Por: André | 27 Junho 2012
A tropa policial desconheceu o acordo assinado por seus dirigentes com o governo boliviano. Enquanto isso, alguns ministros e até o vice-presidente, Alvaro García Linera, garantem que está em gestação um golpe de Estado.
A reportagem é de Sebastián Ochoa e está publicada no jornal argentino Página/12, 26-06-2012. A tradução é do Cepat.
À noite, prosseguia em todo o país o motim policial, que já está em seu quinto dia de reivindicações de melhorias salariais. Embora o governo de Evo Morales reconheça a justeza desta reivindicação, as negociações seguem sem avançar, enquanto quer alguns ministros e até o vice-presidente, Alvaro García Linera, garantem que está em gestação um golpe de Estado. Morales se nega a pôr o exército nas ruas para cumprir funções de patrulhamento e segurança, porque poderia derivar em um enfrentamento armado de uniformizados contra uniformizados, como aconteceu em fevereiro de 2003. “A direita está buscando mortos e, companheiros, não vamos nos prestar para que haja mortos. Então, irmãs e irmãos, vamos defender este processo, somos parte deste processo e vamos defendê-lo até as últimas consequências”, disse o presidente no domingo pela tarde, depois que a tropa policial desconhecera o acordo assinado por seus dirigentes com o ministro de Governo, Carlos Romero, na madrugada desse dia.
Responderam à convocatória do presidente Morales as organizações camponesas que o apoiam incondicionalmente: a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (Csutcb), a Confederação Nacional de Mulheres Camponesas Indígenas Originárias da Bolívia “Bartolina Sisa” (Cnmciob “BS”) e a Confederação Sindical de Comunidades Interculturais da Bolívia (Scib), que enviaram alguns de seus quadros na manhã desta segunda-feira à Praça Murillo, onde estão as sedes dos órgãos Executivo e Legislativo.
Trocaram alguns tiros e “chicotazos” com os policiais que ali protestavam, com seus rostos encapuzados, óculos escuros, etc. Depois de alguns minutos, os amotinados “mostraram” seus gases de lacrimogêneo e fizeram fugir os aliados do presidente Morales.
Quando dominaram a praça principal novamente, como demonstração de força, centenas de policiais saíram para marchar todos vestidos com roupa de trabalho, com jalecos antibalas e com suas armas. Cantavam “Evo ‘cabrón’, o verde está emputado”. A base dos amotinados – e suas esposas, que começaram os protestos na semana passada – é a sede da Unidade Tática de Operações Policiais (UTOP), situado a uma quadra do Palácio Quemado.
Atualmente, o salário base de um policial é de 1.446 bolivianos. Com o Bônus de Segurança Cidadã, que o governo fez aumentar de 220 para 620 bolivianos, o total chegaria a 2.065 bolivianos, quase 300 dólares, com um dólar cotado a 6,96 bolivianos.
Para a tropa policial, a proposta do governo é insuficiente. Exige que o salário básico seja de 2.065, sem o bônus. O Palácio Quemado respondeu na segunda-feira que isto é inviável, porque as obrigações impositivas gerariam um gasto suplementar de 100 milhões de bolivianos, soma que o governo diz não poder arcar. Até o domingo de madrugada, os amotinados tinham uma lista de oito pontos, que haviam negociado e acordado com o governo. Além dos 2.065 bolivianos mensais, chegou-se a um acordo que inclui aposentadoria com 100% do salário e se abriu a possibilidade de modificar a Lei 101 (de regime disciplinar), assim como a criação da Defensoria da Polícia. Agora os policiais pedem uma nova reunião, com mais demandas da sua parte.
Entre os novos pedidos dos amotinados está a construção de casas, a dotação de laboratórios de criminalística, a dotação de uniformes, víveres e pistolas, a modernização das infraestruturas policiais, um centro de oficina mecânica, a capacitação das bases em ramos técnicos, um seguro de vida, o retorno da administração de Identificação e Licenças e a saída do atual comandante geral da polícia, Víctor Santos Maldonado, porque não saiu da Academia de Polícia, mas que exerceu a função como civil participante em ações de Inteligência e foi beneficiado por um decreto do presidente, que lhe outorgou uma categoria policial. Por isso, entre outras consignas, os uniformizados lhe dedicam o “Que se vaya el tira, carajo”.
Em uma coletiva de imprensa, o vice-presidente García Linera acusou o partido de centro-direita Unidade Nacional (UN) de fomentar o conflito. “Existe uma manipulação política corporativa de forças obscuras, reacionárias de direita, que querem manipular bons policiais com fins pessoais”, disse. “O governo tem a capacidade operativa para recuperar o controle, mas sabemos que há pessoas que querem mortes. Somos pacientes. Pedimos ao povo boliviano para que seja também paciente para não cair em provocações e no plano de sangue que maus políticos e maus policiais querem impor”, disse o vice-presidente. E pediu à população para se organizar nos bairros para evitar invasões de delinquentes.
Em fevereiro de 2003, a Polícia Nacional havia se levantado contra um imposto sobre os salários elaborado pelo governo do então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que mandou o exército para reprimi-la, com um saldo de 33 mortos e mais de 200 feridos.
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O motim policial na Bolívia já dura cinco dias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU