Por: Jonas | 31 Mai 2012
“Evo levantou a cabeça de uma geração perdida. Eu trabalhava numa ONG, em Santo Ignácio de Moxos, procurando despertar as consciências. Durante décadas, os partidos tradicionais dividiram o poder e só governavam as famílias da elite. Agora, a maioria dos ministros e vice-ministros vem das organizações sociais”. Germán Huanca é um economista boliviano, formado nos Estados Unidos, com ampla experiência no mundo rural, na administração e na docência. Conhece por dentro o Governo de Evo Morales, já que trabalhou em diferentes departamentos. Seis anos depois que chegou ao poder o primeiro presidente indígena (aymara) na história da Bolívia, Germán Huanca reconhece que várias das expectativas daquele acontecimento histórico se desvaneceram. Porém, ao mesmo tempo, opina que o caminho percorrido nestes seis anos é irreversível.
A reportagem é de Francesc Relea, publicada no jornal El País, 29-05-2012. A tradução é do Cepat.
“As organizações não-governamentais (ONG) concentraram seu trabalho no movimento indígena e camponês. Os cocaleiros tinham a estrutura organizativa mais poderosa e na cabeça estava Evo Morales”. O apoio popular ao líder emergente, que falava em nome dos que estavam marginalizados durante séculos, deu a primeira mudança nas urnas, em 2005, com o triunfo do candidato Evo, com 53,7% dos votos. A vitória foi ampliada com 64,22%, nas eleições de 2009. O Movimento Ao Socialismo (MAS), partido do presidente, tem o controle absoluto do Parlamento e da imensa maioria dos governos departamentais.
Esta superioridade estrondosa permitiu a Evo Morales colocar em ação um processo de transformação inédito, que iniciou com uma Assembleia Constituinte, da qual participaram representantes de todos os setores políticos e sociais, e pela qual surgiu a nova Constituição. O poder mudou de cara. Em todas as instituições públicas aumentaram a presença de aymaras, quéchuas e bolivianos de outras comunidades indígenas. A diversidade do país andino está agora garantida na Carta Magna, que declara o Estado plurinacional da Bolívia.
A nacionalização dos hidrocarbonetos, a decisão de maior transcendência, permitiu abrir os cofres do Estado, que tem recursos para programas sociais de erradicação da extrema pobreza, ao mesmo tempo, que aumentou as reservas internacionais.
Então, por que há desencanto? “Ele surge a partir da percepção de que o Governo não cumpre o que promete”, disse Germán Huanca. “Acontece que a nova Constituição é muito boa, mas não é aplicada. E, assim, temos a degradação do meio ambiente, pelo impacto da mineração descontrolada, o aumento da insegurança cidadã em Santa Cruz...”.
A nova Constituição estabelece que “os indígenas tem o direito à consulta mediante procedimentos apropriados e, em particular, por meio de suas instituições, toda vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas susceptíveis de afetá-los”. O Governo não perguntou aos afetados sobre o projeto de uma estrada de 306 quilômetros na Amazônia boliviana, que atravessaria o chamado Território Indígena e o Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS). Uma reserva protegida, de 1,2 milhão de hectares, onde vivem numerosas comunidades indígenas. A reação das autoridades, em convocar uma consulta, chegou tarde, quando já estava em marcha um movimento de protesto contra o Governo, com a nona marcha indígena, encabeçada por destacados dirigentes sociais e antigos colaboradores de Evo Morales.
As vozes críticas acusam o Executivo, e o próprio presidente, de autoritarismo e arrogância, ao mesmo tempo em que os conflitos e protestos em diversos setores - trabalhadores, médicos, estudantes, policiais -, aumentaram de maneira alarmante. A maior mobilização, contra Evo, foi a oitava marcha do TIPNIS, no ano passado, que chegou até La Paz e foi recebida com autêntico calor popular.
A ministra de Comunicações, Amanda Dávila, reconhece que na última mudança de Gabinete, em janeiro, terminou a paridade de gênero e que, atualmente, só tem sete mulheres entre os 20 ministros. O presidente optou por um perfil mais técnico, em detrimento dos políticos do MAS, “porque havia muitas coisas que não funcionavam”. A ministra menciona “o esquecimento dos povos indígenas das regiões planas, sem água potável e nem luz em muitas comunidades amazônicas”. No novo Executivo só há quatro ministros indígenas, mas as comunidades originárias aumentaram sua presença nos órgãos do poder judiciário, em vice-ministérios e direções gerais.
Evo Morales conserva o apoio de uma parte significativa das organizações sociais, apesar da divisão em algumas delas. As rivalidades internas impedem ou atrasam as nomeações para os novos cargos. “Demora muito mudar um ministro, porque significa enfrentar os movimentos sociais”, destaca a titular das Comunicações.
O que mais faz Evo sofrer é a “traição dos dirigentes que se venderam, como Adolfo Chávez (presidente da Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia – CIDOB), que firmou um pacto com Rubén Costas, governador de Santa Cruz, que chamou Evo Morales de ‘excelentíssimo assassino’”. Preocupa-lhe menos, segundo a ministra, a deserção de aproximados colaboradores do presidente como Alex Contreras (ex-porta-voz do presidente), Raúl Padra (ex-vice-ministro do Planejamento) ou Alejandro Almaraz (ex-vice-ministro de Terras). “A classe média, já se conhece”, disse Amanda Dávila. “Para ele, doeria de verdade, se fosse traído por sua gente: os cocaleiros”.
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A estrondosa superioridade de um presidente indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU