16 Julho 2012
A celebração anual dos Estados Unidos pelo Dia da Independência foi acompanhada este ano pela Fortnight for Freedom dos bispos dos EUA, uma rodada de oração e de defesa dedicada à preservação da liberdade religiosa. O exercício renovou o debate sobre se há ou não uma guerra contra a religião nos Estados Unidos, alimentada, naturalmente, pela política das eleições de 2012.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no jornal National Catholic Reporter, 13-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Inegavelmente, há importantes questões Igreja-Estado em jogo nos EUA, mas, se elas constituem uma "guerra", é uma guerra metafórica, travada nas legislaturas e nos tribunais. Muitas vezes perdido na confusão está o fato – e não um palpite, teoria ou conjectura, mas o duro fato empírico – de que, em um crescente número de outros lugares, há uma guerra decididamente literal contra a religião vindo pela frente. Suas vítimas não apenas perdem contratos de governo ou debates sobre mandatos de seguros; elas são ameaçadas, espancadas, presas e até mesmo assassinadas.
Aqui está um rápido retrato do que estava acontecendo ao redor do mundo no preciso momento em que os norte-americanos estavam festejando o seu feriado de 4 de julho:
- O Pe. Joseph Zhao Hongchun, administrador apostólico da diocese chinesa de Harbin, foi levado sob custódia policial no dia 4 de julho para impedi-lo de alimentar a oposição à ordenação ilícita de um novo bispo de Harbin orquestrada pelo governo. Ele foi detido por três dias e liberado apenas depois que a ordenação ocorreu.
- O novo bispo auxiliar de Xangai, Dom Thadddeus Ma Daqin, foi posto sob prisão domiciliar em um seminário depois de ter renunciado publicamente à Associação Patriótica dos Católicos Chineses controlada pelo governo durante a sua missa de ordenação no dia 7 de julho, que ocorreu com a bênção do papa.
- O Rev. Kantharaj Hanumanthappa, pastor pentecostal no estado indiano de Karnataka, estava celebrando um culto no dia 4 de julho quando 20 radicais hindus invadiram o lugar para acusar os cristãos de proselitismo, ameaçando-os se não fossem embora. Uma denúncia policial foi arquivada, mas nenhuma ação foi tomada.
- A casa particular do pastor Ramgopal, ministro pentecostal do estado indiano de Uttar Pradesh, foi invadida pela polícia juntamente com radicais hindus. O grupo supostamente teria dito ao pastor: "Ou você vai embora e nunca mais volta, ou nós vamos prendê-lo". Ele foi libertado somente depois de assinar uma declaração prometendo a não celebrar mais serviços de oração na região.
- Um padre católico no Vietnã, J. B. Nguyen Dinh Thuc, foi atacado por policiais à paisana e por bandidos que supostamente teriam recebido 25 dólares por cabeça para invadir uma capela missionária em uma área rural no dia 1º de julho. Seu objetivo era impedir a celebração de uma missa, parte do que os católicos locais descrevem como uma política de "limpeza religiosa" imposta por Hanói. Quando o padre tentou abrir caminho pela multidão, ele foi espancado, juntamente com diversos leigos que foram em seu socorro. Maria Thi Than Ngho, uma das leigas, sofreu uma fratura no crânio durante o confronto. Até o fechamento desta edição, ela permanecia em estado crítico.
- Abdubannob Ahmedov, um Testemunha de Jeová do Uzbequistão, viu a sua pena de prisão de quatro anos por "atividades religiosas ilegais" ser estendida por mais 30 meses por supostas violações das regras prisionais.
- Yelena Kim, uma batista do Uzbequistão, presa no fim de junho por ter "ensinado religião ilegalmente", está agora diante de três anos atrás das grades depois que a polícia invadiu a sua casa e confiscou as suas Bíblias, seus hinários e outros materiais religiosos.
- Ghulam Abbas, um homem com deficiência mental de uma região do Punjab sob o controle paquistanês, foi jogado na prisão no dia 3 de julho, depois de rumores de que ele havia queimado algumas páginas de um Alcorão. Antes de que se pudesse fazer qualquer investigação ou julgamento, uma multidão muçulmana extremista invadiu a cadeia, arrastou Abbas da sua cela e o queimou vivo. Segundo observadores locais, esse é pelo menos o 35º assassinato extrajudicial que ocorre depois de uma detenção segundo as famosas leis da blasfêmia do Paquistão desde 1986.
Profundos agradecimentos ao serviço de notícias Asia News por nos trazer essas histórias, que, de outra maneira, seriam quase totalmente negligenciadas.
Esses relatos dão carne e sangue à mais impressionante narrativa cristã do início do século XXI, que é o surgimento de toda uma nova geração de mártires. Segundo a Sociedade Internacional para os Direitos Humanos, 80% de todos os atos de discriminação religiosa no mundo de hoje são dirigidos contra cristãos, tornando o cristianismo, de longe, a comunidade religiosa mais perseguida do planeta. Estimativas confiáveis dizem que cerca de 150 mil cristãos são mortos pela fé todos os anos, o que se traduz em 17 novos mártires a cada hora de cada dia.
A história de Abbas no Punjab também é um lembrete de que os cristãos não são os únicos que sofrem, já que os relatos sugerem que ele era, na realidade, um muçulmano. De acordo com um recente estudo de uma comissão da Conferência dos Bispos do Paquistão, pelo menos 964 pessoas foram acusadas sob as leis da blasfêmia entre 1986 e 2009, das quais 479 eram muçulmanas, 119 cristãos, 340 ahmadis, 14 hindus e 10 de outras religiões. Essas detenções, muitas vezes, são o pretexto para violências e assassinatos realizados em multidão, como no caso Abbas.
Os bispos dos EUA, em colaboração com a Catholic University of America e o Catholic Relief Services, estão planejando realizar uma conferência intitulada Liberdade religiosa internacional: Um imperativo para a paz e o bem comum no dia 12 de setembro em Washington. O cardeal Timothy Dolan, de Nova York, fará o discurso de abertura, e um alto diplomata vaticano, o arcebispo francês Dominique Mamberti, foi convidado para proferir o discurso de encerramento.
Aqui se espera que um plano concreto de ação dê resultados, porque Deus sabe que pessoas como as mencionadas acima precisam desesperadamente de ajuda.
(Aliás, eu fui convidado para falar no evento, mas não pude aceitar porque vou estar em viagem para cobrir a viagem do Papa Bento XVI ao Líbano, entre os dias 14 a 16 de setembro, que irá lhe oferecer uma plataforma para abordar a crise na Síria, outro lugar onde o destino de uma minoria cristã está suspensa sobre a balança.)
Nguyen, do Vietnã, teria dito após a sua agressão no dia 1º de julho: "Morrer no altar seria uma grande bênção para mim". A sua coragem é admirável, mas se os católicos norte-americanos aplicarem mesmo que uma fração do tempo e da importância que dedicamos à política interna, talvez possam ajudar a garantir que a situação não chegue a esse ponto.
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A verdadeira guerra religiosa: 17 mártires cristãos por dia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU