02 Agosto 2012
Na última segunda-feira (30) começou o polêmico processo contra três integrantes do grupo musical Pussy Riot, acusadas de atentado ao pudor e de ofender os sentimentos religiosos dos ortodoxos por sua incursão provocadora na catedral do Cristo Salvador, em Moscou.
A reportagem é de Pilar Bonet, publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 01-08-2012.
Na manhã de 21 de fevereiro, com o rosto coberto por gorros com buracos e vestidas com roupas chamativas, Nadia Tolokonnikova, Maria Alekhina e Yekaterina Samutsevich subiram ao altar e entoaram versos contra Vladimir Putin e sua relação com a Igreja Ortodoxa russa.
As garotas não chegaram a conectar a guitarra elétrica e o alto-falante que levaram. Em sua aventura fugaz, mal articularam meia estrofe. As pessoas as ouviram dizer: "Mãe de Deus, expulse Putin" e também "Mãe de Deus, torne-se feminista". E repetir: "merda, merda, merda de Deus". Esta última frase aparentemente se referia à hierarquia da maior confissão religiosa do país, por suas atividades comerciais e seu apoio a Putin. A Igreja Ortodoxa tem uma posição mais ativa na vida política da Rússia desde que Kiril chegou ao patriarcado.
As pessoas que estavam no templo - entre elas a limpadora de cera dos candelabros, um vigilante de uma empresa de segurança, um seminarista encarregado do altar e um fiel que entrou para comprar um objeto de culto - neutralizaram as Pussy Riot e as expulsaram depois de retirar suas máscaras, como relatam os depoimentos colhidos na ata de acusação. O texto afirma que as mulheres agiram de forma organizada e premeditada, movidas pelo ódio religioso, e infligiram "grandes sofrimentos" aos fiéis. A acusação fala em "blasfêmia", "sacrilégio" e "ataque ao caráter sacramental do segredo eclesiástico", termos que, segundo Marketing Feigin, o advogado das Pussy Riot, não estão identificados no Código Penal da Federação Russa, que oficialmente é um Estado laico.
"A ata de acusação reflete uma realidade política, e não jurídica nem penal", indica Feigin. "Todas as invocações à esfera metafísica, religiosa e moral são tentativas artificiais de forçar a existência de crime, mas é preciso saber um pouco de religião e filosofia para conseguir um texto convincente", opina. Feigin diz que o juiz rejeitou 35 testemunhas que ele havia proposto, entre elas o patriarca Kiril. As testemunhas de acusação são exatamente a limpadora, o vigilante e o seminarista, e todos se dizem cristãos fervorosos e informam que foram batizados e, em alguns casos, guardam o jejum. Feigin afirma que não deram importância ao incidente e depois mudaram repentinamente de opinião.
No início de março, as três mulheres (uma filósofa, uma jornalista e uma fotógrafa, todas feministas, segundo Feigin) foram detidas e estão presas à espera do julgamento. Poderão ser condenadas a um máximo de sete anos de prisão. O incidente pode ser resolvido com uma multa, uma detenção ou uma pena de trabalhos sociais, mas se transformou em uma disputa entre o sistema representado por Putin e os defensores do Estado laico.
Feigin acredita que Putin pessoalmente está na origem da severidade empregada com elas. A Justiça russa é muito dependente do poder político quando se trata dos interesses do Kremlin. Petr Verzilov, o marido de Tolokonnikova, afirma que lhe negaram cinco vezes autorização para que sua filha Guera, de 4 anos, visitasse sua mãe. As Pussy Riot foram declaradas prisioneiras de consciência pela Anistia Internacional.
O processo transcorre no tribunal Khamovnichesky de Moscou, o mesmo lugar onde foi processado o magnata Mikhail Khodorkovski. "O petroleiro havia rompido um pacto com o Kremlin e havia dinheiro e interesses materiais no meio. As Pussy não têm dinheiro, mas tocaram um ponto delicado no esquema de Putin", salienta Feigin. "De forma paranoica, Putin interpreta uma apelação à virgem na igreja como um desafio pessoal. Neste caso é uma prova do desenvolvimento do autoritarismo na Rússia", declara o advogado. Em Berlim, em março, Putin pediu perdão ao clero e aos fiéis pela ação das garotas e declarou: "Espero que isso não volte a acontecer". De nada serviram os apelos assinados por personagens do mundo da cultura e fiéis ortodoxos para que se relaxe o tratamento severo que as mulheres recebem. Muitos dos signatários condenam seu comportamento do ponto de vista moral e o julgam provocativo, inadequado e de mau gosto.
Em uma entrevista, as Pussy Riot afirmaram que respeitam as religiões, entre elas a ortodoxa, e que por isso rejeitam a "suja utilização da grande filosofia cristã". Jogando com as palavras "khram" (igreja) e "sram" (merda), afirmam que a igreja de Cristo Salvador é na realidade a "merda do Cristo Salvador". Não se trata da "casa de Deus, senão do escritório da Igreja Ortodoxa russa". Esse templo "não se parece com um lugar de vida espiritual, e sim com um centro de negócios, com salas de banquetes que são alugadas, uma lavanderia e um estacionamento de automóveis vigiado", afirmavam. Em abril, o patriarca Kiril mostrou a força da ortodoxia diante do liberalismo e levou às ruas 65 mil pessoas, "em defesa da fé, dos santuários profanados e da igreja".
As mulheres poderiam ter sido julgadas por um crime menor, mas a Justiça escolheu um considerado grave, o que permitiu prendê-las de imediato e enviá-las para uma prisão remota se forem declaradas culpadas. As repercussões do caso chegaram longe.
Petr Verzilov, que junto com Tolokonnikova foi um dos fundadores do grupo artístico Voina (dedicado à arte provocativa), declara que o conjunto americano de punk Antiflag dará um show em Berlim dedicado às Pussy Riot.
As rimas da discórdia foram traduzidas para vários idiomas e dizem assim: "Mãe de Deus, virgem, expulse Putin / expulse Putin, expulse Putin / batina negra, galões dourados / todos os fiéis se arrastam para fazer uma reverência / nos céus há um fantasma da liberdade / o orgulho gay foi preso e enviado à Sibéria / o chefe do KGB, seu santo chefe / leva os que protestam vigiados ao calabouço / para não ofender sua santidade, as mulheres devem parir e amar / [vocês são] a merda, merda, merda de Deus.".
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Julgamento de mulheres de grupo punk se transforma em causa contra o laicismo na Rússia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU