18 Julho 2012
Nos próximos dias, o professor de economia e um dos fundadores do PT Aloizio Mercadante completa seis meses no comando do Ministério da Educação (MEC) e suas habilidades para lidar com a escassez de recursos estão sendo sistematicamente postas à prova. Ao fim de um semestre dedicado basicamente à formação de uma nova equipe e à continuidade das políticas herdadas do antecessor Fernando Haddad - que depois de quase sete anos deixou a pasta em janeiro para disputar a prefeitura de São Paulo -, o atual ministro tenta se equilibrar entre a defesa da austeridade fiscal que emana do Ministério da Fazenda e da Presidência da República e a forte pressão por mais gastos federais.
A reportagem é de Luciano Máximo e publicada pelo jornal Valor, 18-07-2012.
Mercadante escolheu vestir a camisa do governo num momento bastante agitado da agenda educacional. É um dos ministros que gozam de maior prestígio com a presidente Dilma Rousseff, mas vem sofrendo bombardeios de críticas, principalmente quando o assunto é financiamento. Além disso, o MEC enfrenta alto índice de reprovação. Pesquisa CNI-Ibope divulgada em junho indica que 54% dos brasileiros desaprovam a educação no país, o pior resultado desde o início da série, em 2008.
As reclamações dos críticos convergem na falta de assertividade do MEC nos três grandes temas da educação hoje: o Plano Nacional de Educação (PNE); o impasse do não pagamento do piso nacional de R$ 1.451 para professores de Estados e municípios; e a greve de dois meses dos professores e funcionários das universidades e escolas técnicas federais. Em cada uma dessas agendas, o ministério é conclamado a ser protagonista e fiador de bilhões e bilhões de reais.
Mercadante é elogiado, principalmente por gestores públicos, no que diz respeito a decisões que agilizam transferências de recursos federais para Estados e municípios e turbinam os conhecidos programas do MEC de transporte escolar e de equipamentos tecnológicos. Nessa toada, o MEC tem as melhores taxas de investimento de toda a Esplanada dos Ministérios. Também é visto com bons olhos a prioridade dada por Mercadante ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que começou a ser formulado em 2011.
Na avaliação do cientista político Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que mobiliza dezenas de entidades e teve ampla participação nas discussões do PNE, Mercadante se diferencia de Tarso Genro (ministro entre 2004 e 2005) e Haddad pela falta de capacidade de liderar debates do setor. "Tem que assumir agendas. São mais de cem dias, normalmente o tempo padrão para um gestor mostrar suas linhas de trabalho, mas o MEC perdeu a força de pautar a educação e dialoga menos."
Para Cara e outros observadores, as declarações de Mercadante depois da aprovação do PNE na Câmara dos Deputados, em junho, demonstraram falta de "jogo de cintura" do MEC na ponderação sobre o futuro do financiamento público do ensino no país. "Ele teve papel pequeno na negociação do PNE e sua fala parecia as de um ministro da Fazenda", critica Romualdo Portela, professor da Universidade de São Paulo (USP), em alusão à medida que obriga prefeituras, Estados e União a elevar o investimento público em ensino de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para 10% em dez anos, conta de mais de R$ 200 bilhões que será apreciada pelo Senado.
Na ocasião, Mercadante ponderou que o projeto "tem difícil execução política" e seria necessário dobrar o orçamento do MEC, calculado em mais de R$ 85 bilhões - nos últimos dez anos, o orçamento federal da educação quadruplicou em termos nominais. "Fiz discurso de ministro da Educação. Ministério da Fazenda é o Ministério da Fazenda. Brigo no governo por mais recursos, mas isso deve ser feito de forma consequente, com indicação de fontes", afirmou o ministro em entrevista por telefone ontem à noite.
Já Roberto Leão Franklin, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que milita ao lado de Mercadante no PT, cobra mais pulso do companheiro. "A declaração dele desqualificou o discurso de posse da presidenta Dilma, que tratava da priorização da educação neste governo. Estudos do governo mostram que é possível aumentar o financiamento da educação, só é preciso eleger prioridades. O governo vai usar o pré-sal? Vai diminuir o superávit primário? Vai reduzir a guerra fiscal? O MEC tem que assumir essa luta", questiona
Na visão de José Francisco Soares, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o debate do PNE foi dominado pelas entidades sociais. "O debate ficou restringido ao financiamento, mas não podemos esquecer que não se gasta pouco no país. Despesas de escolas municipais já estão batendo as das escolas particulares. É preciso contrabalançar o debate educacional com as dimensões pedagógicas, de gestão e tecnologia."
Na avaliação de várias fontes ouvidas pelo Valor, um primeiro passo importante de Mercadante na questão do financiamento educacional seria participar mais da busca por solução para o impasse do piso nacional dos professores. Também nesse ponto, o MEC é uma espécie de tábua de salvação, principalmente para gestores públicos preocupados com desequilíbrios fiscais causados pelas altas salariais anuais, acima de 20%.
Assim como seu antecessor, Mercadante defendeu o piso e instou governadores e prefeitos a cumprir a lei. Mas nem Haddad nem ele conseguiram avançar na formação de uma mesa de negociação liderada pelo MEC, muito menos na oferta de mais recursos federais para ajudar Estados e municípios ou na troca do indexador do salário, as principais reivindicações de governos e trabalhadores.
Ana Lúcia Almeida Gazzola, secretária estadual de Educação de Minas Gerais, considera "ínfimos" os R$ 10 bilhões transferidos anualmente pelo MEC a uma dezena de Estados. "Não temos condições de dar todo ano aumento de 22%, como em 2012. Até o ministro disse que os aumentos precisam de outro indexador. O ideal é que seja um indexador econômico, o INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor, cuja taxa em 12 meses está abaixo de 5%]", sugere ela.
Para o secretário de Educação da Bahia, Osvaldo Barreto, que enfrenta uma greve de professores de mais de três meses por causa do piso, o ministro deve trabalhar para tirar do papel proposta do então ministro Haddad de criação de uma mesa de negociação. "Não dá para melhorar o salário dos professores em dois, três anos. É preciso negociar melhor e o MEC tem muita força para isso."
Por manterem relação mais próxima com o ministério, os secretários são os primeiros a reconhecer as marcas da gestão Mercadante. Barreto acha que é cedo para uma avaliação criteriosa, mas destaca medida que agilizou transferências do Plano de Ações Articuladas (PAR), programa em que governos se comprometem com avanços em troca de verba do MEC.
"Em março, o ministro ajudou a aprovar ação que dá mais rapidez às transferências. O dinheiro do PAR deixa de depender de convênios e fica mais amarrado com o compromisso assumido com o ministério, um processo mais simples." Ana Lúcia lembra que Minas era um dos poucos Estados que não haviam assinado o PAR com o MEC. "Agora temos parcerias para a construção de dez prédios escolares, a distribuição de 62 mil tablets para professores e verba para transporte. Desde novembro recebemos R$ 230 milhões."
Embora siga firmemente o receituário da equipe econômica para driblar novos gastos e seja bastante criticado por isso, Mercadante tem simpatia pela eficiência na alocação dos recursos federais. Em ano eleitoral, a execução orçamentária do MEC até junho supera os R$ 40 bilhões. Considerando apenas os investimentos registrados no Siafi, foram pagos R$ 4,6 bilhões pela pasta, alta de 65% em relação aos aportes feitos por seu colega Fernando Haddad no primeiro semestre do ano passado.
Seguindo a lógica da presidente Dilma para esquentar a economia, o MEC fechou neste ano convênios para a entrega de 6.736 ônibus escolares a Estados e municípios - a meta é entregar mais de 8 mil veículos. A compra de mobiliários para as escolas brasileiras bateu a meta do ano, de 3 milhões de unidades. Mercadante tenta ainda distribuir 600 mil tablets para professores do ensino médio - até agora o MEC promoveu a aquisição de 410 mil desses computadores.
"Já se esperava que ele fosse levar a marca da tecnologia para o MEC, agora ele também está costurando o principal programa do ministério hoje, que é o plano de alfabetização na idade certa, mas uma avaliação negativa ou positiva vai depender do lançamento em agosto e dos impactos do programa", opina Priscila Cruz, diretora-executiva do movimento empresarial Todos pela Educação.
Segundo Priscila, o MEC acertou ao propor a criação de novas avaliações para medir o conhecimento das crianças de até oito anos. Mas ela está preocupada com um estágio anterior: a formação docente. "O plano vai treinar professores da ativa, mas o ministro não conseguiu mexer na formação inicial, mudar o que se aprende nas pedagogias e licenciaturas. Professores vão continuar saindo despreparados para trabalhar."
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Para críticos, Mercadante faz o jogo da Fazenda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU