16 Julho 2012
Teórico da hipermodernidade e do hiperindividualismo, Gilles Lipovetsky se autodefine como um "tocquevilliano" interessado em todas aquelas mudanças sociais que permeiam o regime democrático: incluindo a moda, o luxo e a beleza feminina. Um tríptico ideal para a nossa exploração.
A reportagem é de Franco Marcoaldi, publicada no jornal La Repubblica, 11-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Na nossa sociedade, a beleza não é mais uma questão pessoal, porque já faz parte plenamente da economia capitalista: através do design, do gosto, da publicidade, dos consumos em geral. Mas ela atua segundo modalidades complexas, que implicam grande atenção pelas nuances.
"Os frankfurtianos nos tinham dito que a sociedade de massa determina uma irresistível padronização: tudo se torna Coca-Cola e jeans azul. É verdade, mas também não, justamente porque o consumo de beleza se multiplicou ao infinito, enquanto as hierarquias de antigamente não se sustentam mais.
"No Renascimento, a beleza do rosto feminino respondia a cânones muito rígidos, e hoje certamente não. Na corte do rei, o luxo tinha que responder a critérios precisos: não havia dúvidas sobre o que era belo e o que era feio, o que era bom e o que era mau. Mas agora quem detém uma autoridade capaz de estabelecer regras reconhecidas por todos? Existem no máximo muitas, diversas autoridades capazes de influenciar grandes segmentos do gosto: jornais, estrelas, cantores, televisões, marcas. Tomemos a moda: até Dior ou Coco Chanel, sabíamos como devíamos nos vestir. Agora não. E é uma mudança que ocorreu em apenas 60 anos de história, que produziu, ao mesmo tempo, mais liberdade e mais confusão".
Eis a entrevista.
O senhor escreveu muito sobre a sociedade bulímica e do excesso. Em tempos de grave crise econômica, a figura do "turboconsumidor" não se destina a um radical redimensionamento?
Na teoria, sim; na realidade as coisas são mais complicadas. O impulso determinado pelo hiperconsumo certamente responde a interesses econômicos, mas também a uma pergunta interior do indivíduo. Desaparecidas as esperanças e as utopias coletivas, esse indivíduo busca uma vida melhor graças às emoções, à beleza, ao bem-estar. Assiste-se a uma espécie de obsessão pelo novo, quase como se a única chance que temos para nos sentirmos vivos. É uma verdadeira religião, já prefigurada por Baudelaire quando ele falava da curiosidade como de uma paixão fatal.
Sem dinheiro, no entanto, é difícil alimentá-la.
Obviamente, é impossível pensar em uma casa nova e mais bonita se, enquanto isso, se perde o trabalho. Mas também existem muitos âmbitos em que a novidade se oferece sem dinheiro: é assim com a música no YouTube e, em certa medida, também com a moda, cada vez mais democrática. Graças ao vintage, hoje podemos estar na moda com apenas uma camiseta e um par de jeans rasgados. É um fato novo e importante, que não humilha mais as classes mais baixas.
O senhor defende que, em certa medida, o luxo também se democratizou.
Comecemos dizendo que o luxo, assim como a moda, não é uma característica eterna das sociedades humanas. E, desde o início, ele não tinha a ver nem com a arte nem com a beleza. Ele pertencia apenas ao universo masculino e remetia a festas, presentes, trocas rituais que representavam outras modalidades do poder. Tanto os gregos quanto os romanos defendiam com grande convicção o luxo público, enquanto condenavam o privado. Depois, lentamente, impôs-se o processo exatamente oposto.
E, há cerca de 30 anos, se imprimiu mais uma novidade: ao lado do luxo como indicador da posição social, foi se afirmando uma imagem principalmente emocional e privada, que ocasionalmente também pode se referir à classe média. Na corte do rei, o luxo era teatral: absolutamente era preciso ser visto pelos outros. Hoje, assiste-se ao caso extremo de um bilionário norte-americano que gasta 20 milhões de dólares para ir uma semana ao espaço. Em condições difíceis e sem ser visto por ninguém. Apenas para coroar um sonho infantil: é um fato puramente emocional, ligado à fantasia, à imagem de uma experiência extraordinária, como a perda de gravidade.
E chegamos, por fim, à beleza feminina. Esta também, o senhor escreve, não é um dado eterno. Há um momento histórico específico em que o “beau sexe” é "inventado".
Nas pinturas pré-históricas, as mulheres são retratadas com enormes seios e nádegas, símbolo de fecundidade e não de beleza. Na cultura grega, obcecada pela definição da da beleza absoluta e marcada por uma cultura homossexual, Apolo certamente é mais importante do que Vênus. Por fim, na cultura cristã, a beleza da mulher é considerada perigosa, "a porta do diabo". Um traço que conotará a cultura popular até o século XX: até Marlene Dietrich, a mulher vamp, filiação direta do vampiro. Hoje, no entanto, desaparecida de cena.
Ao contrário, o Renascimento impõe uma imagem radicalmente oposta.
Marsilio Ficino fala da beleza feminina como sinal de Deus. No Renascimento, toda parte do corpo é investigada com extrema precisão. Impõe-se um cânone mais do que nunca específico, e da poesia à pintura se assiste a uma verdadeira divinização da beleza da mulher. Mas, chegando até hoje, qual é o paradoxo? Vivemos em uma sociedade democrática que, ao menos em teoria, vê se afirmar um ideal igualitário entre homens e mulheres, porém, a ideia de beau sexe não desapareceu, de fato; ao contrário, se reforçou.
Portanto, a igualdade democrática convive com a desigualdade estética: as revistas femininas se concentraram na beleza, as dietas dizem respeito principalmente às mulheres, e o mesmo se pode dizer para a indústria cosmética, a lipoaspiração, a talassoterapia, a cirurgia estética. É verdade, há algum tempo, os homens também se assomaram a esses universos, mas em percentuais largamente minoritários. As mulheres trabalham, ocupam cada vez mais frequentemente posições de grande responsabilidade, se afirmaram na política, mas querem marcar a sua diferença. E um dos campos ideais é justamente o da beleza. A existência humana não é só política, não se esgota na igualdade dos direitos. O ser humano é também um ser sexual. E a diferenciação volta a ser decisiva.
Naturalmente, se poderia objetar que a tirania da beleza à qual as mulheres estão sujeitas é apenas o fruto milenar da dominação masculina.
Uma leitura justa, mas parcial. É uma tirania, concordo. Mas é preciso acrescentar que, embora antigamente o ideal da beleza feminina era acompanhada pela total submissão e relegação da mulher, agora já não é mais assim. Irene Saez, antes de ser prefeita de Caracas, foi Miss Universo.
Vindo de 20 anos de berlusconismo, argumentar isso aos nossos olhos é um pouco suspeito.
Basta contrapor o exemplo de Merkel, e estamos todos de acordo. Que fique claro: eu não estou dizendo que nós vivemos no paraíso terrestre, e muito menos, escrevendo os meus ensaios, pretendo realizar um ato militante. Simplesmente observo a realidade. E nessa realidade, eu vejo que as mulheres, em primeiro lugar, redescobriram a centralidade do beau sexe. Pense-se no novo culto da magreza, que muitas feministas atribuem exclusivamente ao poder da moda e da publicidade.
Eu não acredito que seja assim. Ao contrário, eu penso que há uma forte ligação entre esse culto e o ideal prometeico da dominação do mundo. É uma espécie de continuação da cultura demiúrgica sobre o plano do corpo. No passado, a beleza era considerada um dom de Deus. Hoje cabe a nós ser bonitos. Zsa Zsa Gabor dizia: não existem mulheres feias, existem apenas mulheres preguiçosas. Trabalhem, façam ginástica, comam pouco, vão à academia e vocês serão bonitas, sedutoras. Não, não é apenas uma imposição publicitária. Senão, não se entenderia por que a moda, caprichosa e volúvel por natureza, é tão tirânica e firme sobre a ideia do corpo, que não muda há décadas.
A verdade é que um corpo magro e ágil se une perfeitamente àquele ideal prometeico ideal do qual eu falava antes: é o espelho de uma vida salutar, dinâmica, voluntarista. E, de fato, a pessoa gorda se deprime não tanto e não somente porque está acima do peso, mas porque perdeu o controle de si mesma. Naturalmente, o que eu digo também pode valer para os homens, mas os homens – e agora sou eu que puxo a história – sempre tiveram milhares de outras maneiras para exercer a sua capacidade se sedução. A partir da poder, o eterno retorno da masculinidade.
A mulher, enfim, ainda seria depositária natural da supremacia estética.
Eu ainda não sei por quanto tempo, mas hoje é assim. A ideologia do unissex não triunfou: nem na escola, nem na moda. Jean Paul Gaultier inventou as saias para os homens, mas são vistas apenas nas passarelas, e certamente não nas ruas. E se um homem se maquia, logo pensamento que ele é um transexual. Os sinais da diferença entre os dois sexos permanecem, e a distância com relação ao papel de beleza é inquestionável. Dos desfiles de moda às revistas profissionais, da lingerie à maquiagem, não há igualdade nem reversibilidade entre o mundo masculino e feminino. Como duvidar do fato que, para as mulheres, a beleza é mais crucial, identitária e ansiogênica do que para os homens?
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O fantasma da beleza feminina. Entrevista com Gilles Lipovetsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU