17 Setembro 2012
Mesmo antes da morte do embaixador dos EUA Christopher Stevens e de três outros norte-americanos na Líbia, a viagem do Papa Bento XVI entre os dias 14 e 16 de setembro ao Líbano se configurava como muito desafiadora. O pontífice terá que navegar pela complexa mistura inter-religiosa do do Líbano, contra o pano de fundo do que equivale a uma guerra civil na vizinha Síria.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 13-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Agora, a viagem também se torna a primeira visita de um importante líder ocidental ao mundo árabe depois dos ataques no Egito e na Líbia, e com a perspectiva de mais violência no horizonte. Grandes questões se assomam: a presença do papa irá inflamar ainda mais o sentimento islâmico extremista? Ou a visita irá atuar como uma barreira anti-incêndios, oferecendo uma contranarrativa da harmonia muçulmano-cristã?
Se o papa, indiscutivelmente o símbolo por excelência da civilização ocidental, for bem recebido em um país conhecido como um reduto do Hezbollah, isso poderia oferecer esperança para que as "cabeças frias" prevaleçam em toda a região.
Em todo caso, essa 24ª viagem internacional de Bento XVI e a sua quarta ao Oriente Médio poderia estar entre as suas mais consequentes.
Ciente dos riscos, o Vaticano já enviou sinais conciliatórios. O padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, divulgou um comunicado na terça-feira expressando simpatia pelos muçulmanos incomodados com um filme norte-americano anti-islâmico citado como um pretexto para os ataques no Egito e na Líbia.
"O profundo respeito pelas crenças, textos, figuras proeminentes e símbolos das várias religiões é uma pré-condição essencial para a pacífica coexistência dos povos", disse Lombardi.
"As graves consequências da ofensa injustificada e das provocações contra as sensibilidades dos crentes muçulmanos estão mais uma vez evidentes nestes dias, como podemos ver nas reações que despertam, às vezes com trágicos resultados, que, por sua vez, alimentam a tensão e o ódio, desencadeando violências inaceitáveis" , disse.
Lombardi disse que Bento XVI irá trazer uma "mensagem de diálogo e de respeito para todos os crentes das diversas religiões" do Líbano.
Todos os sinais sugerem que os anfitriões libaneses do papa querem que a visita tenha sucesso.
Na semana passada, o primeiro-ministro, Najib Mikati, um muçulmano sunita, anunciou que o sábado seria declarado como feriado nacional em honra à chegada do papa. O líder do Hezbollah, xeique Hassan Nasrallah, saudou publicamente a visita, descrevendo-a como "extraordinária e histórica".
Outros líderes muçulmanos também concederam notas positivas, incluindo o Grão-Mufti Xeique Rashid Qabbani, sunita.
"Os regimes no mundo árabe estão mudando, e todos nós queremos ter segurança, igualdade e justiça. Espero que a visita do papa reflita isso", disse Qabbani.
O clérigo xiita Sayyed Mohammad Hasan al-Amin foi igualmente entusiástico.
"Os cristãos são uma parte importante da estrutura libanesa, e a visita do papa enfatiza a coexistência entre muçulmanos e cristãos no país", disse.
Na quarta-feira à noite, a agência Asia News informou que cristãos e muçulmanos se reuniram na Praça do Museu de Beirute para realizar uma vigília de oração antes da chegada do papa. Bandas musicais tocaram, e muçulmanos leram versículos do Novo Testamento, enquanto um cristão leu passagens do Alcorão.
Além disso, há um amplo interesse regional. No Egito, o padre Greiche Rafic, porta-voz da Igreja Católica egípcia, disse que é vital que a viagem papal siga em frente.
"Essa visita é uma grande oportunidade para mostrar que a paz é a única alternativa possível ao ódio e à guerra", disse Greiche.
"A presença de Bento XVI a poucos quilômetros da Síria é uma mensagem de solidariedade e de diálogo para o Oriente Médio e para as populações cristãs e muçulmanas, que são as protagonistas da Primavera Árabe e das facções islâmicas que lutam entre si", disse ele.
Ao mesmo tempo, Greiche aludiu ao delicado ato de equilíbrio que aguarda pelo papa – o fato de expressar simpatia pelas sensibilidades muçulmanas feridas, ao mesmo tempo em que rejeita o extremismo e defende o seu próprio rebanho. Enquanto os muçulmanos egípcios estão armados diante de um obscuro filme norte-americano, disse Greiche, ninguém está se opondo ao que ele descreveu como rotineiros "insultos e ataques contra os cristãos" na mídia egípcia controlada por grupos muçulmanos.
Certamente, há uma série de caminhos para que as coisas deem errado durante os três dias do papa no Líbano, começando pela possibilidade de uma violação de segurança. O ministro do Interior do país, Marwan Charbel, disse aos jornalistas na quarta-feira que o Exército e a Guarda Presidencial foram mobilizados, juntamente com a polícia regular para fornecer proteção extra.
Também há o risco de uma retórica politicamente incendiária – talvez não tanto do próprio papa, que evitou largamente um drama desse tipo desde o discurso de 2006 em Regensburg, na Alemanha, que inflamou os sentimentos muçulmanos ao parecer vincular Maomé à violência –, mas sim das pessoas com quem ele irá compartilhar os palcos.
Nessa sexta-feira, por exemplo, Bento XVI foi recebido até a basílica greco-melquita de Beirute pelo Patriarca Gregorios III Laham, que já criou um pequeno incidente quando um texto antecipado do seu discurso de boas-vindas misteriosamente apareceu online na semana passada. Nele, Laham pedia que Bento XVI reconhecesse a Palestina, antes de um impulso esperado para o reconhecimento na Assembleia Geral da ONU no fim deste mês.
Em geral, os líderes cristãos do Oriente Médio, cuja maioria é de árabes, tendem a ser expressivamente apoiadores da causa palestina. O texto de Laham foi retirado logo depois de ter aparecido, e Lombardi disse depois que é inútil especular sobre um discurso de boas-vindas duas semanas antes de ele ser proferido.
Oficialmente, a linha diplomática do Vaticano favorece um caminho negociada para uma solução de dois Estados para o conflito Israel/Palestina, evitando "gestos unilaterais" de cada lado. Se Laham ou alguém levantar a questão, isso poderia forçar os porta-vozes do Vaticano a se engajar nela, potencialmente criando um distrativo espetáculo à parte.
No fim, se Bento XVI se mantiver a salvo nos próximos três dias, evitar novas polêmicas e for basicamente bem recebido, isso por si só poderia oferecer um simbolismo importante, especialmente no contexto dos recentes acontecimentos.
O objetivo formal para a viagem é que Bento XVI apresente um extenso documento, chamado de "Exortação Apostólica", oferecendo as conclusões de um Sínodo dos Bispos sobre o Oriente Médio, em Roma, em 2010. Intitulado Ecclesia in Medio Oriente, o documento será assinado pelo papa na basílica greco-melquita de São Paulo.
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Bento XVI poderá ser uma ''barreira anti-incêndios'' no Oriente Médio? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU