09 Julho 2012
Nossa mente tem uma necessidade primordial de conciliar ciência e sapiência. Precisamos não só conhecer dados e receber informações, mas também avaliar o seu significado para a existência.
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 05-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ao que parece, Stephen Hawking perdeu a disputa com Peter Higgs, visto que ele havia apostado na não existência da partícula subatômica hoje mundialmente conhecida como o "bóson de Higgs". Mas o que agora relembra isso é um outro motivo, ou seja, o fato de que o seu livro mais conhecido, Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros (1988), conclui assim: "Se conseguirmos encontrar a resposta a essa pergunta decretaremos o triunfo definitivo da razão humana: já que, então, conheceremos a mente de Deus".
Hawking afirmou que foi a frase final que tornou o seu livro um best-seller mundial, e não por acaso o mesmo achado está presente em muitos outros livros de divulgação científica, dentre os quais Paul Davies, A Mente de Deus (1992), Riccardo Chiaberge, La variabile Dio (2008); Margherita Hack, Il mio infinito. Dio, la vita e l’universo (2011); Edoardo Boncinelli, La scienza non ha bisogno di Dio (2012). A lógica que levou a denominar o bóson de Higgs como "partícula de Deus" é a mesma que move a indústria editorial.
Mas por que a conexão entre religiões e argumento científico é tão eficaz? Por dois motivos, a meu ver. O primeiro é a capacidade quase imediata do termo "Deus" de fazer compreender a importância do que está em jogo quando se trata dos âmbitos fundamentais da ciência como a origem do universo, da matéria e daquela particular matéria dotada de movimento e de inteligência que é a vida.
Falando da partícula responsável pela massa, ou da unificação das quatro forças fundamentais, ou da unificação entre relatividade e mecânica quântica buscada pela teoria das cordas, tocam-se territórios primordiais, de relevo não só físico, mas também filosófico para a importância sobre o sentido abrangente do nosso estar aqui. E o termo Deus com apenas quatro letras têm essa capacidade evocativa. Era exatamente por isso que, querendo fazer compreender a racionalidade ordenada do universo, Einstein repetia: "Deus não joga dados".
O segundo motivo é a necessidade primordial da nossa mente de conciliar ciência e sapiência. De fato, nós percebemos a exigência não só de conhecer dados e de receber informações, mas também de avaliar o seu significado para a existência e para os critérios com que pensamos a justiça, a beleza, o bem e o mal.
As civilizações do passado eram capazes de conciliar ciência e sapiência. Pense-se no título dado por Newton à sua obra-prima, Elementos matemáticos de filosofia natural, que indica o fato de que, para Newton, ser cientista e ser filósofo (e ser biblista, vista a sua paixão pela Sagrada Escritura) eram a mesma coisa.
Hoje, porém, essa conciliação está rompida, e o resultado é a atual separação entre disciplinas científicas e humanísticas, símbolo de uma dilaceração interior mais complexa. Por isso, quando se prefigura a possibilidade de voltar à antiga visão unitária, a mente humana fica atenta e se torna partícipe, quer se trate de uma invisível partícula subatômica ou de livros bem em vista na vitrine.
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A ciência e a sapiência. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU