Por: Jonas | 06 Junho 2012
Quanto mais longe das intrigas vaticanas fica, mais estima e afeto Bento XVI encontra. Seus três dias na capital econômica italiana foi um Hino à Alegria, como na Nona Sinfonia de Beethoven, como nas Bodas de Caná.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada no sítio Chiesa, 03-06-2012. A tradução é do Cepat.
Longe da Cúria vaticana, irrompe o autêntico perfil de Bento XVI. Nada atua como uma tela ofuscada. Sua conversa com a multidão é direta. Sua palavra é intacta para quem a ouve.
Foi assim que ocorreu em Milão, entre os dias 1 e 3 de junho, com a visita do Papa à arquidiocese dos santos Ambrósio e Carlos e ao Encontro Mundial das Famílias, diante do júbilo de ao menos um milhão de fiéis provenientes de várias nações.
Foi assim que aconteceu, sobretudo, para além dos discursos oficiais. Como, por exemplo, nos momentos em que o Papa respondeu espontaneamente as perguntas de adultos e crianças. Também nos momentos em que apresentou passagens autobiográficas sobre o “paraíso” de sua infância e sobre sua paixão pela grande música.
A grande música que Bento XVI teve a oportunidade de escutar e meditar em Milão, no Teatro alla Scala, na tarde do dia 1 de junho, foi a Nona Sinfonia de Beethoven, dirigida por Daniel Barenboim. O Papa associou a “terrível dissonância”, que introduz a parte final da sinfonia, com a dor e a destruição que golpeiam os homens, ultimamente, como não menos destacável o terremoto que ainda afeta uma região de Emilia, não distante de Milão. É uma dissonância que propicia pensar num Deus cego e distante, totalmente só, num céu cheio de estrelas, e que se desentende do mal do mundo.
No entanto, o Papa disse que não se deve deixar-se dominar por este pensamento. Ele disse isto com as mesmas palavras de Beethoven, cantadas pelo barítono: “Amigo, não esses tons! Entoemos outros mais atraentes e alegres!” Expressou-se com o mesmo impulso confiante do Hino à Alegria, de Schiller, que coroa a sinfonia.
Uma alegria que para os cristãos significa saber que Deus está próximo. O Deus “que sofre conosco e por nós, que faz com que os homens e mulheres sejam capazes de compartilhar o sofrimento do outro e de transformá-lo em amor”. O Deus adorado na Eucaristia (como um pouco depois, aconteceu na catedral de Milão).
Em relação às intervenções espontâneas, Bento XVI começou a fazê-las na manhã de sábado, no dia 2 de junho, no estádio San Siro, repleto de jovens na idade da Confirmação: “Queridos amigos, não acreditem naqueles que dizem que não vale apena falar de vocação na idade de vocês. Um futuro grande pintor já pinta desde criança. Estejam atentos à presença do Senhor. Talvez os chame”.
Porém, o Papa direcionou suas palavras espontâneas, sobretudo, para o VII Encontro Mundial das Famílias, no entardecer deste mesmo dia. Bento XVI respondeu cinco perguntas provenientes das famílias de diferentes continentes. Ao responder, por exemplo, uma família da Grécia, o Papa falou sobre como enfrentar a crise econômica, que pesa sobre muitos, dirigindo também uma exortação aos partidos políticos: “Parece-me que deveria aumentar o sentido de responsabilidade em todos os partidos, que eles não prometam coisas que não podem realizar e que não busquem votos somente para si, mas que sejam responsáveis pelo bem de todos. Que seja compreendido que a política, também, é sempre uma responsabilidade humana e moral, diante de Deus e dos homens”.
No entanto, as coisas mais originais, ditas pelo Papa, estão nas três respostas reproduzidas aqui. A primeira delas é para uma criança vietnamita.
As famílias perguntam, o Papa responde (Entrevista com Bento XVI)
1. Minha Infância? Um paraíso
Olá, Papa! Sou Cat Tien, venho do Vietnã. Tenho sete anos e quero lhe apresentar minha família. Ele é meu pai Dan, e minha mãe se chama Tao. E ele é meu irmãozinho Binh. Eu gostaria muito de saber algo sobre sua família e a respeito de quando era pequeno como eu...
Obrigado, amiga! E também aos seus pais. Obrigado, de coração! Você me perguntou sobre quais são as recordações de minha família: são muitas! Gostaria de dizer algumas coisas. Para nós, o ponto essencial da família sempre era o domingo, ele já começava no sábado à tarde. Meu pai fazia leituras para nós, as leituras do domingo, de um livro muito difundido, nesse tempo, na Alemanha, explicando os textos. Assim começava o domingo: já entrávamos na liturgia, dentro de uma atmosfera de alegria.
No dia seguinte, nós íamos à Missa. Morávamos numa casa perto de Salzburgo, por isso escutávamos muita música – Mozart, Schubert, Haydn – e quando começava o Kyrie era como se o céu se abrisse.
Depois, naturalmente, em casa era importante o grande almoço juntos. Em seguida, cantávamos muito: meu irmão é um grande músico, desde criança compunha obras para nós todos, para que a família toda cantasse. Nosso pai tocava cítara e cantava. Todos esses são momentos inesquecíveis.
Naturalmente, viajamos e caminhamos juntos; estávamos perto de um bosque e caminhar nos bosques era algo muito belo: com as aventuras, jogos, etc.
Numa palavra, éramos um só coração e uma só alma, com numerosas experiências comuns, também em tempos muito difíceis, porque vivíamos em tempos de guerra, diante da ditadura, depois na pobreza. Porém, este amor recíproco que havia entre nós, e esta alegria pelas coisas simples, eram fortes. É por isso que se podia superar e suportar, também, estas coisas.
Parece-me que isto foi muito importante: que também as pequenas coisas tenham dado alegria, porque deste modo se expressava o coração do outro. Assim, crescemos na certeza que é bom ser um homem, porque víamos a bondade de Deus se refletia nos pais e nos irmãos. E, para dizer a verdade, se busco imaginar um pouco mais como será o paraíso, sempre me parece que ele seria como o tempo de minha juventude e de minha infância. Éramos felizes dessa maneira, neste contexto de confiança, de alegria e de amor, e penso que no paraíso deveria ser semelhante a como era em minha juventude. Neste sentido, espero ir “para casa”, dirigindo-me para “a outra parte do mundo”.
2. Casados “para sempre”, como o vinho bom de Caná
Santidade, somos Fara e Serge, viemos de Madagascar. [...] Os modelos familiares que dominam o Ocidente não nos convencem, mas somos conscientes de que também muitos tradicionalismos de nossa África, de alguma maneira, estão superados. [...] Queremos nos casar e construir um futuro juntos. Também queremos que cada aspecto de nossa vida seja orientado pelos valores do Evangelho. No entanto, falando de matrimônio, Santidade, existe uma palavra que mais do que qualquer outra coisa nos atrai e, ao mesmo tempo, nos assusta: o “para sempre”...
Queridos amigos, obrigado por este testemunho. Minha oração lhes acompanha neste caminho de compromisso. Espero que vocês possam criar, junto com os valores do Evangelho, uma família “para sempre”. Você mencionou aos diversos tipos de matrimônio: conhecemos o “matrimônio tradicional” da África e o matrimônio ocidental. Para dizer a verdade, também na Europa, até o século XIX, havia outro modelo de matrimônio dominante, como agora: muitas vezes o matrimônio era, na realidade, um contrato entre clãs, onde se buscava conservar o clã, criar perspectivas para o futuro, defender as propriedades. Era por parte do clã que se buscava o um para o outro, esperando que o casal se adaptasse. Em nossos municípios, em parte, era assim. Lembro-me que num pequeno município, em que ia para estudar, em grande parte, ainda era assim.
Porém, depois do século XIX, a emancipação do indivíduo, a liberdade da pessoa, e o matrimônio não se basearam mais na vontade dos outros, mas na própria decisão. Precede o namoro, depois se torna compromisso e posteriormente matrimônio. Na época, estávamos todos convencidos de que este era o único modelo justo e que o amor assegurava o sim para “sempre”, porque o amor é absoluto, quer tudo e, em consequência, também a totalidade do tempo: é “para sempre”.
Lamentavelmente, a realidade não foi assim: nota-se que a paixão é bela, mas, talvez, nem sempre é perpétua, tal como é o sentimento: não permanece para sempre. Em consequência, percebe-se que a passagem do namoro para o compromisso e, depois, para o matrimônio, exige diferentes decisões e experiências interiores. Como eu disse, o sentimento do amor é belo, mas precisa ser purificado, deve avançar pelo caminho do discernimento, ou seja, nele deve estar presente também a razão e a vontade. Razão, sentimento e vontade devem se unir.
No rito do matrimônio, a Igreja não pergunta: “você está apaixonado?”, mas pergunta: “você quer?” “você está decidido?” A paixão deve ser convertida num amor verdadeiro, envolvendo a vontade e a razão, dentro de um caminho que é o do compromisso, da purificação, da maior profundidade, de modo que realmente todo o homem, com todas as suas capacidades, com o discernimento da razão e a força de vontade, diz: “Sim, esta é minha vida”.
Penso, frequentemente, nas Bodas de Caná. O primeiro vinho é muito bom: é a paixão. Porém, não dura até o final, deve vir um segundo vinho, ou seja, deve fermentar, crescer e madurar. Um amor definitivo que se converta realmente num “segundo vinho”, que seja melhor que o primeiro vinho. Isto é o que devemos buscar. Aqui é importante, também, que o “eu” não esteja isolado, o eu e o tu, mas que também esteja envolvida a comunidade paroquial, a Igreja, os amigos. Isto – toda a personalização justa, a comunhão de vida com os outros, com famílias que se apoiam mutuamente – é muito importante e só assim, nesta participação da comunidade, dos amigos, da Igreja, da fé e do próprio Deus, é que brota um vinho que dura para sempre. Saudações a todos vocês!
3. Divorciados e casais em segunda união, “plenamente na Igreja”
Santidade, como no resto do mundo, também em nosso Brasil os fracassos matrimoniais continuam crescendo. Eu me chamo Maria Marta, ele é Manoel Angelo. Estamos casados há 34 anos e já somos avós. Como médicos e psicoterapeutas familiares, encontramos muitas famílias, havendo nos conflitos dos casais uma acentuação maior na dificuldade de perdoar e aceitar o perdão, no entanto, em vários casos temos reencontrado o desejo e a vontade de construir uma nova união, algo duradouro, também para os filhos que nascem da nova união. Alguns destes, que se casaram outra vez, queriam se aproximar novamente da Igreja, mas quando percebem que para eles são recusados os sacramentos, a desilusão é grande. Eles se sentem excluídos, marcados por uma sentença inapelável. Estes grandes sofrimentos ferem profundamente os que estão envolvidos; são traumas que também se tornam parte do mundo e, também, são feridas nossas, de toda a humanidade. Santo Padre, sabemos que estas situações e que estas pessoas estão muito presentes no coração da Igreja. Quais palavras e que sinais de esperança podemos lhes dar?
Queridos amigos, obrigado pelo trabalho de psicoterapeutas das famílias, algo muito necessário! Obrigado por tudo o que realizam para ajudar estas pessoas sofredoras! Na realidade, este problema dos divorciados, e dos casais em segunda união, é um dos grandes sofrimentos da Igreja atual. E não temos receitas simples. O sofrimento é grande, e podemos ajudar as paróquias e os indivíduos para que auxiliem estas pessoas a suportarem o sofrimento deste divórcio.
Seria muito importante, naturalmente, a prevenção, ou seja, desde o início aprofundar o namoro para uma decisão profunda e madura. Além disso, é importante o acompanhamento durante o matrimônio, para que jamais as famílias estejam sozinhas, mas que sejam realmente acompanhadas em seu caminho.
Depois, em relação a estas pessoas, devemos dizer – tal como você disse – que a Igreja as ama, mas que elas precisam ver e sentir este amor. Parece-me uma grande tarefa para uma paróquia, para uma comunidade católica, fazer realmente o possível para que essas pessoas sintam que são amadas e aceitas, e que não estão “fora”, embora não possam receber a absolvição e a Eucaristia: devem perceber que assim, também, vivem plenamente na Igreja.
Quando não é possível a absolvição na confissão, um contato permanente com um sacerdote ou com um diretor espiritual é muito importante para que estas pessoas possam ver que são acompanhadas e guiadas. Também é muito importante que elas sintam que a Eucaristia é verdadeira e participada, se entram realmente em comunhão com o Corpo de Cristo. Mesmo quando não haja uma recepção “corporal” do sacramento, podemos estar espiritualmente unidos a Cristo em seu corpo.
É importante tornar isto compreensível. Que as pessoas realmente encontrem a possibilidade de viver uma vida de fé, com a Palavra de Deus e com a comunhão da Igreja, e que possam ver que seu sofrimento é um dom para a Igreja, porque servem assim a todos, também para defender a estabilidade do amor e do matrimônio; e que este sofrimento não é somente físico e psíquico, mas é também um sofrer na comunidade da Igreja, pelos grandes valores de nossa fé. Penso que o sofrimento, se realmente é aceito interiormente, é um dom para a Igreja. As pessoas devem saber que, assim, servem a Igreja, estão no coração da Igreja. Obrigado pelo esforço de vocês!
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Em Milão, o Papa encontra o vinho bom - Instituto Humanitas Unisinos - IHU