Por: Cesar Sanson | 25 Julho 2012
Após três décadas de polêmicas e incertezas, o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, ainda divide opiniões. Apesar da importância estratégica dos projetos espaciais na região, as populações locais sofrem até hoje os efeitos negativos de sua realocação.
A reportagem é de Henrique Kugler e publicada pelo sítio Ciência Hoje, 24-07-2012.
Em terras maranhenses, poucos assuntos incitam discussões tão acirradas quanto a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). “Se, por um lado, ele simboliza nossa ‘janela para o espaço’, por outro, ele se tornou um nefasto violador de nossos direitos fundamentais”, atacou o advogado Danilo Serejo Lopes, quilombola integrante do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe).
Quem ouve a afirmação assim, de passagem, pode pensar que é exagero. Mas não é – o próprio presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), o matemático e também maranhense José Raimundo Coelho, concordou com parte das críticas colocadas pelos militantes do Mabe durante a 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em São Luís (MA). “Estive em Alcântara recentemente e vi com meus próprios olhos: a situação lá ainda carece de muitos cuidados”, admitiu o presidente da AEB.
Aos fatos: no início da década de 1980, no âmbito do programa espacial brasileiro, o poder público apropriou-se de aproximadamente 52 mil hectares de terras alcantarenses. Cerca de 300 famílias foram realocadas nas chamadas ‘vilas agrárias’. Mas a um detalhe não foi dada a requerida atenção – aquelas comunidades eram de pescadores, de culturas ligadas às águas, e foram enviadas para terras interioranas que pouco tinham a ver com suas raízes e modos de vida.
“Além disso, o Estado nos deu terras em regime individual, mas nunca soubemos o que é isso; nossas áreas sempre foram de uso comum”, contextualizou Lopes, lembrando que, em sua maioria, eram terras inférteis. “Não garantiam nossa subsistência e hoje colhemos os frutos dessa política impensada.”
Somava-se ao drama o que o advogado do Mabe chamou de "paranoia dos militares". “Obcecados pelos conceitos de segurança e soberania territorial, eles muitas vezes não permitiam que os quilombolas utilizassem os rios e igarapés para suas atividades de pesca", explicou Lopes, complementando mais adiante: "Afinal, pescadores e ribeirinhos poderiam ser potenciais espiões, ou infiltrados de células comunistas".
Tal sucessão de episódios foi a gênese de um trauma social que é, ainda hoje, uma das questões mais candentes do Maranhão.
Importância estratégica
O interesse do Brasil na continuidade dos projetos espaciais em Alcântara se justifica por razões técnicas. O município fica em uma latitude privilegiada (2ºS), praticamente sobre a linha do Equador. Muitos satélites de interesse comercial descrevem órbitas equatoriais e, por isso, a proximidade entre a base de lançamento e a linha do Equador representa notável vantagem em termos de economia energética e viabilidade operacional.
Outro quesito que faz de Alcântara um município cobiçado para a atividade espacial é a segurança. A proximidade do mar garante que, em caso de acidente, os objetos lançados aos céus caiam nas águas, o que minimiza os riscos para populações que habitam o continente. As obras dos sítios de lançamento seguem a todo vapor – ou nem tanto, a depender dos flutuantes recursos destinados ao programa espacial brasileiro. “Quem acompanha a questão deve saber que, a cada ano, novas incertezas, em termos de financiamento, se colocam no caminho da continuidade dos nossos projetos espaciais”, lembrou Coelho.
“Mas esperamos que até 2014 consigamos preparar as instalações do CLA para um novo lançamento”, adianta o presidente da AEB. Segundo ele, o Brasil vislumbra um futuro promissor no que se refere ao mercado aeroespacial – uma vez que Alcântara é opção sedutora para a demanda mundial por lançamentos de foguetes e satélites, por exemplo.
Fronteiras do atraso
Coelho enfatizou a importância de se exigir, em Alcântara, centros de ensino e pesquisa de ponta. “Não quero que as próximas gerações de quilombolas sejam de meros soldados a serviço dos sítios de lançamento; desejo, sim, que sejam os cientistas e pesquisadores capazes de levar em frente nossa exploração espacial e colocar um ponto final nessa história de segregação que se arrasta pelas últimas décadas.”
Lopes, advogando em nome do Mabe, concordou. “Não somos contra o CLA, não somos contra o programa espacial brasileiro”, afirmou. “Entendemos sua importância estratégica e queremos, de fato, que nossos filhos tenham a chance de se inserir como partes pensantes desses projetos. Mas não podemos permitir que continuem nos privando do direito constitucional de vivermos em nossas terras.”
No fim das contas, entre consentimentos e desavenças, a base de Alcântara não deixa de ser um retrato típico da contradição generalizada que é o Brasil. Afinal, trata-se de um centro de tecnologia de ponta circundado por terras onde o século 21 mal chegou; um ambiente de prosperidade científica regada à tecnologia aeroespacial de fronteira nas barbas do litoral do Maranhão – o estado mais pobre do país segundo o último censo do IBGE.
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Base de Alcântara. Impasse permanece - Instituto Humanitas Unisinos - IHU