Por: Cesar Sanson | 17 Mai 2012
“No seio da Comissão da Verdade existem posições divergentes entre os seus integrantes”. O comentário é de Wálter Fanganiello Maierovitch em artigo no Terra Magazine, 16-05-2012.
Eis o artigo.
A presidente Dilma acaba de instalar a Comissão da Verdade e dar posse aos sete membros que escolheu para a tarefa de, dentro em dois anos, apurar as violações ocorridas num arco temporal de 1946 a 1988.
Na véspera da cerimônia, duas questões foram levantadas e apenas uma está respondida.
No seio da Comissão existem posições divergentes entre os seus integrantes.
Para o advogado José Carlos Dias, um dos seus membros, a Comissão, referentemente aos 21 anos de ditadura militar (1964-1985), deverá apurar fatos perpetrados pelo que chamou de dois lados. Ou seja, do Estado, pelos militares, e da esquerda que optou pela luta armada.
A levar o dardo adiante nessa sua estultice, Dias talvez imagine em convocar a presidente Dilma a prestar declarações à Comissão da Verdade e ao tempo que integrava um movimento de resistência. Dilma que não pegou em armas foi presa e torturada.
Contra a tese de Dias já se manifestaram Rosa Maria Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kel. Os demais membros da Comissão nada revelaram, mas se pode presumir que o ministro Gilson Dipp tenha posição igual a sustentada por Dias. Como se sabe, Dipp defendeu, sem sucesso, a legitimidade da Lei de Anistia de 1979 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos e como representante do governo brasileiro. Sua indicação deveu-se a sugestão do então ministro Nelson Jobim, à época na pasta da Defesa.
Dias, na verdade, elabora a sua tese a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal que, por 7 x 2 votos e com o voto condutor e canhestro do ministro Eros Grau, de triste memória, entendeu pela constitucionalidade da lei de Anistia, dada como bilateral, ampla e geral, ou seja, a impedir punições na esfera da Justiça criminal.
Com tal tese, Dias despreza a Constituição de 88 que legitima e obriga (força vinculante) o cumprimento das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. E a Corte Interamericana não admite a autoanistia, caso típico da lei brasileira de 1979, concebida em plena ditadura militar e com um Legislativo biônico.
Claro está que, na ditadura, praticou-se terrorismo de Estado, com o assassinato de 144 de opositores do regime e, em face de sequestro, o desaparecimento de 150 conacionais. Até hoje, à luz do direito penals, o crime de sequestro, — que é permanente–, continua em consumação uma vez que estão desaparecidas as 150 vítimas.
Pelo prisma legal, agentes do Estado praticaram crimes de lesa-humanidade e os fatos e as condutas, espera-se, devem ser investigadas pela Comissão da Verdade. A resistência à ditadura, ainda que armada, consistiu em reação legítima à tomada golpista do poder e quando em vigor a estava a Constituição democrática e republicada de 1946.
Não bastasse esse dissenso pela tese de Dias, entrou em cena o ex-ministro Nelson Jobim, que não integra a Comissão, mas vestiu quando ministro da Defesa a farda, ou melhor, aderiu à tese dos militares e dos seus clubes. Jobim afirma ter, na condição de ministro, fechado um acordo, que não constou do projeto convertido em lei, para “apurações bilaterais”: fatos decorrentes de agentes do Estado e dos grupos armados de resistência e de esquerda ideológica.
Jobim, – que em livro laudatório confessou ter inserido na Constituição dispositivos que não levou ao exame dos seus pares constituintes –, fala em acordo. Este é negado pelo ex-secretário nacional Paulo Vannuchi, da pasta de Direitos Humanos. Vannuchi, a propósito e quando secretário nacional, havia, em inúmeras entrevistas, chamado de “monstrengo jurídico” a tese da “bilateralidade nas apurações”.
Pano rápido. Quem viver, verá.
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“Comissão da Verdade começa com bate-cabeça” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU