22 Março 2011
Sérvulo de Jesus Moraes Borges é representante do Movimento dos Afetados pela Base de Alcântara – Mabe. Ele foi militar da Aeronáutica. Hoje, no Mabe luta contra o Centro de Lançamento de Alcântara, a segunda base de lançamentos de foguetes da Força Aérea Brasileira, criada em 1989 no município de Alcântara, a 408 quilômetros de São Luís, no Maranhão. Implantada em uma área de muitos quilombos, a base de Alcântara está gerando um desarranjo social, uma vez que deslocou 32 comunidades que foram retiradas dos quilombos e que acabaram sendo assentadas em outros lugares. “Eu sempre fui quilombola; apenas estive militar [da Aeronáutica] por algum tempo”, explicou Sérvulo à IHU On-Line, durante a entrevista que concedeu por telefone.
“Costumo dizer que há uma apartheid intelectual em relação à sociedade alcantarense e à implantação desse projeto. Isso porque a base não possibilita à sociedade a possibilidade de crescer junto. Aliás, a comunidade nunca foi chamada para dizer o que queria. O que acontece, aqui, é uma violação de direitos humanos porque o povo não foi convidado a fazer parte do diálogo desse megaprojeto”, apontou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como e por que surgiu o Mabe? Pode nos contar a história do movimento?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – O movimento surgiu no ano de 2000 em decorrência de um seminário que foi realizado em Alcântara, no mês de maio de 1999, quando dialogamos sobre a situação das comunidades que foram atingidas pela Base de Alcântara dez anos antes. Houve o deslocamento compulsório de 32 comunidades que foram retiradas de suas áreas de origem e assentadas numa área que denominaram de Agrovilas. Houve, entre 1986 e 1988, um desarranjo social por conta de toda a situação a que essas pessoas foram acometidas. Desde 1993 estávamos dialogando sobre o movimento entre os quilombolas. O movimento surgiu no seio dessas comunidades que foram atingidas por esse projeto. O Mabe foi criado com o objetivo de dialogar com o governo sobre os anseios das comunidade e, desde então, temos feito um trabalho com essas comunidades no sentido de levar a elas o conhecimento de seus direitos. Conseguimos, com isso, construir uma rede de solidariedade no município que é constituída por organizações de todo o estado do Maranhão que nos dão apoio. O que acontece em Alcântara também ocorre no Brasil e no mundo quando se trata de megaprojetos que têm como principal ação o deslocamento de comunidades. O mundo inteiro sofre com isso.
Nós temos tentado mostrar ao governo que esses megaprojetos não têm trazido nada em benefício para a cidade. Pelo contrário, o município de Alcântara inchou, as pessoas estão ociosas. Costumo dizer que há um apartheid intelectual em relação à sociedade alcantarense e à implantação desse projeto. Isso porque a base não possibilita à sociedade a possibilidade de crescer junto. Aliás, a comunidade nunca foi chamada para dizer o que queria. O que acontece aqui é uma violação de direitos humanos, porque o povo não foi convidado a fazer parte do diálogo desse megaprojeto que está sendo implantado em Alcântara.
Tem gente que é a favor porque acha que esse projeto vai trazer um futuro promissor. Isso até pode acontecer. Mas, no momento, este município não está pronto para isso e nem está se preparando para tal. Então, o Mabe tem essa postura: o projeto pode acontecer, mas então a comunidade precisa estar incluída no plano de desenvolvimento e crescer junto com o projeto. O Mabe busca dialogar com o governo.
IHU On-Line – Como surgiu o Centro de Lançamento de Alcântara?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – Na época da ditadura militar houve um decreto estadual que visava desapropriar 52 mil metros quadrados de terra para fins de utilidade pública e, então, surgiu esse centro, para que fosse construído e implantado naquela área. Como ele surge e por que razão ele surge não justifica como as comunidades têm sido tratadas. Há toda uma explicação científica que diz que a cidade está numa certa posição privilegiada em relação à linha do Equador e que isso faz com que menos combustíveis sejam usados nos lançamentos dos foguetes...
IHU On-Line – Quantos quilombolas vivem na região e há quanto tempo?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – No município de Alcântara há 208 comunidades; destas 90% são remanescentes de quilombos. Alcântara foi um dos grandes celeiros de fazendas e engenhos de cana de açúcar e algodão há quase 400 anos e o trabalho desses lugares era mantido por mãos escravas. Hoje, a população está em torno de 22 mil habitantes e 75% mora na zona rural. Alcântara hoje tem a certificação da Fundação Cultural Palmares, reconhecida pelo governo, de que a cidade possui três grandes territórios quilombolas. A base está sendo implantada num território étnico onde vivem 110 comunidades quilombolas. Há o território da Fazenda Santa Tereza do Quilombo Central que é cercado por mais de 30 quilombos e há o território da Ilha do Cajual, que tem em torno de dez comunidades quilombolas. Portanto, Alcântara é um município quilombola.
IHU On-Line – Qual é a reação da população de Alcântara em relação à base?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – Alcântara é um município pobre e tem grandes problemas sociais. Boa parte da população acha que, a partir desse projeto, vamos ter uma vida mais próspera. Alguns pensam assim, mas outros questionam. Nós do movimento questionamos isto, porque o projeto não tem trazido benefícios para o povo e nem planeja isso.
IHU On-Line – Em 2003, o VLS-1 V03 (Veículo Lançador de Satélites) explodiu na base de Alcântara, matando 21 cientistas. Qual é a segurança da base?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – O grande problema é que a base é um projeto à parte da sociedade alcantarense. Esse foi o terceiro acidente e nunca nos deram informações sobre qualquer um deles. O comando desse projeto nunca fez qualquer comunicação oficial sobre o risco que os trabalhadores estão correndo e, muito menos, sobre o risco que a população está correndo. Eles não nos falam como devemos nos comportar diante de um acidente.
IHU On-Line – Alcântara é um projeto binacional entre Brasil e Ucrânia. Quais as vantagens dessa parceria?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – Enquanto sociedade, é difícil responder a essa questão. Como não sabemos o porquê dessa parceria, é difícil entender as vantagens e desvantagens desse projeto. Falta informação.
IHU On-Line – Segundo informações, a Agência Espacial Brasileira – AEB já cogitou sair do Maranhão, mas o presidente da Agência, Carlos Ganem, diz que pretende levar a Alcântara o mesmo modelo de desenvolvimento da Guiana Francesa, hoje lar da maior base equatorial de foguetes do mundo. O que o senhor acha?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – Se melhorou, não sei. Se o governo brasileiro tiver coragem de sentar com a comunidade alcantarense de forma séria, clara e objetiva para traçarmos um plano e uma metodologia, creio que encontraremos caminhos que sejam bons para todos o envolvidos. Até agora, estamos só na base da suposição exposta em papel. Mas o povo está perdendo suas áreas de reprodução social e não sabemos a compensação que vamos receber. Por isso, não queremos que esse projeto avance sobre as terras quilombolas. Esse projeto é um engodo.
IHU On-Line – É verdade que o senhor já integrou a Aeronáutica? Por que optou por militar do outro lado? Pode nos contar como foi a experiência de trabalhar para a Aeronáutica?
Sérvulo de Jesus Moraes Borges – Sim, servi por um período de oito anos na Aeronáutica. Eu nunca foi para outro lado. Eu sempre fui quilombola; apenas estive militar [da Aeronáutica] por algum tempo, durante um período de minha vida.
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"Alcântara é um município quilombola". Entrevista especial com Sérvulo de Jesus Moraes Borges - Instituto Humanitas Unisinos - IHU