da comunhão com a Igreja de Roma.
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Vaticano II: uma etapa decisiva de um caminho que deve continuar. Artigo de Giancarlo Zizola – Parte 2 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU